Londres ficou inacessível para o talentoso filho de um desempregado

Ex-trabalhador dos Estaleiros de Viana, o pai de Fábio Fernandes não tem possibilidade de pagar os custos da licenciatura em Guitarra Clássica que o filho conquistou na Guildhall School of Music & Drama.

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Fábio Fernandes ainda não perdeu a esperança de conseguir dinheiro para perseguir o seu talento Renato Cruz Santos
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Fábio e o seu professor acreditam que podem contrariar as adversidades Renato Cruz Santos

Fábio Fernandes, com 18 anos feitos em Janeiro, conseguiu o mais difícil para quem sonha com um futuro na música clássica: em Dezembro foi admitido na Guildhall School of Music & Drama, em Londres, uma das melhores escolas de artes do mundo, onde só entram grandes talentos. Mas a situação de desemprego do pai, depois do encerramento dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), pode deitar por terra o sonho que persegue desde os 10 anos.

O pai, Américo Fernandes, não tem condições para suportar os cerca de 10 mil euros de propinas por ano, nem os custos mensais da estadia do jovem na capital inglesa.

Fábio recusa desistir perante um obstáculo que não depende do seu talento. Com a ajuda do professor, Francisco Gomes, que o tem acompanhado durante todo o seu percurso académico, está a tentar mover montanhas. Sem condições para aceder a uma bolsa de estudo, já está a dar aulas de guitarra e nos próximos meses vai desdobrar-se em espectáculos para conseguir angariar dinheiro. No próximo dia 21 vai dar um recital num espaço da cidade e em carteira tem já outras actuações.

De ar franzino mas determinado, Fábio contou ao PÚBLICO que partiu para Londres, para as provas de admissão, sem grandes expectativas. Estava confiante, reconheceu, até pela preparação cuidada do professor. Como referência levou o caso de João Lima. O colega do curso secundário de Música, na classe de Guitarra do professor Francisco Gomes, foi, em 2011/2012 o único, entre centenas de estudantes de todo o mundo, a ser admitido na Royal Academy of Music, em Oxford, uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior do mundo.

“Foi um incentivo para mim para tentar ser tão bom ou melhor”, confessou entre sorrisos envergonhados e elogios ao amigo já a estudar em Londres. “Ele elevou a fasquia porque era dos melhores da Academia. Mas com a ida dele para Londres eu vi que afinal esse não era um mundo tão distante. Nós cá em Viana também conseguimos ter capacidade para lutar com gente de todo o mundo. Não é impossível, depende apenas de o nosso trabalho chegar lá”, afirmou.

O gosto pela música e a paixão pela guitarra clássica despertaram cedo na vida de Fábio. Primeiro começou com aulas privadas e, ainda no ensino preparatório, decidiu que era esse o caminho que queria trilhar. Através do ensino articulado, ingressou na Academia de Música, depois de convencer o pai Américo. “O meu pai queria que eu tirasse um curso primeiro e depois então podia estudar música”, adiantou.

Foi evoluindo até que, já no secundário, veio a certeza: “No décimo ano meti na cabeça que era para seguir música. A partir daí foi empenho total”. E é essa, segundo o professor, uma das grandes qualidades do Fábio. A capacidade de trabalho, o rigor que impõe a si próprio e dedicação à música e ao instrumento.

Para além das disciplinas do curso secundário de Música, na academia, frequenta o 12.º ano de escolaridade, no curso de Artes, no ensino regular. A isto juntam-se sete horas diárias de prática do instrumento que abraçou ainda miúdo. Aluno brilhante tanto no curso de Artes, na Escola Santa Maria Maior, como no curso de Guitarra Clássica na Academia de Música, Fábio conquistou já várias medalhas de ouro, prata e bronze nos concursos em que participou um pouco por todo o país.

“É um miúdo muito focado. Com esta carga não tem tempo para nada. É um jovem especial e um talento em potência”, diz orgulhoso, o professor Francisco. E desabafa: “Ia-me custar tanto que não fosse para Londres.”

Foram juntos à capital londrina, a expensas próprias. Enfrentaram juntos as provas exigentes da Guildhall School of Music & Drama, perante um júri de reputação mundial. Receberam juntos a notícia da admissão numa escola de onde saíram nomes de músicos internacionalmente conhecidos, como a violoncelista Ella Rundle ou a violinista Hikan Mitsukawa. Para o cinema saíram actores como Lennie Janes, Daniel Craig – que Fábio conheceu na pele de James Bond – ou ainda Orlando Bloom e Ewan Mcgregor.

Agora tentam juntos esconder o desânimo e não têm poupado esforços para tentar soluções para ultrapassar a falta de condições económicas da família de Fábio. “Quando telefonei ao meu pai de Londres a dizer que tinha sido admitido, pensou que estava a brincar com ele. Quando percebeu que era verdade ficou muito contente e orgulhoso. Mas depois caiu na realidade e ficou muito preocupado e triste. Eu quero muito ir, mas é impossível. Tenho uma irmã na faculdade”, desabafa, consciente das dificuldades reforçadas ao PÚBLICO por Américo Fernandes. Um pai orgulhoso do talento do filho, mas frustrado “por não o poder ajudar a concretizar o sonho”.

“Sou realista. Não tenho hipóteses. Todos os pais querem o melhor para os filhos, mas neste momento não consigo. Eu mais do que ninguém gostaria que ele fosse para Londres”, confessa, comovido e revoltado pela falta de apoios do Estado para casos como estes.

Ex-trabalhador dos ENVC, Américo Fernandes serviu a empresa pública, agora em processo de liquidação na sequência da subconcessão ao grupo Martifer, durante 25 anos. Começou como soldador e cessa funções no departamento de recursos humanos. Faz parte do grupo de 40 trabalhadores que vão continuar ao serviço até Abril, apesar de já terem acertado as rescisões amigáveis, para acompanharem a venda de diverso material da empresa.

O desemprego é a única certeza que Américo tem no horizonte. Aos 46 anos, teme que venha a ser de longa duração. Já enviou o currículo para a West Sea Estaleiros Navais, Lda, a empresa criada pelo grupo Martifer para gerir a subconcessão ENVC. Mas não acalenta esperanças: “Vai ser muito, muito difícil”. Outras possibilidades também não vislumbra: “Na minha área não há trabalho e quem vai admitir uma pessoa com 46 anos de idade e com tantos jovens formados”, questionou.

O Fábio e o professor Francisco recusam perder o ânimo e juntos continuam a bater a várias portas na esperança de que alguma se venha a abrir.

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