PS e PSD abrem a porta a retomar propostas sobre a co-adopção por casais do mesmo sexo

A questão está a abrir uma ferida no núcleo duro dos sociais-democratas. No CDS, Teresa Caeiro não escondeu o descontentamento por ter de votar contra.

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A votação dividiu o plenário Enric Vives-Rubio

Depois de chumbado o projecto sobre a co-adopção por casais do mesmo sexo – por uma escassa margem - , o PS promete “continuar a lutar” por esta causa e admite voltar a apresentar nova iniciativa assim que possível, isto é, na próxima sessão legislativa.

Do lado do PSD, o líder da bancada fez notar que só um referendo poderia dar estabilidade jurídica a uma solução face à inconstância da composição do plenário. A decisão de insistir ou não na proposta de referendo só é anunciada em Maio, mas o assunto está a abrir uma ferida no núcleo duro do PSD.

Na comissão permanente dos social-democratas, há pelo menos duas posições que se confrontam. Teresa Leal Coelho, vice-presidente do partido, tem dado a cara contra o referendo sobre a adopção e a favor da co-adopção. Entre os que disseram 'sim' ao projecto do PS está Pedro Pinto, também vice-presidente do partido e membro da comissão permanente do PSD.

Pelo contrário, Luís Montenegro, líder da bancada e que faz parte da permanente por inerência, defende o referendo e votou contra a co-adopção. O líder do partido, Pedro Passos Coelho, não se te pronunciado publicamente sobre esta matéria, mas defendeu, em 2010, enquanto líder do PSD, que quando se avalia “as condições em que determinada pessoa deve poder adoptar, o critério não é saber a sua orientação sexual”.

A divergência que já era pública ficou esta sexta-feira ainda mais vincada. Teresa Leal Coelho lamentou que deputados na sua bancada e na do CDS tivessem mudado o sentido de voto e contrariou o argumento da obrigatoriedade de responder ao eleitorado, defendendo que os deputados têm de se informar em estudos científicos. Esse argumento foi precisamente o usado pelo líder da bancada quando avisou os deputados sobre as consequências políticas e partidárias sobre o seu sentido de voto.

A bancada social-democrata foi, aliás, a que mais se dividiu no plenário desta sexta-feira, depois de o CDS ter imposto uma disciplina de voto não assumida. O projecto do PS chumbou logo na especialidade por 112 votos contra e 107 a favor, e cinco abstenções. Foram cinco votos que reprovaram o diploma, curiosamente o mesmo número de vantagem que permitiu a aprovação na generalidade em 2013. Mas desde então alterou-se a composição do plenário e alguns sentidos de voto.

Mudança de posições
Um dos deputados na bancada do PS que mudou o seu sentido de voto (de contra para abstenção) foi João Portugal, que invocou duas razões. A primeira foi a “indicação de voto” dada pela direcção, suportada pela sua percepção de que “99 por cento da bancada era a favor”. A segunda foi o “risco” de que se apercebeu que o seu sentido de voto – dada a “pequena diferença” que existia – poderia “influenciar o resultado final”. “Por solidariedade”, rematou, optou por mudar para a abstenção o seu voto contra de há um ano. Mas continua a ter a “convicção” contrária.

José Junqueiro passou da abstenção ao voto favorável. O mesmo aconteceu com Pedro Silva Pereira e Miguel Laranjeiro na bancada socialista. Ao PÚBLICO, Junqueiro explicou que a mudança se justifica com os “upgrades” feitos à proposta por altura da discussão na especialidade, o debate que considerou esclarecedor e por fim, por entender, que a “aprovação era fundamental para o interesse das crianças”. 

Já a abstenção de Isabel Oneto não representa uma mudança. A deputada socialista foi uma das que não esteve presente, por doença, no plenário na votação inicial. Caso estivesse, ter-se-ia também abstido por considerar que existem “outros institutos [que não a co-adopção] que devem ser considerados”. Nomeadamente, a figura da responsabilidade parental, que na sua opinião, resolveria o problema que os proponentes apresentaram para apresentar o diploma.

