Cinema de um outro tempo segundo Alberto Seixas Santos

Coisa rara, um documentário sobre um cineasta português vivo. Refúgio e Evasão, sobre Alberto Seixas Santos, passa na quarta-feira no IndieLisboa.

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Alberto Seixas Santos é autor de dois dos filmes centrais do cinema de Abril DR

É raro vermos um documentário que dá a palavra a um cineasta português vivo que não se chame Manoel de Oliveira ou Pedro Costa.

E é raro porque, se ninguém é profeta em seu próprio país, continua a haver um manancial riquíssimo de testemunhos e documentos que não são registados ou preservados, apenas devido àquela tendência portuguesinha de achar que a cultura é uma coisa elitista que só interessa a meia-dúzia de “maluquinhos” e que “ninguém quer saber disso para nada”. Contudo, nas décadas de 1960 e 1970 houve toda uma geração de cinéfilos, muitos dos quais mais tarde cineastas, que moldaram a maneira de ver, fazer e pensar o cinema entre nós. E que correm o risco de cair num esquecimento imerecido: os seus filmes são quase invisíveis, contam-se pelos dedos os estudos, as investigações, as informações sistematizadas sobre este período.

Daí que seja de saudar a simples existência de um título como Refúgio e Evasão, que o IndieLisboa mostra na quarta-feira na sua secção Director's Cut (sessão única às 19h na Cinemateca Portuguesa). Nele, o documentarista Luís Alves de Matos filma Alberto Seixas Santos, 78 anos, crítico, cine-clubista, realizador e professor, autor de dois dos filmes centrais do cinema de Abril: Brandos Costumes, 1975, e Gestos e Fragmentos, 1982 (o último é exibido às 21h30 também na Cinemateca), falando do seu amor pelo cinema, das suas experiências de cinefilia, do seu olhar sobre o presente e o futuro da 7ª arte.

Através dos seus depoimentos, é toda essa geração, de Fernando Lopes e Paulo Rocha a João César Monteiro e João Bénard da Costa, que o filme evoca e homenageia. É a história de uma aprendizagem que leva tempo, como Seixas Santos exemplifica ao contar a história de ter visto pela primeira vez O Rio Sagrado de Jean Renoir com 13 anos sem conseguir apreciar a grandeza da obra que só já adulto se lhe revelou.

Com pouco mais de uma hora de duração, Refúgio e Evasão parece feito à medida para a seminal série televisiva francesa que André S. Labarthe e Janine Bazin têm animado ao longo das décadas, Cinéma, de notre temps. Mas, na aridez do dispositivo encontrado por Alves de Matos – planos fixos de Seixas Santos falando em discurso directo para a câmara, “interrompido” por excertos dos seus filmes e de alguns dos seus filmes preferidos – pode-se entrever uma ideia de cinema “de um outro tempo”, a convicção de que “antes é que era bom”.

Ao terminar os seus propósitos com a sua convicção do cinema hoje ter morrido e estar a ser substituído sem vantagem pelo audiovisual formatado em modo televisivo, Seixas Santos está a reiterar a austeridade de uma “ortodoxia cinéfila” que a sua geração ergueu a dogma, que continha (e contém) a semente da sua própria cristalização. E está também a defender um idealismo purista do cinema de autor como diametralmente oposto a um mercado de “merceeiros” que apenas procuram o lucro rápido. É uma questão muito contemporânea, central ao absoluto “vale tudo” desnorteado em que se tornou o mercado da distribuição e exibição portuguesa, mas também ao fosso cada vez maior que continua a separar o público do cinema que se faz em Portugal. Refúgio e Evasão é um bom ponto de partida para a debater.

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