Banco de Portugal critica proposta do PS sobre comissões dos cartões bancários

Banco de Portugal (BdP) diz que o sector dos pagamentos electrónicos precisa de tempo para adaptar modelo de negócio à redução das taxas proposta por Bruxelas e que o PS quer antecipar.

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Consumidores fazem cada vez mais contratos à distância, pagos com cartões de débito e de crédito Foto: Tânia Azevedo

A proposta do PS de antecipar a regulamentação Europeia - que vai limitar as comissões interbancárias cobradas aos comerciantes nos pagamentos com cartão - não dá tempo ao sector de ajustar todas as mudanças que serão trazidas pelas novas normas, defende o Banco de Portugal.

Durante uma audição promovida pelo grupo de trabalho parlamentar sobre as taxas interbancárias, José Gabriel Queiró, dos serviços jurídicos do Banco de Portugal, voltou a frisar a posição do regulador. Aplicar limites máximos de 0,2% aos cartões de débito e 0,3% aos cartões de crédito exige um período de ajustamento. E aplicação imediata, proposta na lei socialista, “iria criar a necessidade um ajustamento muito rápido que geraria custos de adaptação menos bem repartidos e desenquadrados do que irá acontecer a nível europeu”.

A limitação das taxas implica uma “redução significativa dos valores recebidos pelos emitentes dos cartões bancários” e o “rebalanceamento do modelo de negócio e da estrutura de preços” exige tempo.

A votação, em Abril, no Parlamento Europeu de uma regulamentação para limitar as taxas sobre cartões de crédito e de débito, levou o PS a avançar com uma proposta legislativa na Assembleia da República que, na prática, antecipa a regulamentação europeia. A ser aprovada, limita as taxas a 0,2% quando o pagamento é feito com débito e a 0,3% quando é usado um cartão de crédito. A iniciativa socialista está a ser analisada por um grupo de trabalho da Comissão de Orçamento e Finanças.

Com esta redução das taxas, a banca perde 140 milhões de euros por ano. No final do ano passado, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Faria de Oliveira já tinha admitido que o sector poderia começar a cobrar comissões pelos levantamentos e pagamentos através das caixas automáticas Multibanco (actualmente proibida por lei). Outra alternativa pode ser o aumento do preço de emissão dos cartões.

José Gabriel Queiró disse aos deputados que as taxas interbancárias aplicadas em Portugal “são das mais elevadas” da Europa. E esse é um dos motivos invocados pelo regulador para a “obrigação de ponderar as consequências de uma redução, que seria mais drástica do que noutros países”.

O responsável do Banco de Portugal disse ainda que, com os tectos máximos, a banca terá uma redução de “três quartos das receitas”. “Independentemente de qualquer outra análise, uma redução desta envergadura aconselha a que se pondere a necessidade de alguma progressividade ou período de adaptação”, defendeu.

A Comissão Europeia acredita que a adopção de tectos vai permitir ao grande comércio obter ganhos operacionais na ordem dos 3000 milhões de euros anuais. Em toda a Europa estas comissões custam ao sector mais de dez mil milhões de euros por ano.

O comércio, a restauração e a hotelaria reclamam, há muito, uma redução das taxas. Em audições anteriores, perante os deputados que compõem o grupo de trabalho, a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição adiantou que cobrar taxas interbancárias de, no máximo, 0,2% e 0,3% permitiria poupanças anuais de 118 milhões de euros. Já a hotelaria e a restauração gastaram, num ano, 98,7 milhões de euros com estas comissões que, em alguns casos, chegam aos 1,75% (crédito) e 1% (débito).

Para aceitarem pagamentos com cartões, os comerciantes contratam o serviço a empresas especializadas (denominadas adquirentes, como é o caso da Unicre), a quem pagam uma taxa de serviço. Por seu turno, as adquirentes pagam ao banco que emite os cartões a chamada interchange fee, uma comissão que garante e executa o pagamento. É esta a taxa que passará a ter um tecto máximo a nível Europeu.

Neste complexo esquema, os bancos e as adquirentes têm, ainda, de pagar às empresas que garantem o processamento das transacções (como a SIBS, por exemplo). E também pagam pelos direitos de utilização da marca do cartão usado no pagamento (Visa, Mastercard ou Multibanco). Por seu lado, os comerciantes pagam pela utilização dos terminais de pagamento, comunicações, manutenção ou segurança.

Banca arrasa proposta do PS para reduzir taxas interbancárias
Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), não poupou críticas à proposta do PS para limitar as taxas interbancárias cobradas aos comerciantes e que antecipa uma regulamentação europeia. Numa audição do grupo de trabalho criado pela Comissão de Orçamento e Finanças para discutir o assunto, Faria de Oliveira disse que a lei socialista é “mal fundamentada” e “reflecte uma realidade muito enviesada dos sistemas de pagamentos”.

Também Maria João Carioca, administradora da Caixa Geral de Depósitos que integra a comitiva da APB nesta audição, refutou os argumentos usados pela grande distribuição, sector que há muito defende a descida das taxas. Respondendo às críticas de que o mercado dos pagamentos electrónicos não é concorrencial – argumento que tem sido usado pelos empresários do comércio, hotelaria e restauração – Maria João Carioca disse que há, em Portugal, 46 entidades a actuar como aceitantes de cartões em acordos internacionais (Visa ou Mastercard, por exemplo) e 32 entidades aceitantes de Multibanco.

A Associação Portuguesa de Bancos diz que apenas 2% dos comerciantes vão absorver 40% das poupanças conseguidas com a redução e limitação das taxas interbancárias. E nesta equação, os mais beneficiados serão os supermercados, defende a APB. Pelas contas feitas por esta organização, “1% dos comerciantes vão absorver 29% desta poupança”.

Os argumentos da banca passam ainda pelo agravamento do défice anual do sistema de pagamentos português, estimado em 355 milhões de euros. Com a limitação das taxas este valor subirá para os 500 milhões de euros por ano. A APB diz que este sistema “está ameaçado”, com consequências negativas para os consumidores e para a inovação do sector. A associação contesta a proposta socialista, não concorda com a regulamentação de Bruxelas, mas sendo esta inevitável, pede tempo de adaptação.

 


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