Na bancada do CDS, a deputada Teresa Caeiro, que se absteve na votação anterior e agora votou contra, não escondeu o seu descontentamento. “Conformei-me com a orientação firme de voto, que interpretei como sendo, na verdade, uma obrigatoriedade. Conformei-me porque senti que não estava mandatada pelos que me elegeram para me abster que seria o meu sentido de voto”, afirmou ao PÚBLICO a deputada.

Teresa Caeiro, que é vice-presidente do partido, reconheceu que esta questão “não consta do programa eleitoral” com o qual foi a votos e sublinhou pertencer a uma estrutura orgânica. “Primeiro temos de pensar no país, depois na estrutura em que estamos inseridos e só depois em nós”, afirmou, acrescentando que “a dissidência é sobrevalorizada em Portugal nomeadamente pela imprensa”.

Outro dos deputados do CDS que mudou o sentido de voto (de abstenção para contra) foi Michael Seufert, que justificou a decisão com a discordância sobre alguns pontos (designadamente sobre o estatuto da filiação) que não foram alterados na especialidade. O mesmo argumento foi dado por Duarte Marques do PSD, que alterou no mesmo sentido. A social-democrata Maria José Castelo Branco anunciou na reunião interna do grupo que alterou a sua posição, depois de ter sido contactada por estruturas locais do partido.

João Rebelo, o terceiro deputado do CDS que se absteve anteriormente, faltou à votação, por estar ausente do país, em trabalho parlamentar, em São Paulo, Brasil. “Mas se tivesse estado presente votaria contra”, clarifica o deputado, por telefone, ao PÚBLICO. Já na anterior votação, Rebelo fizera uma declaração de voto, criticando alguns pontos da proposta do PS e pedindo alterações ao diploma. Por isso, garante, não seria a “recomendação da direcção do partido” a fazê-lo alterar a sua abstenção de há menos de um ano para o voto contra. Na sua opinião, nem essas alterações foram feitas, nem o debate melhorou muito, de lá para cá. “Os partidos de esquerda transformaram este tema numa bandeira”, sublinha.

Se deputados do PSD e CDS mantivessem voto teria passado
Entre a votação na generalidade, em Maio de 2013, e a desta sexta-feira, 11 deputados do PSD, PS e CDS alteraram o seu voto (em sentidos diversos), mas é abusivo atribuir o chumbo a esta mudança por causa das alterações sofridas na composição do plenário e das ausências de diferentes deputados nos dois momentos. Certo é que se os deputados da maioria tivessem mantido o sentido de voto, o diploma poderia ter sido aprovado.

Na votação da especialidade (como chumbou logo não foi votado em final global) foram sujeitos à votação de 223 deputados dois blocos de normas. No primeiro conjunto de artigos, o diploma obteve 111 votos contra e 107 a favor (o que corresponde a uma diferença de cinco votos) e registou cinco abstenções. No segundo conjunto de artigos votados, um deputado do PSD (João Prata) mudou o seu sentido de voto de abstenção para voto contra. O segundo conjunto de normas chumbou, por isso, com 112 votos contra.

Entre as abstenções estiveram três deputados do PSD, João Prata, Conceição Caldeira e Maria José Castelo Branco, estas duas últimas que mudaram de voto a favor para abstenção. Entre os sociais-democratas, em que só Paulo Mota Pinto esteve ausente, três deputados (Duarte Marques, Sofia Bettencourt e João Prata) mudaram de abstenção para contra. A Presidente da Assembleia da República, a social-democrata Assunção Esteves, esteve presente nas votações mas anunciou que não exercia o seu direito de voto ao abrigo do regimento.

Na bancada socialista, desapareceram os votos contra (António Braga faltou e João Portugal alterou para abstenção) da votação de 2013. Mas estiveram ausentes Maria de Belém e Paulo Pisco (que votaram a favor) por se encontrarem em viagem parlamentar ao estrangeiro. O mesmo motivo foi dado para justificar a ausência de Paulo Sá, do PCP, assim como João Rebelo do CDS. Na bancada do CDS, 23 deputados votaram contra. S.R.
 

   

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