“Castigos corporais não são permitidos em caso algum”, diz magistrada

MP pode iniciar processos "quando o direito de queixa não puder ser exercido", diz procuradora. Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que castigaram filho com um cinto.

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O tabaco e os maus resultados escolares foram a justificação para os pais castigarem o filho com o cinto Eva Carasol/Arquivo

Sem nunca se pronunciar sobre o caso dos pais que castigaram o filho com um cinto, deixando-o incapacitado e de cama durante dez dias, noticiado nesta terça-feira pelo Diário de Notícias, a magistrada do Ministério Público (MP) Helena Gonçalves explicou ao PÚBLICO que os castigos corporais não são, “nunca”, permitidos em Portugal.

“Os castigos corporais não são permitidos em caso algum” e podem constituir uma forma de mau trato e configurar “situações de perigo, que legitimem a intervenção do sistema de protecção de crianças previsto na Lei de Promoção de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, afirmou a magistrada numa entrevista por email.

Além disso, esclareceu a procuradora, o Código Penal atribui ao Ministério Público legitimidade para dar início ao procedimento criminal, mesmo quando este depender de uma queixa. Ora, foi o facto de não existir uma queixa, neste caso do rapaz de 11 anos espancado pelos pais, que levou o Tribunal da Relação a determinar que o MP não tinha “legitimidade” para deduzir acusação, como se lê no acórdão de 2 de Abril, publicado no final desse mês.

Os pais começaram por ser condenados, em primeira instância, por ofensa à integridade física qualificada e depois absolvidos pelo Tribunal da Relação do Porto. Os juízes consideraram ser este um crime de ofensa na forma simples e não agravada e decidiram a absolvição com base numa questão processual – sendo a ofensa na forma simples um crime de natureza semi-pública, só poderia ter sido deduzida acusação pelo MP se tivesse havido queixa.

No entender de Helena Gonçalves, porém, e de uma forma geral, a legitimidade é atribuída ao MP para iniciar um processo “desde que o interesse do ofendido (vítima) o aconselhe” ou quando “o direito de queixa não puder ser exercido”; e também em situações em que quem detiver esse direito “for o agente do crime” e quando a vítima for menor ou não entender o significado do exercício do direito da queixa. E essa seria a situação do rapaz de 11 anos.

Cigarros e maus resultados
Tudo começou na noite de 19 de Março de 2012, quando os pais perceberam que o filho andava a encobrir os maus resultados escolares e estaria a fumar. Na casa onde vivem, depois de uma zanga e perante a impertinência do filho, a mãe bateu-lhe com o cinto. Apesar da repreensão, que "não acatou", segundo o acórdão, o rapaz de 11 anos continuou a sorrir. O pai interferiu, atingindo também o filho com um cinto.

Nos dez dias seguintes, o rapaz ficou de cama com “equimoses de coloração arroxeada” nas nádegas e pernas, algumas “dolorosas à palpação". O acórdão não esclarece se este foi um acto isolado, embora diga que não existam provas de "reiteração" deste comportamento por parte dos pais.

No julgamento, em primeira instância, mãe e pai foram condenados, ainda em 2012, por considerar o tribunal que o uso do cinto numa criança "indefesa" de 11 anos, não se enquadrava, "pela sua desproporcionalidade, no âmbito de um poder/dever de educação/correcção” dos pais. Estes vieram depois, e durante o recurso, a justificar “o meio utilizado e a agressão” como forma de “corrigir o comportamento escolar” do filho, para que este pudesse “vir a ter, no futuro, uma vida melhor e mais responsável”, a que os juízes desembargadores foram sensíveis.

No recurso no Tribunal da Relação do Porto, que os absolveu no mês passado, a defesa tentou provar que o comportamento dos pais não configurava um crime de ofensa à integridade física de forma qualificada, um crime público, mas um crime de ofensa à integridade física de forma simples, de natureza semi-pública, para a qual teria sido necessária uma queixa.

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