Erdogan recebido com gritos de "assassino" depois de tragédia em mina de carvão

Acidente matou pelo menos 274 mineiros. Imprensa turca acusa Governo de negligência, e manifestantes exigem demissão.

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BULENT KILIC/AFP
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Osman Orsa/Reuters
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O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, garantiu que “nenhum detalhe” seria descurado e que “todas as pedras seriam revolvidas” no âmbito do inquérito para apurar as causas de uma explosão – e incêndio – no interior de uma mina de carvão em Soma, na região ocidental do país. Pelo menos 274 trabalhadores morreram, e mais de uma centena continuava encurralada pelo fogo, que ainda ardia mais de 24 horas depois do acidente.

O Governo decretou três dias de luto nacional e o primeiro-ministro prometeu “dar todos os passos” e “tomar todas as medidas” para que incidentes semelhantes não voltem a repetir-se na Turquia. Mas as palavras decididas do primeiro-ministro não convenceram a opinião pública turca, que responsabilizou Erdogan e o seu Governo pela tragédia de Soma.

Horas depois da explosão, as manchetes dos jornais já continham o veredicto quanto às razões para o acidente. “Negligência”, concluíam o Hurriyet e Today’s Zaman, lembrando que no mês passado o partido AKP do primeiro-ministro travou uma proposta para investigar o respeito pelos regulamentos de segurança depois de uma sucessão de mortes em minas.

Na rua, nas redes sociais e na comunicação social, apontava-se o dedo à alegada incúria ou laxismo do Governo, que terá ignorado denúncias relativas às más condições de segurança da mina de Soma. “O Governo e a maioria no parlamento ignoraram os alertas e os mineiros pagaram com a vida”, escrevia o Hurriyet. E agora, atacava o Radikal, “ninguém arca com a culpa, ninguém pede desculpa, ninguém se demite”.

Em Ancara, o ministério da Energia foi o local escolhido para extravasar a fúria popular com o acidente – o pior desastre industrial da história da Turquia. Na cidade de Istambul, os manifestantes acorreram à sede da Soma Holdings, a proprietária da mina – na parede do edifício já estava pichada a acusação de “Assassinos”. O acesso à praça Taksim e ao parque Gezi, palco dos protestos anti-governamentais no Verão passado, foi imediatamente bloqueado pela polícia anti-motim, que dispersou os manifestantes com recurso a gás lacrimogéneo e canhões de água.

Mas foi em Soma que os protestos assumiram um tom mais violento, simultaneamente sombrio e dramático. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e respectiva comitiva foram afastados do local com gritos de “demissão”, e também de “ladrões” e “assassinos”. A segurança viu-se incapaz de travar a fúria dos manifestantes, que arremessaram pedras contra o primeiro-ministro, obrigado a refugiar-se dentro de um supermercado, e atingiram os automóveis oficiais ao pontapé.

Algumas das declarações de Erdogan acabaram por inflamar os ânimos no local, especialmente quando o primeiro-ministro evocou os números das fatalidades em acidentes em minas britânicas no século XIX – “Estive a estudar a história dos acidentes. Houve 204 mortos num colapso de uma mina em 1838, e em 1866 outros 361 mineiros morreram na Grã-Bretanha. Numa explosão em 1894 foram 290 vítimas”, enumerou – ou quando perdeu a paciência com um jornalista da Al-Jazira que o questionou sobre o licenciamento da mina. “Suponho que não seja conhecedor do funcionamento das minas de carvão. Tanto quanto sei, há reservas de gás natural, mas não existem minas de carvão no Qatar”, observou.

Para muitos analistas, a reacção de Erdogan e a sua “banalização” da tragédia como um acontecimento vulgar e até inevitável na indústria extractiva ainda poderiam trazer sérios engulhos políticos ao executivo e ao partido. “Afronta: a recusa do Governo turco em admitir qualquer falha ou assumir qualquer responsabilidade começa a parecer um erro grave”, resumia Benjamin Harvey, o chefe da redacção da Bloomberg na Turquia, no Twitter.

Mas a “desresponsabilização” era claramente a estratégia do executivo. Depois de Erdogan se insurgir contra “elementos extremistas que procuram obter proveitos de desenvolvimentos como este, que fazem parte da natureza do processo extractivo”, para desacreditar o trabalho do Governo, o ministro do Trabalho e Segurança Social, Faruk Çelik, informou que a unidade em causa fora alvo de oito inspecções nos últimos quatro anos, a última das quais em Março, sem que qualquer problema tivesse sido identificado.

Um cordão formado por militares garantia o acesso das equipas de emergência à boca da mina onde decorria em contra-relógio a missão de busca e salvamento. O último mineiro a ser resgatado com vida dos escombros foi transportado para o hospital durante a madrugada de quarta-feira; depois disso “as esperanças de encontrar alguém vivo diminuíram significativamente”, reconheceu o ministro da Energia, Taner Yildiz.

A explosão ocorreu numa unidade de distribuição eléctrica: terá sido um transformador. Segundo informaram as autoridades, no momento do acidente, o local estava repleto com 787 trabalhadores: era a hora da mudança de turno. De acordo com a empresa responsável pela exploração da mina, 450 homens foram retirados em segurança depois do fogo deflagrar. O rastilho para a explosão ainda não foi identificado, mas o operador explicou que “foi a subsequente dispersão de monóxido de carbono e outros fumos tóxicos que infelizmente provocou a maior parte das mortes no interior da mina”.

Os trabalhos de resgate envolviam mais de 400 operacionais, incluindo trabalhadores de outras minas da região. A localização dos mineiros era incerta: sem elevadores, muitos poderiam estar presos a mais de 450 metros de profundidade. Os bombeiros estavam a bombear oxigénio para os canais e túneis livres de fogo e fumo, sem certeza contudo que o ar respirável chegasse até às áreas onde ainda se encontravam trabalhadores.

Na entrada da mina, e também à porta do hospital para onde foram transportadas as vítimas do acidente, os gritos da multidão eram frequentemente abafados pelas lágrimas – as horas de espera eram uma mistura de vigília e de velório pelos mortos, diziam os jornalistas no local.

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