Prova dos factos: A antiga fábrica da Lusalite, em Oeiras, que usava amianto, representa ou não um risco para a saúde pública?

Direcção da Saúde diz não ter dados que permitam confirmar “credibilidade” das conclusões da Inspecção do Ambiente. Em análise, o desfecho do processo de inspecção à velha fábrica que produzia telhas com amianto, hoje abandonada. O caso foi suscitado pelo candidato socialista Marcos Sá à Câmara de Oeiras nas últimas autárquicas

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A fábrica da Lusalite irá abaixo

A fábrica da Lusalite, na qual se utilizava amianto como matéria-prima para a produção de telhas de fibrocimento, fechou as portas em 1999. Durante perto de 15 anos, pouco ou nada se ouviu falar nestas instalações fabris votadas ao abandono, situação que se alterou drasticamente com a campanha para as últimas eleições autárquicas no concelho de Oeiras.

Foi o candidato socialista à presidência da câmara, Marcos Sá, quem colocou na ordem do dia este assunto, e a eventual existência de um risco para a saúde pública nestas instalações na freguesia da Cruz Quebrada-Dafundo. No mês anterior, em Agosto de 2013, tinha estado em consulta pública o Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor, que prevê a edificação no local de cinco edifícios destinados a habitação, comércio e serviços – um dos quais com 20 pisos -, um hotel e estacionamento.

No dia da visita de Marcos Sá à antiga fábrica da Lusalite, durante a qual o candidato defendeu a remoção imediata do amianto e o desenvolvimento de estudos sobre os seus impactos, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, determinou a realização de uma inspecção ao local, com carácter de urgência. Algo que acabou por acontecer a 18 de Setembro, numa acção desenvolvida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), com a participação do Grupo de Intervenção, Participação e Socorro (GIPS) da GNR.

O relatório dessa inspecção não foi tornado público, mas as suas conclusões foram divulgadas pelo Ministério do Ambiente, segundo o qual os resultados obtidos “permitem concluir que não há justificação para classificar esta situação como sendo de emergência ou catástrofe imimente”. A antiga fábrica da Lusalite, fez-se então saber, não representa “riscos graves” para a saúde pública.

Já em Março deste ano o PÚBLICO pediu para consultar esse documento e, no dia e hora indicados para o efeito, lá estava o relatório, que foi entregue em mãos pelo inspector-geral do Ambiente. Numa conversa preliminar, Pedro Duro insistiu na ideia de que a presença de amianto não é, por si só, um factor de risco, já que este apenas se liberta quando os materiais que o contêm se degradam.

“Neste momento as instalações da Lusalite não oferecem nenhum risco à população à volta que seja superior ao risco normal de amianto contido pelas cidades”, frisou Pedro Duro. Ainda assim, o inspector-geral do Ambiente disse perceber “o grande alarme social” em torno deste tema e acrescentou: “se estivesse num edifício com amianto, teria sempre medo do dia em que se partisse uma telha”.

Mas, afinal, foi ou não encontrado amianto na antiga fábrica na Cruz Quebrada-Dafundo? Segundo o relatório da inspecção, verificou-se “a presença de alguns resíduos de telhas de fibrocimento no interior da nave principal das instalações”. “Estes resíduos são considerados perigosos, porém, encontram-se armazenados (e portanto confinados) dentro da referida nave”, acrescenta o documento, no qual nada é dito sobre a sua remoção. O relatório não avança qualquer ordem de grandeza, mas o sub-inspector do Ambiente, Nuno Banza, que participou na inspecção, fala em “três ou quatro telhas caídas dentro da fábrica”.

É ainda referido no documento que, “de acordo com as amostras recolhidas localmente, não foram detectados níveis perigosos de amianto no ar ou no solo”. Mais à frente, lê-se no mesmo relatório, no qual nada é dito sobre o número de amostras, a sua proveniência ou os procedimentos usados para a sua recolha, que “os resultados analíticos obtidos pelo GIPS/GNR não confirmaram a presença de amianto”.

Em declarações ao PÚBLICO, Pedro Duro afirmou que, ao contrário do que se diz no documento, não foram afinal recolhidas amostras do ar. Algo que o inspector-geral do Ambiente desvaloriza, dizendo que se houvesse amianto no ar, ele acabaria por se depositar no solo, do qual foram recolhidas amostras, nas quais “não havia nada”.

