Microempresas foram as que pagaram mais dívidas

As empresas nacionais de menor dimensão reduziram o endividamento em 7700 milhões de euros no período de três anos. Governo discute a partir desta semana com a troika medidas para reestruturar dívidas e recuperar negócios viáveis.

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Reestruturação da dívida das empresas é um dos temas em cima da mesa na 12ª avaliação da troika
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Reestruturação da dívida das empresas é um dos temas em cima da mesa na 12ª avaliação da troika Nuno Ferreira Santos

Entre Dezembro de 2010, já com a crise da dívida soberana na Europa em plena ebulição, e o final do ano passado, as microempresas portuguesas reduziram o seu stock de dívida em 7700 milhões de euros. Ou seja, em três anos pagaram aos seus credores, como a banca ou fornecedores, o equivalente ao custo da construção de sete pontes sobre o rio Tejo iguais à Vasco da Gama. De acordo com os dados do Banco de Portugal, foi neste segmento que se registou em termos absolutos o maior esforço de diminuição de endividamento, também designado como desalavancagem.

Já em termos relativos, a maior queda foi protagonizada pelas pequenas empresas (11,8%), apesar de as dívidas terem caído menos (6000 milhões de euros). O universo das microempresas é mais vasto, contabilizando 321 mil sociedades, o que resulta numa maior acumulação de dívida e, por inerência, numa redução mais expressiva. No caso das pequenas empresas, existem actualmente cerca de 39 mil.

Nesta análise, onde não se contabiliza as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), seguem-se às micro, em termos absolutos, as médias empresas, que pagaram 6200 milhões no período em análise, o que correspondeu a uma descida de 11,7%. Já as grandes empresas seguiram uma tendência inversa: o endividamento subiu em 12.700 milhões entre Dezembro de 2010 e o mesmo mês de 2013.

Assim, a redução global foi apenas de 2,7%, com as empresas privadas a acumularem uma dívida de 254.000 milhões, quando esse valor era de 261.500 milhões em Dezembro de 2010, seis meses antes da entrada da troika em Portugal. Ao incluir-se nestas contas as SGPS, verifica-se que o corte no endividamento das empresas privadas foi residual: apenas menos 0,7% face a Dezembro de 2010, com o stock de dívida a manter-se acima do patamar dos 300.000 milhões (304.500 milhões, o equivalente a cerca de 184% do Produto Interno Bruto).

Governo avança com plano
A questão do endividamento das empresas é, aliás, um dos temas que mais preocupa o Governo e a troika, e que será abordado no âmbito da última visita dos responsáveis do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia a Portugal, que ontem se iniciou. Isto depois de ter ficado definido que o Governo, em articulação com o Banco de Portugal, irá apresentar um conjunto de medidas para atacar este problema.

As medidas vão reflectir as recomendações feitas pelo FMI, num estudo pedido pelo executivo no final do ano passado. 
Ao PÚBLICO, o secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade explicou que o plano incidirá sobre quatro eixos, de entre os quais a criação de novos instrumentos de apoios a empresas economicamente viáveis, que se tenham reestruturado. Pedro Gonçalves adiantou que as principais medidas a implementar vão estar no terreno ainda este ano.

Na semana passada, na nota que acompanhava a aprovação de novo empréstimo de 851 milhões de euros a Portugal, o FMI notava que entre os desafios que o país enfrenta está a necessidade de garantir “novas medidas para promover o desendividamento ordeiro das empresas”, de modo a garantir uma recuperação sustentável da economia com base no investimento. E, no relatório sobre a 11ª avaliação, divulgado segunda-feira, esta instituição, além de tecer críticas aos programas de recuperação extrajudicial das empresas, destacava que no final do ano passado a dívida das empresas privadas rondava os 60% dos seus activos, com muitas delas a manter níveis de endividamento insustentáveis, com destaque para as PME.

“A decrescente capacidade de gerar fluxos de caixa positivos tem provocado a erosão dos capitais próprios”, afectando ainda a forma como é feito o pagamento das dívidas pendentes, diz o fundo.  Por outro lado, ao mesmo tempo que é conduzida uma redução da dívida, é preciso, refere o FMI, “garantir que os balanços dos bancos permanecem saudáveis e assegurar a estabilidade financeira”.

A Instituição Financeira de Desenvolvimento, o banco que o Governo está a desenvolver, terá um papel a desempenhar, nomeadamente através do financiamento. A ideia, conforme sublinha a instituição liderada por Christine Lagarde, é “preencher as falhas de mercado” na concessão de crédito às PME, responsáveis, juntamente com as micro, pela maioria dos empregos em Portugal . Ao mesmo tempo, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, há a ideia de estimular a banca a desfazer-se de alguns activos empresariais que ficaram nas suas mãos e que, entretanto, já foram reconhecidos nos balanços como imparidades.

Crédito vencido a subir
Questionada sobre o facto de as microempresas se destacarem na redução de dívida em termos absolutos, Paula Carvalho, economia chefe do departamento de estudos económicos e financeiros do BPI, explica que esta dinâmica pode ser explicada por terem sido mais penalizadas pelo aperto de novos empréstimos, até por tipicamente não serem exportadoras, ao mesmo tempo que iam amortizando os mais antigos (tal como tem acontecido com as famílias). 

Ao mesmo tempo, diz, é preciso ter em conta o custo de financiamento, “que desincentivava o pedido de financiamento adicional”. “É possível que neste período as empresas tenham recorrido a outras fontes de financiamento, designadamente meios gerados internamente ou tenham aproveitado para aumentar os níveis de capitais próprios”, refere ainda Paula Carvalho. Havendo certamente casos distintos entre empresas de menor dimensão, o certo é que estas foram flageladas pela recessão que atravessou o país, com destaque para a forte contracção da procura interna. Muitas ficaram pelo caminho, outras deixaram de conseguir pagar as suas dívidas. 

Embora não haja dados que especifiquem o comportamento das microempresas, verifica-se que o rácio de crédito vencido nas PME era de 15,7% em Dezembro de 2013, tendo duplicado em apenas dois anos. Já o universo das empresas exportadoras tinha um rácio de 2,6% no final do ano passado.

Em Fevereiro deste ano, de acordo com os dados do Banco de Portugal ontem divulgados, o rácio de crédito vencido das PME tinha subido mais 0,8 pontos percentuais, para 16,5%. Os bancos são os mais expostos, já que a maior parte do financiamento foi contraído junto das instituições financeiras que operam no mercado nacional. Do bolo total das dívidas das empresas privadas, 156.000 milhões de euros são empréstimos a mais de um ano. Já os títulos de dívida, por exemplo, são responsáveis por 41.000 milhões. Em Dezembro de 2013, as microempresas tinham 31.700 milhões de euros por pagar ao sector financeiro nacional, o que as coloca acima das pequenas, das médias e das grandes empresas (as SGPS não são contabilizadas).

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