Factores genéticos só explicam em 50% as causas de autismo, segundo estudo

Análise na população sueca revelou aumento de riscos da doença em pessoas com familiares diagnosticados com autismo. Especialistas querem encontrar factores ambientais que podem ter influência no problema.

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As pessoas com perturbações do espectro do autismo podem ter problemas de interacção social Paulo Pimenta

Uma das dificuldades para encontrar uma solução para o autismo é compreender exactamente o que provoca esta doença de foro neurológico. Já se compreendeu que há um factor multigenético na origem destas perturbações. Uma investigação que analisou mais de duas milhões de crianças nascidas na Suécia entre 1982 e 2006 revela agora que a hereditariedade só explica metade do risco para se desenvolver esta doença. O resto dos factores estará no ambiente, defende um artigo publicado neste sábado no The Journal of the American Medical Association (JAMA).

Perturbações do espectro do autismo é um chapéu grande que engloba as várias perturbações relacionadas com o autismo originadas por um desenvolvimento incorrecto do sistema nervoso. Esta anomalia fisiológica acaba por causar vários sintomas: problemas de interacção social, atrasos no desenvolvimento da linguagem, comportamentos repetitivos e uma adesão inflexível a rotinas. O autismo é a forma mais profunda destas perturbações.

É difícil compreender as origens exactas deste desenvolvimento anómalo do sistema nervoso. Tudo indica que na origem estão mutações em vários genes diferentes. Por isso é tão difícil adivinhar logo à nascença se alguém vai desenvolver alguma forma de autismo. Por outro lado, torna-se complicado encontrar uma solução para a doença ou evitá-la.

A equipa do investigador Sven Sandin, do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, e do King’s College de Londres, partiu de uma questão muito simples para tentar responder a estes problemas: “Se eu tiver um filho com autismo, qual será o risco de o meu próximo filho também ter autismo?”

Para responder a esta questão, a equipa de Sven Sandin analisou os dados anónimos dos 2.049.973 cidadãos suecos que nasceram entre 1982 e 2006. O estudo incluiu 14.516 crianças com perturbações relacionadas com o autismo e 5689 que tinham efectivamente autismo.

Os investigadores fizeram dois estudos separados publicados agora no artigo do JAMA. Por um lado, quiseram perceber qual era o risco de se ter autismo quando um familiar tinha sido diagnosticado com perturbações do espectro do autismo. Para isso, analisaram ligações familiares: gémeos verdadeiros, gémeos falsos, irmãos de pai e mãe, meios-irmãos e primos. Por outro lado, a equipa calculou qual a proporção dos riscos genéticos para se desenvolver esta doença.

Através de análise estatística, os cientistas verificaram que o risco de recorrência de perturbações do espectro do autismo (PEA) era dez vezes maior quando se tinha um irmão com PEA, três vezes maior com um meio-irmão com PEA e duas vezes maior se um primo tiver PEA, comparando com uma pessoa sem parentes com PEA.

A equipa descobriu ainda que as causas hereditárias, ou seja, a informação genética que os pais transmitem aos filhos, explicam apenas 50% do risco de se vir a desenvolver PEA. Estudos anteriores tinham calculado que era de 80% a 90%. Segundo este novo estudo, o factor ambiental poderá ser, afinal, muito maior do que o que era assumido.

Dentro dos factores ambientais, os investigadores detectaram uma maior importância para o risco de PEA dos factores ambientais individuais, que incluem complicações durante o nascimento, infecções maternais ou a medicação que se recebe antes e após o nascimento, face aos factores ambientais partilhados pelos familiares.

“Ficámos surpreendidos com as nossas descobertas, já que não esperávamos que a importância dos factores ambientais no autismo fosse tão forte. Os estudos recentes centravam-se tendencialmente nos genes, mas agora tornou-se claro que precisamos de muita mais investigação para identificarmos quais são ao certo estes factores ambientais”, explica Avi Reichenberg, do Centro Seaver para a Investigação do Autismo, Nova Iorque, EUA, um dos autores do estudo, citado pelo King’s College de Londres. Para este cientista, “da mesma forma que existem múltiplos factores genéticos a considerar, provavelmente também deverão haver vários factores ambientais a contribuir para o desenvolvimento do autismo”.

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