O meu reino por um cromo “difícil”

Poucos concebem um Mundial sem a tradicional colecção de cromos. A corrida às pequenas figurinhas já começou, com assaltos no Brasil e professores que enganam os alunos na Colômbia.

A fábrica em que os cromos estão a ser produzidos
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A fábrica em que os cromos estão a ser produzidos Paulo Whitaker/Reuters
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A fábrica em que os cromos estão a ser produzidos Paulo Whitaker/Reuters
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Cromos do Mundial 2014 a ser embalados Paulo Whitaker/Reuters
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Os preciosos rectângulos dos cromos da Panini Paulo Whitaker/Reuters
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Funcionário acompanha a produção dos cromos da Panini Paulo Whitaker/Reuters

João Brites tinha seis anos e chorou duas vezes durante o Mundial de Espanha, em 1982. Primeiro quando a selecção brasileira – com os melhores jogadores da altura e favoritíssima à vitória – foi eliminada pela Itália. Depois, quando uma prima a quem lhe tinha saído o cromo do italiano Paolo Rossi decidiu trocá-lo com outro primo. “Era o mais difícil de sair”, diz ao PÚBLICO, agora com 38 anos. Podem ser pequenos rectângulos de 4x6 centímetros, mas o seu poder é imenso.

A pouco mais de uma semana para o pontapé de saída do Campeonato do Mundo do Brasil, a colecção de cromos da Panini já está nas bancas e nos quiosques já se pergunta pelas “carteirinhas”.

A edição do Mundial deste ano promete bater recordes de vendas para a empresa italiana. O Brasil já é o maior mercado para as colecções de cromos da Panini e como país organizador da competição é muito provável que as vendas disparem ainda mais.

Em 2010, foram vendidas no Brasil 220 milhões de saquetas de cromos para a caderneta do Mundial da África do Sul, ultrapassando a Alemanha como mercado número um, de acordo com a Reuters. “Desta vez, esperamos que as vendas sejam 50% mais elevadas”, afirmou à agência o dirigente da organização dos proprietários de quiosques de São Paulo, José António Mantovani.

A notícia recente do assalto a uma carrinha de distribuição que transportava nada menos do que 300 mil cromos no Rio de Janeiro fez estalar o pânico entre os coleccionadores. A Panini teve mesmo de publicar um comunicado a assegurar que a distribuição de cromos na cidade não ficou comprometida.

Mas a corrida aos cromos é praticamente global e a paixão é tanta que pode levar a alguns exageros. Na Colômbia, um professor foi acusado de ficar com os cromos que confiscava aos alunos, levando mesmo à abertura de uma investigação pela autoridade regional de educação de Bucaramanga.

O difícil Rossi
Desde o Mundial de 1970 no México que a empresa de Modena (Itália) faz colecções para a competição. Ao longo desse tempo as cadernetas foram mudando, sempre no sentido de aumentar o número de cromos. Basta dizer que em 1970, eram 250 os cromos à disposição e agora, em 2014, a colecção tem nada mais, nada menos do que 639.

É precisamente devido à extensão da colecção que surgem os “dramas” dos fãs. Durante os primeiros tempos, os cromos que vão saindo têm todos lugar na caderneta, mas à medida que a colecção vai ficando completa começam a surgir os odiados repetidos.

A Panini insiste que imprime um número uniforme de cromos e que a distribuição é aleatória, mas qualquer pessoa que tenha feito uma colecção já se deparou com jogadores “difíceis”.

John Crace partilhou, no Guardian, a sua experiência de quarenta anos a coleccionar cromos de Mundiais e apesar de ter conseguido completar a maioria, recorrendo a sites como o eBay, sabe de cor os cinco do Mundial de 1970 que ainda lhe faltam: Leão, Everaldo, Alan Ball, Francisco Castrejón e a equipa do Brasil.

Ao PÚBLICO, João Brites, que fundou e gere o blogue “O Cromo dos Cromos”, falou de Paolo Rossi, o cromo que ainda lhe está atravessado. “Pode ser coincidência, mas há cromos mesmo difíceis de sair.” Curiosamente, Rossi havia de ser o “carrasco” do Brasil em 1982 ao marcar três golos que eliminaram o “escrete”.

E nem os protagonistas estão imunes. Foi o caso do costarricense Joel Campbell, que alinha no Olympiacos da Grécia por empréstimo do Arsenal, que depois de ter comprado 500 cromos não encontrou o dele. A história correu as redes sociais, motivando até a criação da hashtag no Twitter #BadLuckCampbell. A Panini respondeu ao jogador, garantindo que o cromo existe e mostrou-se disponível para lhe enviar o seu directamente.

Apesar de parecer uma brincadeira de crianças, as colecções de cromos fazem parte do imaginário das gerações mais velhas e é frequente encontrar adultos a procurar as saquetas pelos quiosques.

João Brites fala da “nostalgia” em relação a uma época. “Faz-me lembrar a infância e até me interesso mais pelas [colecções] antigas do que pelas mais recentes”, diz-nos. Para o blogger, os cromos eram uma forma de chegar mais perto dos jogadores. “Quando andava na escola primária não havia o mediatismo de hoje. Agora os miúdos vêem os jogadores no Youtube ou na televisão”, conta Brites.

A Panini percebeu isso mesmo e, para tentar chegar às gerações mais novas, lançou em 2010 um álbum digital, que mantém na edição deste ano. João Brites considera que a digitalização dos álbuns é “uma faca de dois gumes”. “Por um lado, pode captar os jovens para terem mais interesse. Mas, por outro lado, perde-se aquela coisa de abrir a carteirinha”, diz o coleccionador.

Quando olha para as colecções mais antigas, Brites nota mudanças sobretudo no design, que é “mais perfeitinho”. Ainda assim, as imperfeições de outras décadas continuam a merecer a preferência do coleccionador.

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