Ultimato ucraniano ignorado por pró-russos, invadida câmara de mais uma cidade

Presidente ucraniano em exercício, Oleksander Turchinov, fala pela primeira vez em possibilidade de referendo sobre o estatuto do país. Novas autoridades de Kiev têm recusado qualquer ideia de "federalização".

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Pró-russos em Slaviansk, no domingo Gleb Garanich/Reuters

Um ultimato que o Governo da Ucrânia deu aos separatistas pró-russos para deporem as armas e acabarem com a ocupação de edifícios públicos chegou ao fim na manhã desta segunda-feira sem que, pelo menos na cidade de Slaviansk, tivesse sido cumprido. Ao contrário, há notícias de acções de pró-russos onde ainda não tinham ocorrido. Ao mesmo tempo, pela primeira vez, as novas autoridades de Moscovo admitem um referendo ao estatuto do país

Em Horlivka, a última grande cidade da região de Donetsk onde pró-russos ainda não tinham saído à rua, manifestantes invadiram na manhã desta segunda-feira o edifício da câmara e a sede da polícia. Foram  lançados cocktais-molotov e ouviram-se explosões.

Mas em Slaviansk, onde no domingo ocorreram confrontos, apesar do ultimato que o Presidente ucraniano em exercício, Oleksander Turchinov,  tinha fixado, um correspondente da Reuters disse que a bandeira da Rússia flutuava na sede da polícia, um dos três edifícios tomados por pró-russos, e que homens armados estavam a reforçar barricadas com sacos de areia levantadas em seu redor. Um camião parecia estar a transportar pneus para reforçar essas barreiras.   

Turchinov estabeleceu um prazo até às 6h00 TMG desta segunda-feira (7h em Portugal Continental) para que os edifícios fossem desocupados e os pró-russos depusessem as armas, sob pena de uma acção de segurança em larga escala que envolveria o Exército. Turchinov acusa a Rússia de inspirar e organizar as rebeliões no Leste do país. “Não vamos permitir que a Rússia repita o cenário da Crimeia”, disse.

Já esta segunda-feira falou no Parlamento sobre a possibilidade de organizar um "referendo nacional" sobre o estatuto do país. "Não somos contra a realização de um referendo em todo o país que, se o Parlamento assim o decidir, poderia decorrer ao mesmo tempo que a eleição presidencial", a 25 de Maio, disse num reunião com líderes de grupos políticos.

"Estou certo de que a maioria dos ucranianos se pronunciariam por uma Ucrânia indivisível, independente, democrática e unidade", declarou também. Turchinov não explicou a questão do referendo. As novas autoridades de Kiev tinham até agora recusado qualquer ideia de "federalização"

Separatistas do Leste do país, entre os quais grupos armados, reclamam referendos locais sobre uma ligação à Rússia ou uma "federalização" da Ucrânia. A Rússia também defende uma "federalização" como forma de garantir os "legítimos interesses dos russófonos do Leste e do Sul da Ucrânia.

No domingo, o Governo de Kiev lançou uma “operação antiterrorista de larga escala” contra os militantes armados que ocuparam quartéis da polícia e outros edifícios públicos em vários pontos do Leste da Ucrânia, o que deu origem a violentos confrontos em cidades como Slaviansk, Donetsk ou Kharkov — por onde alastra a rebelião separatista pró-russa.

As trocas de tiros entre as forças especiais ucranianas e as milícias separatistas provocaram baixas de ambos os lados. Além de um número indeterminado de feridos, estão confirmadas as mortes de um oficial das forças especiais ucranianas e de um elemento das milícias pró-Rússia. A Rússia reagiu dizendo ao Governo de Kiev para cessar "a guerra contra o seu  próprio povo” e pedindo a reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Aumentam receios de um confronto
As autoridades de Moscovo consideram “criminoso” o eventual recurso à força contra os pró-russos. No domingo à noite, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia emitiu uma nota em que classificava a mobilização da tropa contra os rebeldes separatistas como “ordem criminal” e dizia que era o Ocidente que tinha agora “a responsabilidade de evitar uma guerra civil na Ucrânia”.

No Conselho de Segurança, que se reuniu de emergência na noite de domingo, a Rússia foi acusada de promover a instabilidade no Leste da Ucrânia. Na que foi a décima reunião dedicada à crise na Ucrânia, desde que no final do ano passado começaram os protestos que levaram à queda do Presidente Viktor Ianukovich, ficou claro o isolamento da Rússia. Nem a China,que apelou "à via diplomática", esteve ao seu lado.

Os países ocidentais acusaram as autoridades de Moscovo de promoverem a desestabilização do Leste da Ucrânia com uma estratégia semelhante à usada na Crimeia. O embaixador do Reino Unido nas Nações Unidas, Mark Lyall Grant, disse que a Rússia concentrou entre 35 mil a 40 mil soldados junto à fronteira ucraniana, a juntar aos 25 mil que diz estarem deslocados na Crimeia — controlada pelas autoridades de Moscovo desde o mês passado. A Rússia anunciou ,  nesta segunda-feira, o lançamento com êxito de um míssil balístico intercontinental RS-24 equipado com uma ogiva múltipla.

O embaixador russo na ONU, Vitali Churkin, mostrou-se preocupado com o anúncio de Turchinov e pediu ao Ocidente para travar essa ameaça, tal como fizera horas antes o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov. Contestou também as acusações feitas pelo representante da Ucrânia, Iuri Sergeiev, de acusações de terrorismo e conivência de Moscovo.

Numa reacção aos comentários ocidentais aos acontecimentos na Ucrânia, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, disse que  a “hipocrisia ultrapassa os limites”. “Não podemos esquecer que a violência na Maidan [praça de Kiev, onde decorreu a contestação que levou à queda de Ianukovich], que se saldou  por dezenas e dezenas de mortes foi qualificada de democracia, e agora fala-se de terrorismo a propósito de manifestações pacíficas que decorrem no sudeste do país”, disse, numa conferência de imprensa.

O anúncio de Turchinov e a concentração de tropas russas fez aumentar os receios de um confronto. Ainda antes da reunião do Conselho de Segurança, a embaixadora norte-americana naquele órgão, Samantha Power, disse que o Governo dos Estados Unidos está disposto a impor sanções adicionais a Moscovo se a situação se mantiver no Leste da Rússia.

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