"Não podemos manter tudo em formol", diz vereador da Reabilitação Urbana de Lisboa

Em entrevista ao PÚBLICO, Manuel Salgado afirma que nos casos em que não é possível preservar as fachadas originais dos edifícios "se calhar é melhor fazer uma coisa diferente, e não macaquear o que lá estava".

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Manuel Salgado defende que o município tudo tem feito para evitar os casos em que a fachada permanece mas o miolo não Miguel Manso

O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, entidade que vários especialistas e cidadãos têm acusado de promover uma reabilitação em que só as fachadas dos edifícios são preservadas, garante que essa não é “de maneira alguma” a política que defende para a cidade. Ainda assim, Manuel Salgado sublinha que nem tudo pode ser conservado “em formol”.

“Tem que haver aqui bom senso. Não podemos manter tudo em formol”, afirmou o autarca, numa entrevista ao PÚBLICO à margem de uma conferência em que participou no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana.

Manuel Salgado considera que o município tem feito aquilo que está ao seu alcance para evitar a proliferação de situações em que a frontaria dos prédios permanece mas o seu miolo não. E acrescenta que mesmo quando isso acontece há bons exemplos a assinalar, como o do número 240 da Avenida da Liberdade, onde no último verão se instalou a loja da Cartier. “Eu acho que ficou um excelente edifício. A fachada foi mantida e o interior foi refeito porque estava completamente podre”, descreve o autarca.

Diferentes são os casos, como aquele com que se confrontou na passada quarta-feira, em que os promotores de operações de reabilitação para as quais foi determinada a manutenção dos edifícios originais se dirigem ao município pedindo-lhe que autorize a demolição mas assumindo o compromisso de mais tarde reproduzir a fachada original. “Para quê? Para ganhar 20 centímetros a toda a volta porque as paredes são mais estreitas”, explica Manuel Salgado, acrescentando que “o Plano Director Municipal não o permite”.

Quanto às situações em que a frontaria não pode efectivamente ser preservada, por estar “completamente podre” ou por não haver “hipóteses técnicas de a manter”, Manuel Salgado diz que “se calhar até é melhor fazer uma coisa diferente, e não estar a macaquear o que lá estava”. “Nalguns casos tem-se admitido pura e simplesmente arquitectura contemporânea”, refere, reconhecendo que “infelizmente nem todos os exemplos são excelentes”.

O vereador, que acumula os pelouros do Planeamento, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Espaço Público, defende que seria importante para a cidade que se apostasse em contratos de arrendamento de curta duração, à semelhança do que acontece noutros países da Europa e nos Estados Unidos da Europa. O objectivo é que os edifícios possam ter ocupações provisórias, enquanto os proprietários não têm condições para os reabilitar, evitando-se assim que estejam devolutos e que a sua degradação se vá acentuando.   

Segundo Manuel Salgado, nos últimos anos a Câmara de Lisboa investiu 130 milhões de euros na reabilitação, e os privados 600 milhões de euros. Números muitíssimo abaixo dos oito mil milhões de euros que o município divulgou anteriormente, por ocasião da discussão da Estratégia de Reabilitação Urbana para o período entre 2011 e 2024, ser o valor necessário para pôr toda a cidade como nova.

O autarca, eleito pelo PS, defende que a câmara deve contribuir para alcançar esse patamar essencialmente como “facilitadora, dinamizadora, reguladora”. “Não nos podemos colocar numa posição passiva de estar à espera que os investidores privados nos batam à porta a perguntar se podem fazer assim ou assado”, afirma Manuel Salgado.
O vereador destaca o trabalho já feito ou em curso em zonas de Lisboa como Avenida da Liberdade, Mouraria, Bica, Ajuda, bairros Padre Cruz e da Boavista, Marvila, Alfama e Castelo. “Mas tudo isto sabe a pouco porque a necessidade de reabilitação estende-se a toda a cidade”, reconhece Manuel Salgado.

Mesmo no centro, admite, há “bolsas de pobreza extrema”, casas com “condições de habitabilidade inaceitáveis”, “situações de graves ao nível da saúde pública” e um número significativo de edifícios total ou parcialmente devolutos. A solução que Manuel Salgado preconiza passa pelo lançamento de operações de reabilitação sistemáticas, juntamente com o desenvolvimento no terreno de programas de intervenção comunitária.

O vereador também sublinha a importância de se apostar na área da mobilidade, através da criação de “uma rede de percursos pedonais inclusivos” e de “meios mecânicos nos grandes saltos de quota”, como “elevadores públicos, eléctricos e funiculares”.

Na intervenção que realizou no âmbito da Semana de Reabilitação Urbana, que decorre em Lisboa até ao dia 26 de Março, o autarca defendeu a necessidade de se encontrar “um novo modelo de financiamento à habitação”. Se tal não acontecer, diz, “tudo continuará a ser como dantes”.

“Não devíamos voltar a ter um financiamento à compra de casa própria, devíamos ter um mercado de arrendamento forte e saudável”, explicitou Manuel Salgado ao PÚBLICO. O autarca admite que esse financiamento “foi importante porque permitiu resolver rapidamente um problema de habitação e permitiu que as empresas começassem a laborar e a criar empregos”, mas lembra que também teve “efeitos perversos”.

Como exemplo da “irracionalidade urbanística” a que a facilidade concedida nos empréstimos para a aquisição de habitações levou, o autarca aponta a Área Metropolitana de Lisboa, que “cresceu em mancha de óleo, cada vez mais longe”. “Primeiro houve crescimento nos concelhos à volta de Lisboa, como Amadora, Loures e Odivelas. Depois começou a haver mais longe, em Sintra, Vila Franca, Cascais. E agora já é em Mafra, Torres Vedras”, constata Manuel Salgado, lembrando que isso se traduz em mais tempo e mais energia gastos nas deslocações.   

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