Face a isso, aquilo que preocupa a IGAMAOT são as telhas de fibrocimento que ao que tudo indica cobrem os edifícios da antiga fábrica e que, segundo se diz no relatório, têm uma área de 30 mil metros quadrados. “O problema que se coloca a nível de hipótese prende-se com o potencial desgaste dos materiais contendo amianto existentes no local e a possibilidade desse desgaste, por exposição às condições atmosféricas, vir a libertar com o decorrer do tempo partículas de amianto”, diz-se no relatório.

É por isso que Pedro Duro diz que esta situação “não se pode eternizar” e defende que a demolição dos edifícios em causa deve avançar assim que o Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor for aprovado pela Assembleia Municipal de Oeiras, algo que poderá acontecer este mês de Abril. O inspector-geral admite que “daqui a alguns meses” poder-se-á fazer uma nova inspecção, para “perceber se houve alteração das situações de risco”. 

No relatório da inspecção conclui-se que “consideram-se os resultados obtidos suficientemente conclusivos para se considerar que não se justifica o alarme das populações, nem a classificação desta situação como sendo de emergência ou catástrofe iminente”. Diz-se ainda que “as diligências já empreendidas por esta Inspecção-geral poderão ser complementadas com o devido parecer da autoridade de saúde competente”.

Embora a inspecção à antiga fábrica da Lusalite e o relatório da mesma sejam de Setembro de 2013, Pedro Duro diz que só em Fevereiro deste ano promoveu uma reunião com a Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre o assunto. “Creio que estão a analisar se faz sentido fazer um estudo sobre a incidência” de doenças pulmonares, nomeadamente cancro, acrescentou.

Ao contrário do que diz o inspector-geral do Ambiente, o dirigente da DGS responsável por este dossier garante que a IGAMAOT ainda não lhe fez chegar o relatório, classificando ainda como “estranho” o desfasamento temporal entre a referida reunião e a inspecção.

“Nem sei que tipo de amostras foram fazer. Se levaram o equipamento adequado, pessoas credenciadas e se usaram métodos acreditados para fazer as análises”, diz Paulo Viegas, acrescentando que na ausência desses dados, a DGS não pode pronunciar-se sobre a “credibilidade” das conclusões do relatório. 

Quanto às amostras retiradas do solo, o chefe da divisão de saúde ambiental e ocupacional diz que “seria uma grande sorte” que elas tivessem amianto, já que “a existir, ele não se mantém ali”. “Eram precisos procedimentos a montante, que desconfiou que a inspecção não fez”, diz, criticando ainda o facto de não se ter procurado saber qual “o modelo de dispersão atmosférica” naquele local.

Paulo Viegas defende ainda que era “óbvio” que, suspeitando-se da existência de materiais contento amianto, como telhas, “deviam ter retirado amostras desse material”. “Avaliaram o seu estado de degradação? Se está ou não em risco de libertar fibras?”, pergunta este responsável da DGS.

O chefe da divisão de saúde ambiental e ocupacional explica que, em Fevereiro, esta entidade dirigiu ao Delegado Regional de Saúde um ofício sobre este assunto, que ainda não teve resposta. A principal intenção, explica, era perceber se se justificaria desenvolver um estudo sobre a incidência de carcinomas na Cruz Quebrada-Dafundo.

“Nós não somos o perito último do amianto. À DGS cabe dar apoio, fazer normas e recomendações, alertar e perguntar se têm estudos e outras informações. Dizer se isto configura um problema de saúde pública cabe às entidades mais próximas, ao departamento de saúde regional de saúde pública”, acrescenta Paulo Viegas, deixando no ar a ideia de que este não é um caso encerrado.

Em síntese

O risco da fábrica abandonada da Lusalite continua por definir. O relatório da Inspecção-Geral do Ambiente, que recolheu amostras em Setembro passado, concluiu que não havia risco para a saúde pública, mas prometeu levá-lo à Direcção-Geral de Saúde. Ao fim de cinco meses, o Ambiente deu conhecimento do assunto à Saúde. A partir daqui as referências dos responsáveis das respectivas entidades não coincidem. A DGS alega que ainda não recebeu o relatório, faz várias perguntas e espera ainda uma resposta do Delegado regional de Saúde.

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