D. José Policarpo, o patriarca que marcou a formação dos futuros padres

Várias figuras da Igreja ouvidas pelo PÚBLICO recordam o patriarca emérito de Lisboa como “um homem de pensamento” e alguém que marcou a formação da nova geração de padres que estão agora a trabalhar.

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D. José Policarpo morreu na sequência de um aneurisma da aorta Nuno Ferreira Santos

O patriarca emérito de Lisboa, que morreu na quarta-feira durante uma cirurgia de emergência a um aneurisma da aorta, é recordado por várias figuras da Igreja ouvidas pelo PÚBLICO como “um homem de pensamento e um bom pastoralista”, que influenciou a formação dos actuais padres e que esteve em Roma numa altura de viragem após o Concílio Vaticano II.

Não foram colegas de seminário mas encontraram-se no Colégio Português, em Roma, para onde vão os consagrados que querem continuar a estudar. Então, no final da década de 1960, início da de 1970, António Janela e José Policarpo estudaram, rezaram e fizeram férias em conjunto. “Não se pode esquecer que D. José era também um homem de pensamento e um bom pastoralista”, refere o cónego Janela, actualmente na paróquia do Coração de Jesus, em Lisboa.

Também o cónego Carlos Paes, pároco de São João de Deus, em Lisboa, e responsável pelas Equipas de Santa Isabel (que acompanham casais recasados), actualmente em Cabo Verde a fazer uma formação para o clero daquele país, ficou "chocado" com a "notícia inesperada" da morte de D. José Policarpo. Com três anos de idade de diferença, tinham apenas um de curso, o que significou que se foram sempre acompanhando na sua formação e, muitos anos depois, na formação dos futuros padres. "Daí uma amizade que se prolongou pela vida toda", confessa.

Carlos Paes lembra que Policarpo estava em Roma quando se deu o Concílio Vaticano II e acompanhou-o de perto. "Foi uma experiência muito rica. Quando vinha de férias, fazíamos sempre umas tertúlias para conversarmos" sobre as mudanças e desafios que se colocavam à Igreja. "Ele estava em Roma, no coração da viragem que se estava a operar", reforça.

Quando regressou a Portugal já doutorado, o padre José Policarpo foi escolhido pelo ainda cardeal Cerejeira para dirigir o seminário dos Olivais, em Lisboa, “ficou encarregue de o reconstruir”, continua António Janela, lembrando que aqueles foram “anos muito duros os que se seguiram ao Concílio Vaticano II”, com padres a abandonar a Igreja Católica ou a serem afastados por não concordarem politicamente com a ditadura, por exemplo.

Décadas mais tarde, é D. José que os reintegra e, por exemplo, em 1998, celebra o matrimónio do ex-sacerdote Felicidade Alves – a Fundação Mário Soares apresentou na terça-feira o arquivo pessoal deste ex-padre. Durante as décadas em que esteve à frente do seminário foi “uma figura marcante” na formação dos futuros padres, recorda António Janela.

“Um homem ecuménico”
Para Carlos Paes, o cardeal emérito é responsável pela qualidade do clero do Patriarcado de Lisboa, uma vez que esteve à frente do seminário dos Olivais muitos anos. "Teve importância para o novo tipo de padres que são os que estão hoje a trabalhar. D. Manuel Clemente [que lhe sucedeu] foi seu discípulo. Foi sempre um homem de cultura que não será esquecido facilmente", continua o cónego.

D. António Ribeiro, o então Patriarca de Lisboa, tinha “enorme confiança” em Policarpo e, sabendo que este seria nomeado para bispo do Porto, pediu directamente a Roma que José ficasse como seu co-adjutor com direito a sucessão, continua Janela. Assim foi. Depois da morte de António Ribeiro, em 1998, Policarpo sucede-lhe à frente dos destinos de Lisboa. Foram os últimos anos, na primeira década do século XXI, que foram mais marcantes, avalia António Janela, recordando o Congresso Internacional para a Nova Evangelização que marcou a Europa católica e a pôs a reflectir sobre os desafios colocados à sua fé. “Foi um homem ecuménico.”

"Era uma pessoa que tinha um espírito bastante calmo mas que estava sempre bem-disposto e com um sentido de humor muito espontâneo", recorda Paes, acrescentando que "não tinha aquele estilo clerical considerado negativo": "Era franco e directo e de um trato muito agradável. Era um homem com a capacidade de ver dentro dos acontecimentos e de projectar uma ideia sempre de forma muito espontânea e lúcida", conclui.

Actualmente, D. José Policarpo encontrava-se em Sintra e sentir-se-ia “um pouco isolado”. Depois de tantos anos de mundo, “é difícil a adaptação, mas queria fazer um centro de espiritualidade e disse que o Papa o tinha encarregado de uma missão, sobre a qual não podia falar, mas era uma missão noutro país”, conta António Janela.

D. José Policarpo foi “o meu reitor no seminário, o meu reitor na universidade, trabalhei com ele diariamente”, conta no final da noite de quarta-feira o cónego Álvaro Bizarro, ecónomo do Patriarcado de Lisboa, onde chegou pela mão de D. José e se mantém ao serviço de Manuel Clemente. Bizarro recorda um “homem bom”. “Acredito que as almas dos homens justos estão nas mãos de Deus”, diz ao PÚBLICO, no momento em que está  a preparar as cerimónias fúnebres do cardeal emérito.O funeral decorre nesta sexta-feira, às 16h, na Sé de Lisboa.

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