Ups, prescreveu

Não deve haver pressa em mudar as leis, mas deve haver pressa em julgar o caso de Jardim Gonçalves que ainda não prescreveu

Em Portugal, há pelo menos duas pessoas por dia que conseguem não ser julgadas porque conseguem que os seus crimes prescrevam antes de irem a julgamento ou antes de o julgamento chegar ao fim.

Em 2007, o país ficou surpreendido quando Jorge Jardim Gonçalves, então presidente do maior banco privado português, foi acusado pelo Banco de Portugal, pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e pelo Ministério Público de “falsificar” contas, divulgar “informação errada” e entregar “dados falsos” aos reguladores, de fazer “transacções irregulares” com títulos do próprio banco e, com tudo isso, de “perturbar” e “manipular” o mercado bolsista.

Os verbos não eram bonitos. Se há coisa que um banco deve ter blindado na sua  caixa-forte é a reputação e a boa imagem.

Em 2010, Jardim Gonçalves e alguns dos seus principais gestores foram condenados. Foi a segunda grande surpresa do caso. As sanções pesadas — um milhão de euros de multa e nove anos sem poder trabalhar na banca — foram globalmente interpretadas como um sinal de que nem tudo corre mal no país, de que a Justiça não é apenas para os pobres, mas é para todos.

Há uns dias, veio o grande balde de água fria. E, ironia das ironias, a maior das três surpresas. Afinal, o caso tinha prescrito. Jardim Gonçalves não tem de pagar um único cêntimo aos reguladores e pode voltar, se quiser, a ser banqueiro.

O antigo líder do BCP tem ainda pendente um quarto caso, que nasceu das mesmas acusações feitas em 2007 por Joe Berardo, accionista do banco: o processo-crime no qual Jardim Gonçalves é acusado de manipulação de mercado e pelo qual pode ser condenado a três anos de prisão.

Chegados a este ponto desta triste história judicial portuguesa, o primeiro-ministro, por uma vez em sintonia quase universal, disse o que todos pensámos: “Um cidadão comum não teria conseguido um desfecho destes.” Justamente. São os próprios magistrados que definem o regime geral de contra-ordenações, criado em 1982, como sendo “labiríntico” e permeável a “manobras dilatórias”. E foi aprovado quando ainda nem sequer havia banca privada em Portugal e quando estávamos longe de ter uma offshore em cada esquina.

Neste momento, reina a confusão e todos querem mudar a lei. Uns defendem que os prazos para os crimes prescreverem devem ser revisitados no sentido de os alargar. Outros, como a Procuradora Geral da República, dizem que não, que as leis estão bem, mas que têm de ser aplicadas. Outros avisam que nada deve ser mudado sob pressão e por causa de um caso isolado. O facto é que, como hoje mostramos nas nossas páginas, não temos sequer um retrato real das prescrições. Uma coisa é certa.

Não deve haver pressa em mudar as leis, mas deve haver pressa em julgar o caso de Jardim Gonçalves que ainda não prescreveu.

Sugerir correcção
Comentar