Recicladores podem sair da Sociedade Ponto Verde em clima de conflito

Conflito sobre competências e preço dos materiais recolhidos nos ecopontos marcam transição para nova fase na gestão dos resíduos de embalagem.

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Recicladores de plásticos são dos mais afectados pela subida nos preços do conteúdo dos ecopontos Fernando Veludo

A entidade que reúne os interesses dos produtores e recicladores de embalagens em Portugal poderá deixar a Sociedade Ponto Verde (SPV) – a sociedade responsável pela gestão deste tipo de resíduos no país. É mais um capítulo numa relação conflituosa desde há alguns anos, motivada em grande parte pelo preço com que as embalagens que os cidadãos depositam nos ecopontos são depois vendidas a quem os recicla.

A SPV foi criada em 1996 para garantir o cumprimento das metas europeias de reciclagem de embalagens que são colocadas no mercado em Portugal. É dominada maioritariamente pela Embopar, a associação que representa os embaladores e importadores de produtos embalados. Os produtores e recicladores de embalagens também estão desde o princípio na SPV, através da Interfileiras, mas com uma posição minoritária de 20%.

A Interfileiras tem actuado na produção de especificações técnicas dos resíduos que vão para os retomadores e recicladores. E gere um sistema de homologação destes operadores. Agora queixa-se de que a ser afastada deste papel pela própria SPV.

Há, no entanto, um outro conflito, com reflexos económicos para ambas as partes: o do preço dos produtos retomados. Até 2008, era a própria Interfileiras quem definia como e a quem as embalagens eram entregues. A partir desta data, a SPV tomou conta desta tarefa, vendendo os resíduos por concurso público. E a partir de 2010, a venda passou a ser por leilão.

Com isso, os recicladores nacionais entraram em concorrência sobretudo com grupos espanhóis e o preço inevitavelmente subiu. O valor médio da tonelada de embalagens, que oscilava entre 20 e 30 euros desde 1998, chegou aos 64 euros em 2013. Nos plásticos, a subida foi vertiginosa. O preço actual está em torno dos 250 euros por tonelada. Antes, era negativo – ou seja, a SPV pagava aos recicladores para ficarem com as embalagens usadas, que entram como matéria-prima na fabricação de novos produtos de plástico.

“A SPV passou para uma perspectiva mais economicista e de mercado”, lamenta Rui Toscano, presidente da Interfileiras e também responsável da Plastval, que representa a fileira do plástico. “Alguns recicladores fecharam, outros têm de importar resíduos."

A SPV rejeita as acusações de uma abordagem comercial. “Existe outra lógica que não seja a da oferta e da procura?”, questiona Luís Veiga Martins, director-geral da sociedade. “A prática de venda dos resíduos geridos pela SPV é exactamente a mesma da do mercado em geral, isto é, de acordo com as regras de mercado livre e concorrencial”, completa, acrescentando que a SPV movimenta apenas um por cento de todos os resíduos produzidos no país.

As receitas da venda aos recicladores são essenciais para as contas da SPV. A sociedade financia-se por uma taxa cobrada aos embaladores e importadores. É o “Valor Ponto Verde”, uma quantia variável conforme o material – por exemplo, 16 euros por tonelada de garrafas de vidro ou cerca de 200 euros por garrafas de plásticos.

O dinheiro serve para cobrir o que a SPV paga para financiar a recolha selectiva nos municípios e também o que a sociedade investe em campanhas de marketing e projectos de inovação. O resultado da venda das embalagens recolhidas atenua estes custos e, como consequência, o "Valor Ponto Verde" que os embaladores pagam.

Luís Veiga Martins rejeita que os recicladores estejam a pagar uma conta que caberia aos embaladores. O beneficiário, diz, é o consumidor, que no final é quem paga a reciclagem, uma vez que o "Valor Ponto Verde" acaba por estar embutido nos preços dos produtos. “A questão de se beneficiar o sector A ou B não se coloca mas sim a de se cumprir uma obrigação legal ao custo mais baixo e sustentável para o consumidor, ou seja, todos nós”, afirma.

A Interfileiras não está, no entanto, satisfeita e argumenta que a indústria dos produtores e recicladores está a ser afastada de tarefas essenciais. Uma delas é a das especificações dos materiais recicláveis. Sem a palavra da indústria, diz Rui Toscano, não é possível garantir que o que vai para a reciclagem é material de qualidade. E isto pode prejudicar o seu aproveitamento na fabricação de produtos com maior valor. “Não queremos voltar aos baldes”, afirma, referindo-se aos primórdios da reciclagem, quando o plástico usado só era reutilizado em produtos mais grosseiros. “Não devemos exportar os recicláveis, devemos exportar produtos de valor”, completa.

A saída da Interfileiras da SPV não está ainda decidida mas é uma forte possibilidade. Com o surgimento de uma entidade concorrente à SPV – a Novo Verde, criada pelo sector da distribuição – a Interfileiras quer assumir um papel próprio, independente de ambas, com competências nas especificações, homologações e monitorização da reciclagem. Sair da SPV “deverá ser uma consequência natural”, afirma Vera Norte, secretária-geral da Interfileiras.

Os contornos da reciclagem de embalagens em Portugal estão dependentes das novas licenças que serão atribuídas pelo Ministério do Ambiente à SPV e à Novo Verde, e que deviam já estar em vigor há três anos. As licenças deverão ser apresentadas às entidades na próxima semana, segundo informação da Secretaria de Estado do Ambiente.

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