"Não é razoável pensar que o sistema de protecção social anterior à crise possa ficar inalterado"

Três perguntas a Herwig Immervoll, um dos autores do estudo da OCDE.

Herwig Immervoll é economista, chefe do departamento de Políticas Sociais de Incentivo ao Emprego da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em Paris e um dos autores do relatório Society at A Glance (Olhar sobre a Sociedade) divulgado esta terça-feira.

PÚBLICO: O ponto de partida de Portugal, antes da crise, era de uma grande desigualdade social, que entretanto se acentuou. Foi agravada pelas políticas adoptadas?
Herwig Immervoll: Quando olhamos para os índices de pobreza em Portugal, nos primeiros anos da crise, não aumentaram. Pelo contrário, baixaram. Inicialmente, o sistema de protecção social, no que diz respeito aos benefícios para os mais pobres, terá funcionado. Mas depois de 2010, o número de famílias no desemprego – onde nenhum dos elementos trabalha – aumentou ainda mais. E isto conjugado com a pequena proporção dos apoios destinados a estas famílias e com os cortes feitos desde então, incluindo aqueles que foram feitos nos apoios de assistência social, pode resultar numa deterioração considerável das estatísticas futuras da pobreza.

Quais os riscos concretos?
O risco mais imediato é a queda do rendimento das famílias. As pessoas têm dificuldade em obter apoios e estes tornam-se menos generosos. Se uma pessoa estiver a viver mal durante algum tempo, terá dificuldade em inverter isso. Os países têm duas hipóteses: ou enfrentam rapidamente estes sintomas de desvantagem económica e social ou deixam-nos persistir criando o risco de que os custos no futuro sejam muito maiores.

A opção de aumentar ou reduzir os gastos sociais deixou de ser uma questão ideológica, meramente política?
A questão política estará sempre lá. Mas perante mudanças sociais e económicas tão significativas como a dos últimos anos, não é razoável pensar que o sistema de protecção social anterior à crise possa ficar inalterado para se lidar com estes problemas. As mudanças foram muito grandes e temos de ver se os apoios sociais estão a atingir os grupos certos, ou seja, os grupos mais necessitados. Esses não são os mesmos que eram antes da crise. Hoje incluem a população activa que está no desemprego. E em Portugal, a despesa nos benefícios direccionados para estes grupos mantém-se muito baixa mesmo quando o desemprego se tornou tão alto.

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