Imprensa continua a “guinar” para o digital: Maio traz o Expresso diário e O Observador

Edição diária do Expresso de segunda a sexta arranca amanhã. O Observador, que existirá apenas na internet, conta estrear-se ainda este mês.

Quarenta e um anos de história semanal dão lugar, esta terça-feira, a uma inovação no Expresso: o título fundado por Francisco Pinto Balsemão passará a ter uma edição diária de segunda a sexta-feira, apenas em formato digital, às 18h, exclusiva para assinantes e compradores da edição em papel. Além do diário da Impresa, a imprensa portuguesa assistirá, dentro de alguns dias – pelo menos até ao fim do mês, esperam os promotores – ao nascimento de um novo título, O Observador, que viverá apenas no mundo digital.

Esta “guinada digital”, como lhe chama Ricardo Gosta, director do Expresso, usando uma expressão brasileira, é uma estratégia que, assumidamente, veio para ficar. Depois de todos os meios de comunicação social terem deixado de ser apenas editados em papel, transmitidos via rádio ou televisão e terem passado a ter uma presença online, agora é tempo de aprofundar o negócio no espaço virtual, sem o qual nenhum media sobrevive.

“Estamos a ir todos na mesma direcção mas por caminhos diferentes”, diz Ricardo Costa, lembrando a estratégia do PÚBLICO que em Novembro passou a ter conteúdos online fechados, e a recente aposta da Rádio Renascença no Página 1, uma edição digital que bebeu inspiração para o nome num programa da década de 60 e que é editada às 8h30 agregando as principais notícias da últimas horas e antecipa o dia.

Ricardo Costa descreve a nova edição diária do Expresso como “a leitura dos acontecimentos do dia, feita pela redacção do Expresso com análise e interpretação”. Admite a intenção de se antecipar aos telejornais das 20h, vistos no seu conjunto por cerca de três milhões de pessoas, e de aproveitar o facto de os vespertinos terem desaparecido e não haver um produto que olhe para as últimas 12 horas de notícias.

Sendo uma estratégia pioneira em Portugal, o director do Expresso lembra os casos do El Mundo, La Repubblica, Globo e Estado de São Paulo que já têm, uns há dois anos, outros há poucos meses, edições vespertinas às 18h. Realça que o El Mundo da tarde é "puramente noticioso" e que o Globo é mais "magazinesco", Ricardo Costa diz que o Expresso vai "fazer algo a meio caminho" e rejeita a ideia de deixar as notícias de investigação própria para a edição semanal porque, acredita, não haverá canibalização entre o diário e o semanário.

“Hoje o ciclo noticioso é um ciclo contínuo, mas com vários picos. Um deles começa às 18h, quando há mais leitura em tablets, smartphones e reforço no computador”, afirma Ricardo Costa. Com o lançamento do diário, o Expresso passa a conjugar três patamares: "o imediatismo do online, a obrigação de um semanário com profundidade e a análise e leitura do dia".

Só poderá aceder à edição diária quem for assinante do Expresso – em papel ou digital, que neste caso já chega aos oito mil – ou quem comprar o jornal, mas esta primeira semana será de acesso livre. A cada sábado, o jornal terá um código para usar na semana seguinte em até cinco dispositivos diferentes. O preço da edição em papel aumenta este sábado de 3 para 3,2 euros para acomodar o investimento e prevê-se que a curto prazo também suba o preço da assinatura digital, que custa 69,99 euros por ano. A escolha da data de lançamento prende-se com uma tradição de Francisco Pinto Balsemão de lançar quase todos os novos projectos a um dia 6.

Para as novas tarefas o reforço da redacção foi escasso e o director diz que passará a implicar um “enorme esforço”. À equipa juntou-se Pedro Santos Guerreiro, que deixou a direcção do Jornal de Negócios para liderar este projecto diário, Bernardo Ferrão que transitou da SIC para editar a Política, e Germano Oliveira que foi da Renascença para o apoio à área digital. Aumentarão as sinergias com a Exame Informática e sobretudo com a SIC. António José Teixeira, director da SIC Notícias, e José Gomes Ferreira serão analistas diários. E os cronistas do Expresso Daniel Oliveira, Henrique Monteiro e Henrique Raposo passarão a ser exclusivos da edição diária.

