Ensino superior perdeu quase 20% dos estudantes adultos nos últimos cinco anos

Falta de flexibilidade das instituições do ensino superior em acolher estudantes adultos contribui para a descida em termos quantitativos e também para a quebra do rendimento académico dos alunos com mais de 30 anos.

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Entre 2009 e 2014, o número de adultos inscritos desceu de mais de 41 mil para 33 mil alunos Adriano Miranda

Há menos 7000 inscritos com mais de 30 anos nas licenciaturas, o que contraria a tendência internacional e só os mestrados impedem queda ainda mais acentuada. Especialistas culpam a crise, o aumento do horário de trabalho e a desvalorização social do ensino superior.

O ensino superior tem vindo a perder estudantes adultos ao longo dos últimos cinco anos. O total de inscritos com mais de 30 anos nas instituições públicas caiu quase 20% e a quebra só não é mais acentuada porque continua a haver uma procura relativamente estável para os mestrados. No caso das licenciaturas regista-se uma perda de mais de 7000 inscritos no período em análise, o que representa quase um terço do total de estudantes adultos que frequentavam o ensino superior em 2009/2010.

Entre 2009 e 2014, o número de adultos inscritos nas licenciaturas e mestrados nas universidades e politécnicos desceu de mais de 41 mil para 33 mil alunos, uma tendência que é transversal a todas as instituições de ensino superior junto das quais o PÚBLICO recolheu estes dados. Se apenas forem tidos em conta os cursos do 1.º ciclo, a redução é ainda mais acentuada. O número de entradas decresce, num período de cinco anos, de 23 mil alunos para pouco mais de 16 mil em cinco anos. Este valor representa um corte de mais de 30% no total de alunos com mais de 30 anos a frequentar o ensino superior.

Para Cristina Vieira, professora e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, estes resultados não podem ser desligados do contexto de crise, que deixou os potenciais interessados com menos recursos para aceder ao ensino superior. “Ainda há dias, um aluno meu desistiu do mestrado e dizia-me que, quando se inscreveu, a intenção era pagar as propinas com o dinheiro dos subsídios de férias e de Natal. Como entretanto esse dinheiro foi cortado deixou de ter condições”, conta.

O presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Joaquim Mourato, atribui responsabilidades por esta tendência “ao momento excepcional que os portugueses vivem”. As dificuldades financeiras das famílias e o desemprego podem explicar o abrandamento da procura do ensino superior, mas os politécnicos estão “convencido de que rapidamente se retomará essa procura”.

No caso dos mestrados, a diminuição da procura que estes números mostram não é tão evidente como nas licenciaturas. Há apenas menos 400 inscritos em todo o ensino superior público (2,3% de quebra) e encontram-se mesmo casos de instituições em que o número de alunos adultos nos mestrados subiu, sendo os casos mais evidentes os dos institutos politécnicos do Porto (mais 1100 alunos) e Coimbra (mais 600).

À diminuição da procura por parte dos alunos do ensino secundário – no ano passado verificaram-se 7700 candidaturas no final das três fases do concurso nacional de acesso – as universidades e institutos politécnicos juntam também um menor interesse de adultos em entrarem no ensino superior. Isto num país em que as qualificações da população estão ainda abaixo da média europeia e dos países da OCDE. Em 2006 foi criado um novo modelo de acesso ao ensino superior, o concurso para maiores de 23 anos, que substituiu os antigos exames ad hoc, aumentando em 17 vezes o número de inscritos. Mas nos últimos anos também aqui se regista uma diminuição, mostram os dados daquelas instituições: há menos 3300 candidatos ao ensino superior no concurso para maiores de 23 anos nos últimos cinco anos lectivos.

Além da crise financeira, Cristina Vieira junta “outras variáveis a ter em conta” como explicação para a diminuição da presença de adultos no ensino superior, destacando o aumento de horário para os funcionários públicos, que eram uma boa parte dos adultos que entravam no ensino superior, e as alterações no ambiente social que levaram as empresas a serem menos flexíveis com os seus trabalhadores que pretendiam voltar a estudar. Essa mudança conjuntural reflecte-se também numa desvalorização social dos estudos superiores. “Hoje repete-se uma ideia errada de que uma licenciatura não serve para nada”, sustenta a especialista em formação ao longo da vida da Universidade de Coimbra.

“As instituições têm de continuar a demonstrar que vale a pena estudar”, responde Joaquim Mourato do CCISP. “Sabemos que a empregabilidade e a remuneração média são mais elevadas para quem tem um curso superior”, defende o líder do sector politécnico. E o valor investido na frequência de um curso superior é largamente recuperado e o seu titular tem ainda um elevado rendimento líquido.

Na Universidade Nova de Lisboa – onde a quebra do número de inscritos nas licenciaturas é de 19%, em linha com a média nacional – “já há muito tempo que a situação existe”, afirma o reitor António Rendas. Mais do que captar estudantes adultos, a estratégia da Nova passa pela formação à distância e pela atracção de estudantes internacionais, explica.

Os números que se verificam em Portugal contrastam com as tendências internacionais. Há duas semanas, o diário El País noticiava que em Espanha a crise está a impulsionar a entrada de estudantes com mais de 30 anos nas universidades. A falta de oportunidades no mercado de trabalho estaria a levar mais pessoas a optarem para melhorar as suas qualificações e, desde 2007, o número de estudantes com mais de 30 anos cresceu 18,4%. Na última década, o aumento destes alunos no ensino superior do país vizinho é ainda mais notório: 167%.

Esta é uma tendência em vários países europeus – em particular na Escandinávia – e na América do Norte (EUA e Canadá). Na Finlândia, por exemplo, os estudantes do ensino superior com menos de 20 não representam mais de 1% do total de inscritos. No Brasil, um terço dos estudantes são adultos. “Esta é uma tendência de futuro”, aponta Joaquim Coimbra, director do mestrado de Educação e Formação de Adultos da Universidade do Porto.

Além de uma diminuição dos estudantes com mais de 30 anos, os adultos no ensino superior têm também tido “uma quebra no rendimento académico”, aponta o mesmo especialista, tendo por base estudos recentes que tem orientado. “Há todo um conjunto de restrições ao sucesso dos novos públicos, afirma. Desde logo, a “falta de flexibilidade” das instituições de ensino superior para se adaptarem ao facto de que têm alunos mais velhos e com experiências de vida diversas dos estudantes que fizeram todo o percurso do ensino obrigatório e depois entraram nas universidades e institutos politécnicos.

Os dados recolhidos pelo PÚBLICO dizem respeito ao ensino superior público. Apesar dos contactos feitos junto da Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado, não foi possível recolher dados relativos a este sector. No entanto, números citados por José Pedro Amorim, investigador da Universidade do Porto, no seu recente projecto de doutoramento, apontam para o facto de o ensino privado inscrever uma percentagem de alunos “maiores de 23” três vezes superior à do ensino público (25,2% contra 8,8%). Os privados também aprovam mais alunos adultos do que as instituições públicas (92,5% dos inscritos contra 73%).

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