Ministério Público tem mais três anos para julgar Jardim Gonçalves

Prescrição do julgamento de Jardim Gonçalves mandou para o caixote do lixo do Banco de Portugal cerca de 100 audições e dois anos e meio de trabalho

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Jardim Gonçalves é um dos nove arguidos neste caso Pedro Cunha

No início do mês, ficou a saber-se que o juiz António Hora, do Tribunal de Pequena Instância Criminal, declarou prescritas as nove contra-ordenações imputadas pelo Banco de Portugal a Jorge Jardim Gonçalves, o ex-presidente e fundador do BCP. O resultado foi a anulação da multa de um milhão de euros e da inibição do exercício de funções bancárias durante nove anos.

Uma declaração ruidosa que mandou para os arquivos do Banco de Portugal cerca de dois anos e meio de trabalho, que envolveram 97 audições e o testemunho dos vários arguidos (Jardim, Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Alípio Dias, António Castro Henriques, Luís Gomes e o próprio BCP).

As acusações do BdP ao ex-banqueiro, hoje com 79 anos, têm cerca de três anos e meio e prendem-se com a prestação de informações falsas (as chamadas “contas inverídicas”) ao regulador, entre 2000 e Março de 2005, altura em que Jardim Gonçalves deixou as funções executivas para assumir a presidência do Conselho Superior do banco.

Como passaram oito anos desde então, e as contra-ordenações (infracções) não foram definitivamente julgadas, o processo prescreveu em Março de 2013, o que foi este mês confirmado.

As investigações do BdP começaram apenas em Dezembro de 2007, quando Vítor Constâncio era governador, e após denúncias anónimas entregues (ao BdP, à CMVM e ao Ministério Público) pelo investidor Joe Berardo (o mensageiro) a 28 de Novembro de 2007 (e reforçadas a 11 de Dezembro do mesmo ano).

Em Abril de 2010, o BdP considerou que os arguidos tinham cometido infracções “muito graves” e o julgamento arrancou um ano depois, no Tribunal de Pequena Instância Criminal com vários percalços. Para além das múltiplas intervenções da defesa (requerimentos, recursos, impugnações), a meio do julgamento o juiz aderiu à tese de um dos arguidos, Filipe Pinhal, e declarou o julgamento nulo. A tese era a de que as denúncias e as provas estavam sustentadas num crime, o de violação do sigilo bancário.

Esta é uma posição longe de ser consensual, pois muitos juristas entendem que só em casos extremos se podem “desconsiderar” para efeitos de actuação criminal as informações oriundas de delitos. Recentemente, o Banco de Portugal passou de resto a consagrar como “obrigação moral e ética” de qualquer quadro da banca as denúncias de actos ilícitos no sector.

No caso dos restantes ex-gestores do BCP visados pelo regulador, as contra-ordenações anteriores a 2005 foram também declaradas prescritas, mas não as que abrangem o período subsequente, dado que – ao contrário de Jardim Gonçalves –, todos se mantiveram em funções executivas até ao início de 2008. Como os últimos factos apontados pela acusação remontam a 2007, este processo terá de ser encerrado na Justiça até ao fim de 2015. Daí que, tanto o Ministério Público como o Banco de Portugal tenham requerido que o resto do julgamento – que, tudo indica, será reatado a 4 de Abril – decorra sem interrupção nas férias judiciais, de modo a evitar o risco de prescrição das contra-ordenações ainda activas.

Mas as múltiplas intervenções da defesa, legitimas e, por vezes, de expediente dilatório, acabaram por afectar igualmente os prazos de prescrição das contra-ordenações da CMVM, designadamente, as associadas ao fundador do BCP.  O supervisor que o condenara ao pagamento de um milhão de euros por quatro infracções acabou por deixar cair duas por prescrição. Para as que continuam em vigor a coima pedida é agora de 500 mil euros. A inibição do exercício de actividade na área do mercado de capitais manteve-se, embora a CMVM tenha reduzido igualmente o período de proibição para apenas dois anos e meio. Decisões susceptíveis de contestação.

O ex-presidente do BCP contínua, porém, a bater-se contra uma outra acção, esta do foro criminal, movida pelo Ministério Público, que abriu o inquérito em Setembro de 2007 e apresentou a acusação em Junho de 2009.

Ao contrário do Banco de Portugal, a autoridade policial considerou que a responsabilidade do ex-banqueiro nos crimes de que é acusado não foi interrompida quando deixou as funções executivas, em Março de 2005, mas foi continuada até Junho de 2007. Jardim Gonçalves manteve-se nos órgãos sociais não-executivos do BCP, primeiro como presidente do Conselho Superior e a seguir como líder do Conselho Geral de Supervisão do banco.

Por essa razão, os procedimentos só prescrevem a 25 de Junho de 2017. Para os três ex-gestores do BCP acusados pelo Ministério Público, Filipe Pinhal, Christopher de Beck e António Rodrigues, os prazos prescrevem na mesma altura.

Para além do BCP, os tribunais estão ainda a apreciar várias contraordenações do BdP a ex-responsáveis ligados ao BPN, então liderado por José Oliveira Costa, e a três ex-gestores do BPP (João Rendeiro, Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital).

No BPN estão em curso dois julgamentos que correm no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que agora funciona em Santarém, e que terão de terminar até Junho de 2016. Uma acção está associada a ilicitudes nas contas de investimento (que serviram para ocultar financiamentos ao BPN), enquanto a outra está relacionada com o Banco Insular de Cabo Verde (que funcionava à margem das autoridades e foi usado para esconder negócios ruinosos). Oliveira Costa aceitou já a condenação do BdP, mas está a reclamar a prescrição do processo-crime movido pelo Ministério Público e que sustentou a sua detenção.

No caso do BPP, a prescrição das contraordenações do BdP ocorrerá a 25 de Novembro de 2016. A CMVM está igualmente a ultimar a sua acusação contra antigos gestores do BPP e já avançou com processos contraordenacionais a ex-responsáveis do BPN.

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