Festival Bons Sons: aldeia cultural em construção

O Bons Sons, festival que ocupa bienalmente a aldeia de Cem Soldos, é uma óptima forma de tomar o pulso à actualidade da música portuguesa.Chega em Agosto e entre os 55 nomes em palco estarão Sérgio Godinho, Ricardo Ribeiro, Memória de Peixe, Samuel Úria, Ermo ou Capicua.

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O festival que é obra comunitária de Cem Soldos, na freguesia da Madalena, Tomar Miguel Madeira
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Há dois anos foi Vitorino, há quatro foi Fausto. Este ano será Sérgio Godinho o patrono, chamemos-lhe assim, do Bons Sons, o festival que é obra comunitária de Cem Soldos, na freguesia da Madalena, Tomar, e que desde 2006 faz da aldeia um espaço de celebração da música portuguesa. Edição bienal após edição bienal, foi atraindo dezenas de milhares vindos dos quatro cantos do país, ganhando espaço de destaque no roteiro português de festivais.

Sérgio Godinho é um dos destaques entre os 55 nomes que actuarão entre 14 e 17 de Agosto (com recepção ao campista dia 13). Um cartaz tão ecléctico e abrangente quanto o é o actual cenário musical português e que foi apresentado na sua totalidade esta quarta-feira, numa conferência de imprensa transformada em visita à aldeia. Isto porque esta aldeia chamada Cem Soldos e as gentes que a habitam são, de facto, a personagem principal do festival: são os seus habitantes que o constroem, em regime comunitário, e é a ela, através da dinamização do Sport Clube e Operário de Cem Soldos (SCOCS), que os proventos do festival se destinam. 

Pela aldeia passará o fado de Ricardo Ribeiro e de Gisela João e a guitarra portuguesa de António Chainho, o hip hop de Capicua e as canções pesadelo dos Ermo, a sensibilidade de Noiserv e o experimentalismo rock dos Memória de Peixe, a melancolia solar dos Long Way To Alaska ou a música tradicional portuguesa sabotada com todo o amor pelos Gaiteiros de Lisboa. Passará música que, como diz Luís Ferreira, director artístico do festival, reflecte “o presente neste contexto político, social e cultural” – por isso mesmo, acentua, o festival não repetiu um único nome desde a primeira edição. Mas o Bons Sons mostra algo mais sob a superfície dos concertos e da vivência de uma Cem Soldos transformada em cidade durante quatro dias (aos mil habitantes juntaram-se trinta e cinco mil espectadores na edição 2012).

O Bons Sons divide-se por sete palcos. O Lopes Graça, onde veremos Sérgio Godinho, a Presença das Formigas ou Ricardo Ribeiro; o Giacometti, alojado no cruzamento entre um par de ruas, por onde passarão JP Simões, Amélia Muge ou Norberto Lobo + João Lobo; o Eira, tal como o nome indica uma antiga eira, definitivamente rural, portanto, que será reconvertida em palco para rock urbano, recebendo as Anarchicks ou os First Breath After Coma; o Auditório de Cem Soldos, na antiga Casa do Povo, onde se ouvirá, por exemplo, o piano de Tiago Sousa; o A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, programado pelo portal e arquivo vídeo que lhe dá nome e que ocupará a Igreja de São Sebastião (Lavoisier, Reportório Osório ou Os Capitães de Areia serão alguns dos nomes presentes); o Tarde ao Sol, com os Tocá Rufar, entre outros; e o Acústico, na sede do SCOCS, aberto a quem o quiser ocupar (basta vontade de trocar experiências e de tocar música original).

Na madrugada dos dias de festival o Palco Lopes Graça transformar-se-á, muito a propósito, em Palco Aguardela: os Prémios Megafone, criados após a morte de João Aguardela para distinguir músicos e agentes que trabalham na preservação e renovação da música tradicional portuguesa, serão este ano atribuídos no âmbito do festival, dia 14, contando com a actuação desses extraordinários mirandeses chamados Galandum Galundaina.

Enquanto Luís Ferreira apresenta o cartaz, um tractor anuncia-se ruidosa e lentamente no Largo do Rossio, zona nevrálgica da aldeia (tudo converge para ele, centro de encontro e de convívio) e cenário onde será daqui a uns meses instalado o palco Lopes-Graça. O director artístico do festival aponta: “Aquele é um dos tractores que vai transportar o público da aldeia para o parque de campismo [a um quilómetro de distância]”. Não se veja nada de pitoresco no transporte escolhido (de resto, também haverá autocarros a ligar Cem Soldos a Tomar de hora a hora). Trata-se antes de utilizar os meios e pessoas disponíveis para que o festival se realize a uma escala humana e com uma “cultura participativa”, como diz Luís Ferreira. “Acreditamos que estamos do lado certo”, acrescenta.

Enquanto caminhamos pelas ruas da aldeia, antevemos o que nascerá: a eira que será limpa da vegetação para se transformar em palco, as casas por agora fechadas que se transformarão em tascas com comida regional ou a zona relvada onde estarão em Agosto os burros mirandeses que dali partirão para levar os visitantes em viagem pelas redondezas. Vemos, igualmente, o que já existe. O centro de ATL, sob a alçada do SCOCS, que servirá de zona de apoio a músicos e voluntários do festival, o Auditório de Cem Soldos onde se verão concertos ou o cinema das Curtas em Flagrante e que, por esta altura, acolhe a 18.ª edição da Mostra de Teatro da aldeia, o armazém que é galeria de exposições e que, durante o festival, será programado em parceria com o festival de arte urbana micaelense Walk & Talk.

“O festival é mais um filho da terra”, diz Luís Ferreira. É organizado pela população em regime de voluntariado. Um voluntariado com objectivo preciso. Trabalhar gratuitamente por trabalhar gratuitamente, sem mais, transmitiria a imagem errada. O objectivo é que o trabalho voluntário resulte em algo palpável. Algo como a Casa Aqui Ao Lado, edifício para residências artísticas, ou o projecto de reabilitação urbana Lar Aldeia, através do qual se pretende dar apoio e qualidade de vida à população envelhecida. Ambos os projectos estão “fechados e aprovados” oficialmente. Falta o financiamento para o arranque. Não chegou com a edição 2012, mas os organizadores acreditam que virá com o festival deste ano.

Enquanto ouvimos o showcase de Peixe e de Samuel Úria, breve apresentação da música que ouviremos em Agosto, pensamos que, visto de fora, o Bons Sons é um festival singular no panorama nacional, uma oportunidade de tomar o pulso à vitalidade da música portuguesa actual num cenário e num ambiente peculiar. Pensamos que, visto de dentro é também isso, mas mais. É a parte mais destacada de um objectivo para o qual os organizadores trabalham de forma afincada, constante e consequente: fazer de Cem Soldos “aldeia cultural”, viva e activa. Em Agosto, dezenas de milhares chegarão para experimentar, vivendo a aldeia e a música que a ela chega, o que isso poderá significar.

 

 

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