Papa mantém Banco do Vaticano, mas com mais regras e maior controlo

O IOR prosseguirá a sua missão "com prudência". Passará a responder às novas estruturas criadas por Francisco e ao novo Secretariado da Economia, chefiado pelo cardeal Pell, conselheiro próximo do Papa argentino.

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Papa Francisco promove reforma do funcionamento do banco do Vaticano REUTERS/Alessandro Bianchi

Todas as hipóteses estavam em cima da mesa: da mais radical, a extinção do Banco do Vaticano, investigado por lavagem de dinheiro, à mais prudente, a sua manutenção. Francisco, o Papa que disse que “S. Pedro não tinha conta em nenhum banco”, decidiu que, afinal, a actual igreja Católica precisa de um.

O Vaticano anunciou esta segunda-feira que “o santo padre aprovou uma proposta sobre o futuro do Instituto das Obras Religiosas [designação oficial do banco] e reafirmou a importância da sua missão para o bem da Igreja Católica, da Santa Sé e do Estado do Vaticano”. O banco, lê-se no comunicado divulgado, “continuará a sua actividade com prudência, trabalhando para providenciar serviços financeiros especializados à Igreja Católica em todo o mundo”.

A proposta, que o Vaticano não pormenoriza, foi elaborada por várias comissões de reforma e cabe agora ao novo presidente do IOR, Ernst von Freyberg, transformá-la num plano para “assegurar que o banco possa cumprir a sua missão, no âmbito das novas estruturas financeiras da Santa Sé”. O comunicado precisa que “os serviços benéficos que podem ser oferecidos pelo IOR” dizem respeito à sua “missão de pastor universal”.

O plano terá de ser aprovado pelo Conselho de Cardeais, que se reúne daqui a duas semanas, e pela nova autoridade económica do Vaticano, criada pelo Papa em Fevereiro e liderada pelo cardeal australiano George Pell – que também esteve envolvido na redacção das recomendações relativas ao futuro do banco do Vaticano. Numa curta reacção ao anúncio, o banco do Vaticano considerou a decisão de Francisco em manter o banco um “poderoso apoio ao trabalho árduo [de reforma] iniciado há 12 meses” pela direcção de Von Freyberg.

Assim que foi eleito, há pouco mais de um ano, o Papa argentino ordenou uma investigação interna ao funcionamento do banco, envolvido numa série de processos de lavagem de dinheiro. Entretanto, alterou completamente a estrutura de supervisão das actividades financeiras e administrativas do Vaticano.

Instrumento precioso

Pell, conselheiro próximo de Francisco e muito crítico da burocracia da Cúria (o governo do Vaticano), é um novo “superministro”. O banco do Vaticano, até “agora formalmente autónomo de todas as outras estruturas, dependente apenas do conselho dos cardeais, é enquadrado dentro da estrutura económica e assim colocado sob a autoridade do cardeal Pell e do seu Secretariado da Economia, que vê reforçada a cada dia a sua posição”, escreve o jornal italiano Il Sole 24 Ore.

Na sua análise à decisão do Papa, o diário económico italiano estima que o argentino “reconhece a importância de uma plataforma financeira através da qual a Santa Sé possa intervir onde precisar em qualquer parte do mundo, a partir das missões, para chegar às dioceses em dificuldades”. Assim, terá concluído que “seria um erro privar-se de um instrumento que, bem utilizado, pode ser precioso”.

Francisco escolheu a opção prudente que era, no fundo, a mais provável. Vai manter o banco, mas garantir que as suas actividades passarão a ser mais controladas e integradas nas novas estruturas que acaba de criar. No último ano, já muito foi feito para que o IOR passe a agir de acordo com as regras que vigoram na banca.

No Verão, o Papa tinha ordenado que as normas internacionais de combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo integrassem a legislação em vigor no Vaticano. O próprio banco iniciou várias investigações às suspeitas de actividades ilícitas.

Centenas de contas

Acusado pelas autoridades italianas de não respeitar as normas que visam impedir que os bancos sejam usados para lavar dinheiro, o IOR tem estado a analisar todas as suas contas e centenas já foram encerradas – todas as que não pertencem a instituições católicas, a membros do clero, funcionários ou ex-funcionários do Vaticano, embaixadas e embaixadores acreditados junto do Vaticano. De acordo com os estatutos, o IOR só existe para servir a Igreja.

Em Janeiro, a consultora norte-americana Promontory, que foi contratada para investigar as contas, já tinha passado revista a 55% dos clientes, uma tarefa que deve estar concluída no Verão.

O IOR tem sido origem de embaraços para o Vaticano ao longo de décadas, com a máfia e vários grupos criminosos a aproveitarem o anonimato que o banco da Igreja oferecia para lavar dinheiro. O maior escândalo aconteceu em 1982, quando o IOR se viu envolvido na falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, cujo presidente, Roberto Calvi, se enforcou debaixo de uma ponte em Londres.

Um ex-contabilista do Vaticano, monsenhor Nunio Scarano, está a ser julgado por acusações de ter conspirado para fazer entrar em Itália milhões de euros vindos da Suíça, num esquema para ajudar amigos ricos a fugir aos impostos. Scarano é ainda suspeito de lavar milhões de euros através do IOR num segundo processo. Forçados a demitirem-se depois da prisão de Scarano, em Julho, Paolo Cripriani e Massimo Tulli, até então director e director adjunto do banco, foram, por sua vez, acusados de violarem as normas antibranqueamento de capitais.
 

   

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