Mudanças e persistências nos Dias da Música

O domínio dos intérpretes portugueses e a aposta nos jovens músicos marcam a oitava edição dos Dias da Música, que decorre entre esta sexta-feira e domingo no CCB, em Lisboa.

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O CCB acolhe três dias de música, com dezenas de intérpretes nacionais e estrangeiros, entre os quais o veterano pianista austríaco Paul Badura-Skoda, que vai tocar Haydn, Bartók, Chopin e Martin Enric Vives-Rubio

Mudam-se os tempos... é o tema da oitava edição dos Dias da Música, que se inicia esta sexta-feira à noite (21h), no Centro Cultural de Belém, com um concerto pela Orquestra Sinfónica Metropolitana, dirigida por Michael Zilm, inteiramente preenchido com a Sinfonia nº 7, de Mahler.

Talvez a menos interpretada das sinfonias do grande compositor austríaco, trata-se de uma obra que combina a herança romântica com as ousadias da linguagem musical da modernidade, constituindo como tal uma escolha pertinente em função do fio condutor proposto. No entanto, ao lado de programas que procuram evocar diversas vertentes da mudança, pontos de viragem na história ou grandes revoluções, a abrangência e ambiguidade da temática permite encaixar praticamente tudo como se poderá verificar através dos 63 concertos desta edição.

Entre as propostas que procuram corresponder ao desafio evocado pelos primeiros versos do célebre soneto de Camões, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...”, encontram-se referências aos 100 anos da I Guerra Mundial e aos 75 anos da segunda, através de obras de compositores como Prokofiev, Shostakovich e Messiaen; à Revolução Francesa, com o programa O salão de Maria Antonieta: Banda Sonora de uma Revolução, pelo Ludovice Ensemble; às Invasões Napoleónicas, com a cantata A Paz da Europa, de João Domingos Bomtempo, pelo Coro do São Carlos; ou aos 40 anos do 25 de Abril, mediante o programa Celebrar a Liberdade, dedicado a Lopes-Graça pelo Coro de Câmara Lisboa Cantat.

Obras revolucionárias ou que representam pontos de viragem na história da música como as Vésperas, de Monteverdi, pelo Ludovice Ensemble, dirigido por Miguel Jalôto; os duetos e sonatas de Carl Philipp Emanuel Bach pelos cravistas Cristiano Holtz e Miklos Spanyi; o programa Revoluções e Reformas do Divino Sospiro (com música de Händel, Gluck e Haydn); ou a Sonata em Si menor de Liszt na interpretação de Jean Muller encontram-se também representadas, bem como efemérides como os 250 anos de Rameau (pelos Músicos do Tejo de Marcos Magalhães) e os 150 anos do nascimento de Richard Strauss, evocados pelo seu Concerto para Trompa, com Abel Pereira como solista, no concerto de encerramento.

No entanto, em boa parte dos programas, nem sempre há uma relação evidente com o tema central e muitas obras emblemáticas da “mudança” ao nível da estética e da linguagem ao longo da História da Música estão ausentes. Por outro lado, épocas mais antigas, como a Idade Média e a Renascença, também elas objecto de radicais “mudanças”, não foram contempladas ou emergem apenas marginalmente.

O orçamento limitado das últimas edições dos Dias da Música (500 mil euros) reflecte-se também na oferta reduzida de intérpretes estrangeiros de carreia internacional. Neste caso, além das presença dos violoncelistas Pavel Gomziakov e Marc Coppey, a prioridade foi dada aos pianistas. Estará presente uma figura de referência como o austríaco Paul Badura-Skoda, actualmente com 86 anos e grande estudioso dos clássicos vienenses, para um recital a solo com obras de Haydn, Bartók, Chopin e Martin, e uma interpretação do Concerto para Piano nº 27, de Mozart, com os Músicos do Tejo, ao lado da nova geração representada por Sergio Tiempo, Jean Muller, Jan Lisiecki (com apenas 19 anos) e Francesco Tristano. Nascido no Luxemburgo em 1981, este último dedica-se também à composição e tem explorado sem preconceitos quer os universos da música clássica, quer da música techno.

Numa edição em que dominam os intérpretes portugueses, participam várias orquestras (Metropolitana, Sinfónica Portuguesa, Orquestra de Câmara Portuguesa, Sinfónica Juvenil, Orquestra Sinfónica do Sul, a Camerata Alma Mater) e diversos grupos de câmara (Quarteto Vintage, Ensemble Mediterrain, Trio Pangea, Shostakovich Ensemble, Quarteto Vianna da Motta e Quarteto Lacerda, entre outros).

Entre os agrupamentos vocais, encontra-se o Ensemble Voces Caelestes, que cantará obras de Britten, e o Officium Ensemble, com um programa dedicado à polifonia de Duarte Lobo, Frei Manuel Cardoso, Lopes-Morágo e Estevão de Brito.

A música contemporânea portuguesa estará representada por obras de Nuno Côrte-Real, Alexandre Delgado, Sérgio Azevedo, João Madureira, Luís Tinoco e Virgílio Melo, algumas em estreia, e haverá lugar para o diálogo entre as músicas eruditas e populares da diáspora portuguesa através dos dois programas dos Sete Lágrimas, de Filipe Faria e Sérgio Peixoto, objecto de gravações de grande sucesso.

A programação contempla também géneros como o jazz (com os Desbundixie, a Big Band Junior e o pianista João Paulo Esteves da Silva) e o tango pelo Shostakovich Ensemble.

Uma novidade significativa em 2014 é um “festival dentro do festival”, que dará destaque aos jovens músicos que frequentam diversas escolas de música de Lisboa (de nível secundário e superior) e destinado a um público igualmente jovem.

Os Mini-Dias da Música, que decorrem ao longo desta sexta-feira, contam com orquestras sinfónicas, música de câmara e solistas, oficinas e conferências, destacando-se a actuação da OJ.com (Orquestra de Jovens dos Conservatórios Oficiais de Música), dirigida por Cesário Costa.

No domingo, será a vez de estudantes oriundos de conservatórios, academias e escolas de música de outros pontos do país apresentarem o seu trabalho em oito concertos através da iniciativa Projectar o Futuro com Arte, resultado de uma parceria entre o CCB e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional.

O destaque dado aos jovens e aos projectos pedagógicos encontra-se ainda patente no primeiro concerto da tarde de sábado no Grande Auditório, a cargo da Orquestra Juvenil Geração, dirigida pelo maestro venezuelano Ulyses Ascanio. Depois de sete anos de actividade, esta actuação no CCB marca uma nova etapa deste projecto social de inclusão pela música.

 

 

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