Rússia e Ucrânia aceitam negociar por entre ocupações e ultimatos

Kiev lançou um ultimato aos militantes pró-russos que ocupam edifícios no Leste: ou saem até sexta-feira, ou são retirados à força.

Foto
Manifestantes pró-russos concentrados à porta da sede do governo regional Alexander Khudotepli/AFP

A vaga de ocupações de edifícios governamentais no Leste da Ucrânia levou as novas autoridades de Kiev a lançarem um ultimato que não sabem se querem cumprir. Em Lugansk e Donetsk, com as tropas russas a espreitarem do outro lado da fronteira, os grupos de homens armados que tomaram de assalto alguns dos símbolos ucranianos têm agora duas hipóteses, e a decisão deve ser tomada até sexta-feira: ou saem a bem, através de "conversações e de uma solução política", ou saem a mal, expulsos pela "força das autoridades", avisou o ministro do Interior, Arsen Avakov.

Desde que algumas das sedes do poder ucraniano em Lugansk, Donetsk e Kharkov foram tomadas por grupos de rebeldes pró-russos, no domingo, as autoridades ucranianas têm evitado encostá-los à parede – de acordo com a versão do Governo interino de Kiev, estas movimentações fazem parte do plano do Presidente russo, Vladimir Putin, para desestabilizar a Ucrânia, e qualquer resposta que incluísse o uso da força iria servir de pretexto para que os tanques russos cruzassem a fronteira e ocupassem o Leste e o sudeste do país, com o argumento de estarem a proteger a população russófila.

Mas à medida que a determinação dos manifestantes anti-Kiev se ia reforçando com barricadas improvisadas, repletas de pneus, arame farpado e pára-choques de automóveis, o governo interino da Ucrânia foi também mundando a sua estratégia.

"Esta crise vai ser resolvida nas próximas 48 horas", disse o ministro do Interior, Arsen Avakov, nesta quarta-feira, em Kiev. "Para os que querem dialogar, propomos conversações e uma solução política. A minoria que prefere o conflito terá uma resposta de força das autoridades ucranianas", declarou.

A resposta dos manifestantes pró-russos foi dada com o reforço das barricadas que dificultam o acesso ao edifício que serviu de sede do KGB em Lugansk, nos tempos da antiga União Soviética – e com pedidos de ajuda a Vladimir Putin.

"É claro que temos de pedir à Rússia que nos acolha, porque não vejo nenhuma alternativa", disse à agência Reuters o homem que diz ser o líder do grupo que ocupou o edifício em Lugansk, e que se identificou apenas como Vasili.

Houve rumores de que este grupo teria feito cinco dezenas de reféns, mas as pessoas que foram vistas a sair do edifício, durante a noite, eram apenas manifestantes pró-russos "que não estavam preparados para lutar", disse Vasili.

A porta-voz da polícia de Lugansk, Tatiana Pogukai, negou também a existência de reféns e disse que os homens que agora controlam a antiga sede do KGB têm à sua disposição até 300 espingardas automáticas Kalashnikov e que estão determinados a permanecer no local até que o Governo interino da Ucrânia aceite realizar um referendo semelhante ao que foi apresentado à população da Crimeia.

Mais do que um referendo, os manifestantes pró-russos querem que a sua voz chegue rapidamente ao coração de Moscovo, de preferência antes do final do ultimato lançado por Kiev: "Sr. Putin, tenha piedade dos nossos combatentes. Se nos perder, perderá também a última oportunidade de criar um bom vizinho", disse o líder dos rebeldes, que descreveu Lugansk como "a última esperança para toda a Ucrânia".

A solução para mais esta crise na sucessão de crises que é a actual Ucrânia pode passar pela amnistia das centenas de manifestantes que ocuparam edifícios governamentais nas três cidades do Leste, que são também símbolos do poder industrial do país. O autor da inciativa é um deputado do Partido das Regiões, do antigo Presidente Viktor Ianukovich.

"A situação é tão tensa e complexa que uma palavra errada pode provocar uma escalada. Para evitar que as pessoas sofram, propomos um projecto de lei de amnistia", anunciou Oleksandr Iefremov, ex-governador da região de Lugansk.

Reunião com Ucrânia e Rússia
Não se sabe como será acolhida uma proposta de compromisso num Parlamento que foi palco de uma cena de pancadaria na terça-feira, quando o deputado comunista Petro Simonenko foi atacado por um membro do partido de extrema-direita Svoboda, mas também há sinais positivos por entre os escombros de um país que começou a desagregar-se com os protestos contra Viktor Ianukovich, em Novembro do ano passado, e com a anexação da Crimeia pela Rússia, formalizada em Março.

Os representantes da política externa dos EUA, da Rússia, da União Europeia e da Ucrânia decidiram reunir-se na próxima semana, embora não tenha sido avançada uma data concreta ou mencionado um local específico.

Ao mesmo tempo que alertou para a possibilidade de uma guerra civil se as autoridades ucranianas retirarem os manifestantes à força dos edifícios governamentais no Leste do país, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo voltou a tranquilizar Washington, Bruxelas e Kiev: "Os Estados Unidos e a Ucrânia não têm nenhuma razão para estarem preocupados. A Rússia tem dito várias vezes que não está a desenvolver nenhuma actividade fora do normal ou não planeada no seu território próximo da fronteira com a Ucrânia que tenha algum significado militar."

Do outro lado da fronteira diplomática – num território que une Kiev, Bruxelas e Washington – surgem palavras que não deixam antever uma reunião pacífica. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, acusou as forças especiais russas de serem "o catalisador do caos", referindo-se à ocupação de sedes do poder ucraniano no Leste do país; e a chanceler alemã, Angela Merkel, optou por uma formulação mais palavrosa: "Infelizmente, não é claro em muitas áreas que a Rússia esteja a contribuir para o alívio da tensão."

Sugerir correcção
Comentar