Estudantes adultos no ensino superior reduzidos a "verbo-de-encher"

Investigador da Universidade do Porto detecta desvalorização da presença dos estudantes mais velhos no ensino superior.

A abertura das universidades e institutos politécnicos aos novos públicos está reduzida, neste momento, a um “enchimento”. A crítica é feita pelo investigador José Pedro Amorim, na sua tese de doutoramento, defendida na Universidade do Porto no final do ano passado. O autor detecta uma desvalorização da presença de estudantes mais velhos no ensino superior que, em vez de reconhecer a sua experiência, os reduz a “verbos-de-encher”.

Estes estudantes “são quase sempre designados e descritos pela negativa”, nota Amorim na sua tese. Os adultos são sempre descritos como alunos “não tradicionais” e na educação “não formal”, expressões que “escondem uma existência de experiências”, defende. O autor expõe que a abertura a novos públicos se ficou a dever a dois factores: por um lado a influência e exemplo de outros países e de organizações internacionais como a Unesco e a OCDE, e, por outro, a escassez de públicos tradicionais.

“O número de candidatos ao ensino superior vai diminuindo e as instituições de ensino superior vão-se voltando para outros públicos”, resume Joaquim Coimbra – que foi co-orientador do doutoramento de Amorim em conjunto com o antigo secretário de Estado do Ensino Joaquim Azevedo. Isto “nota-se mais no privado do que no público, mais no politécnico do que no universitário e mais no interior do que no litoral”.

A quebra do número de adultos no ensino superior parece também contrariar o que tem sido o discurso das instituições, que têm sublinhado a intenção de captar novos públicos e multiplicado as acções de comunicação para atrair estudantes por outras vias além do concurso nacional de acesso. O presidente do Conselho Coordenador dos Politécnicos recusa essa ideia. “Temos de prosseguir o esforço de captação de alunos”, diz Joaquim Mourato, lembrando que Portugal “continua a precisar da população activa mais qualificada”.

“A riqueza que os adultos são e trazem consigo tem de ser reconhecida”, defende José Pedro Amorim, abrindo a possibilidade disso ser feito sob a forma de dispositivos formalizados que impliquem a creditação desses saberes, seja enquanto princípio fundamental da relação que se estabelece entre professor e aluno. O investigador sublinha a existência de uma “desvalorização mais ou menos ostensiva da experiência e da identidade de cada um”. “O que os professores dizem aos alunos adultos é que esqueçam que tenham uma história de vida e finjam que têm 18 anos”, afirma Joaquim Coimbra.

 “A abertura das instituições de ensino superior a novos públicos” é o título da tese de doutoramento de José Pedro Amorim, defendida no final do ano passado. No documento é traçado um perfil destes alunos: altamente motivados por razões pessoais e culturais, sociais e cívicas e/ou profissionais, extremamente competitivos e muito responsáveis. Além disso, o investigador salienta ainda aquele que considera ser o aspecto “mais significativo” da pesquisa realizada: o efeito do ensino superior na identidade dos estudantes adultos: “O ensino superior deixa uma marca indelével nestes estudantes, por boas ou por más razões”. Esta investigação concluída no final do ano passado procurou também conhecer as dificuldades dos estudantes adultos no ensino superior. Os testemunhos “dão conta de que a grande dificuldade é mesmo a falta de tempo e o cansaço, pelo facto de acumularem responsabilidades”, escreve José Pedro Amorim na sua tese. 

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