Sem falar em objectivos concretos, Ricardo Costa apenas diz querer “aumentar a audiência do jornal”. Segundo o Netscope, o Expresso teve em Março 6,3 milhões de visitas e 28 milhões de pageviews, enquanto o PÚBLICO, o jornal generalista que mais visitas recebe, teve 10,8 milhões de visitas e 37,8 milhões de pageviews.

 
O Observador este mês, mas ainda sem data

Ainda sem data, mas com vontade de chegar “o mais depressa possível” está O Observador. Segundo José Manuel Fernandes, publisher do novo projecto que conta com David Dinis como director, “só faltam os testes técnicos” para definir o dia. O título vai viver só online, sustentado apenas por publicidade, com todos os conteúdos abertos e grátis. Estão previstos pequenos programas em vídeo para disponibilizar no site, sobre cultura e conversas sobre a actualidade, assim como podcasts, adianta o responsável, sem querer revelar pormenores.

“Queremos ser diferentes, dar outras perspectivas, procurar explicar os acontecimentos de forma mais apelativa. Queremos acrescentar valor, dar mais elementos de interpretação. Boa parte do jornalismo em Portugal é muito parecido, muito metódico”, considera José Manuel Fernandes que esteve na fundação do PÚBLICO e foi seu director durante 11 anos. Quer ter um "outro tipo de olhar" sobre a realidade.

A redacção é composta por 23 jornalistas, com uma média de idades baixa, a maioria na casa dos vinte - o que facilita no momento de pensar e trabalhar exclusivamente de forma digital, realça. Por exemplo, também por uma questão de custos, a maior parte do sistema informático é open source, ou seja livre de licença, e todo o trabalho é feito na nuvem. "Não podemos passar a vida a dizer que temos a juventude mais qualificada de sempre e depois dizer que os novos são muito novos e que lhes falta experiência", responde José Manuel Fernandes quando confrontado com a ideia de que a jovialização das redacções leva à perda de memória no jornalismo.

O facto de ser apenas digital permitirá ao Observador ter prioridades diferentes das das edições em papel. A notícia pode ir crescendo em vez de ter que estancar no momento de mandar imprimir o jornal. Apesar de ser um projecto "com um chip diferente" da restante imprensa, a concorrência estará em todo o lado, dos jornais à televisão. José Manuel Fernandes lembra que o mercado português já tem órgãos de comunicação social só digitais, como é o caso do Diário Digital - que "nasceu cedo demais" -, do Mais Futebol - "muito bem feito mas muito segmentado" - ou do Notícias ao Minuto - "com características para-jornalísticas".

O projecto começou a ser delineado há mais de dois anos. "Havia algumas ideias na área editorial, fizeram-se contactos para perceber se tinham consistência e depois outros contactos para saber se haveria hipótese de arranjar financiamento. Pela mesma altura, António Carrapatoso estava à procura de hipóteses de investimento na área dos media. Houve uma conjugação de vontades", descreve José Manuel Fernandes que acrescenta não ter sido fácil definir um modelo de negócio numa altura de crise geral e em que o mercado publicitário caiu para metade entre 2007 e 2013. No ano passado, a quota do digital era de apenas 10% do mercado publicitário global - avaliado em cerca de 400 milhões de euros. "Tendo em conta que nos mercados desenvolvidos o digital está nos 30%, ainda há muita margem para crescer em Portugal", estima o publisher do Observador.

São 15 os investidores do Observador, que já se instalou no Bairro Alto, junto ao Conservatório. Entre eles contam-se os empresários Alexandre Relvas, Filipe de Botton, António Carrapatoso, Luís Amaral, Carlos Moreira da Silva, António Pinto Leite, Pedro Almeida. Aos primeiros é conhecida uma ligação forte ao PSD – estiveram na génese do Compromisso Portugal – e David Dinis foi assessor de Durão Barroso.

José Manuel Fernandes desvaloriza o cenário de os leitores identificarem o produto com o PSD. “De todos, haverá uma minoria com ligação ao PSD e alguns já tiveram cargos públicos com o PS. Outros não têm ligações partidárias. São pessoas que partilham interesses pela democracia liberal e pela economia de mercado – e isso tem muitos mais defensores do que se pensa.”

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