Morreu D. José Policarpo, o patriarca “que não pedia licença para dizer o que pensava”

Patriarca emérito de Lisboa morreu na sala de operações, quando estava a ser operado a um aneurisma da aorta. O funeral decorre esta sexta-feira, às 16h00, na Sé de Lisboa.

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D. José Policarpo participava num retiro de bispos, em Fátima, quando se sentiu mal e foi de emergência para Lisboa, onde lhe foi detectado um aneurisma na aorta. Morreu na sala de operações, durante a intervenção cirúrgica de emergência a que foi submetido no Hospital do SAMS. Tinha 78 anos. As exéquias do patriarca emérito de Lisboa realizam-se esta sexta-feira, na Sé de Lisboa, a partir das 16h00, sendo depois sepultado no Panteão dos Patriarcas, em S. Vicente de Fora.

D. José Policarpo foi, até 18 de Maio de 2013, cardeal-patriarca de Lisboa, cargo que ocupava desde 1998, o que contribuiu para se destacar como uma das principais figuras da Igreja Católica em Portugal. Participou em dois conclaves: no de Abril de 2005, que elegeu Bento XVI, e no de Março de 2013, que culminou na escolha do Papa Francisco. Foi, ele próprio, dado como possível ocupante do maior cargo da Igreja Católica. Em 2005, antes da eleição de Ratzinger, chegou a ser caricaturado pela imprensa internacional com uma nuvem de fumo à sua volta, por causa dos cigarros que fumava compulsivamente.

 Era “um homem corajoso, que não pedia licença para dizer o que pensava”, recorda o presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, Fernando Soares Loja.

Bruto da Costa, da Comissão Justiça e Paz, conheceu bem D. José. “Lidei com ele muitos anos, desde a altura em que era bispo auxiliar, e a notícia apanhou-me de surpresa. Em muitas ocasiões colaborei com ele e devo-lhe gestos de amizade pessoal.” Recorda um: “Há muitos anos ele deu conta de que eu não tinha carro e dispôs-se a emprestar-me o carro dele. Não tive gestos destes de muita gente.” Mas, sobretudo, Bruto da Costa sublinha “os gestos de diálogo” que Policarpo teve ao longo da vida, nomeadamente “com o mundo não crente”. “Era um intelectual e respeitado como tal. [A sua morte] é uma grande perda para a Igreja e para a sociedade portuguesa.”

Sobre as polémicas, em alguns momentos, dentro e fora da Igreja, diz que D. José Policarpo “era um homem culto, de uma elevada intelectualidade na forma como fundamentava as suas posições e que sabia que as divergências fazem parte da vida e que a Igreja se define como um espaço de diálogo”.

Carreira das Neves, um ano mais novo do que D. José Policarpo, foi seu amigo e colega, nomeadamente como professor, em diferentes ocasiões. “Era um homem superiormente inteligente, muito dedicado. Como padre, era um pai para os padres das suas dioceses”, nota, recordando várias ocasiões em que, como patriarca de Lisboa, D. José aparecia nas igrejas sem se fazer anunciar “para falar e ajudar a resolver problemas”. “Aparecia quando menos esperavam.”

“D. José tinha coisas muito interessantes e era um homem muito aberto”, continua o padre Carreira das Neves. Era um “democrata” que revelava “uma grande capacidade de ouvir os outros”, um homem “aberto” e, por vezes, “polémico”. E uma das polémicas deu bastante que falar: “Há uns anos, numas conferências na Figueira da Foz, num momento de intervalo, quando pensava que não estava a ser gravado, alguém lhe perguntou sobre a possibilidade de as mulheres serem ordenadas padres. Ele disse que era uma questão em aberto e que mais cedo ou mais tarde isso acabaria por acontecer. As suas palavras chegaram ao Vaticano, que não gostou nada.”

D. José Policarpo era, porém, pouco dado a fracturas. Aliás, poucos dias depois de ter reiterado, numa entrevista publicada no boletim da Ordem dos Advogados, em Julho de 2011, que não via nenhum obstáculo teológico fundamental ao sacerdócio feminino, viria a desdizer-se publicamente, convidando os católicos a “acatarem o magistério” da Igreja que interditava essa possibilidade. “Podem pensar que esta atitude tem o sabor do acomodamento, mas considero que revelou um grande sentido de coragem e de humildade intelectual”, recorda, a propósito, D. Januário Torgal Ferreira.

O bispo emérito das Forças Armadas prefere assim sublinhar a capacidade de D. José Policarpo se pôr ao serviço da Igreja, “sempre em diálogo aberto com a sociedade”. “Ele sempre se esforçou para que determinadas posições da Igreja fossem mais além e, não o sendo, foi muitas vezes acusado de ser conservador. Mas penso que, como cardeal, ele sentia que tinha de guardar um tipo de fidelidade que não era coadunável com a elasticidade mental que o caracterizava”, acrescentou D. Januário sobre alguém a quem imputa uma “atitude de extrema atenção ao mundo”.

Colega de D. José Policarpo na Universidade Gregoriana de Roma, o teólogo Anselmo Borges desfaz a imagem de alguém pouco caloroso, algo distante até na expressão. “Quem o conhecia de perto sabia que era um homem muito caloroso, culto, aberto ao mundo, dialogante”, descreveu-o ao PÚBLICO.  “Não era de muitos sorrisos, mas nunca o vi como alguém de expressão dura”, confirma o cónego António Pereira Rego, elogiando-lhe o “sentido de humor finíssimo”, que nem sempre transparecia “na forma como se apresentava”.

À SIC Notícias o ex-ministro das Finança Bagão Félix confirmou o carácter “afável” de D. José Policarpo. “Podia parecer algo distante, mas era, pelo contrário, muito caloroso e de grande mansidão”, declarou. E acrescentou: “Era suficientemente ortodoxo do ponto de vista da fé, mas não tão ortodoxo que não permitisse alguma liberdade aos fiéis." Uma impressão corroborada também por António Pereira Rego. “Se era progressista ou conservador em questões como o divórcio, a contracepção ou o aborto? É evidente que um cardeal não pode ser conservador nem progressista, porque as coisas são o que são, mas ele não acusava nem condenava ninguém, podia não estar de acordo, mas, tal como mandava Santo Agostinho, detestava o pecado e amava o pecador.”

Não era retórica. O cónego António Janela, que se cruzou com D. Policarpo no Colégio Português, em Roma, no final da década de 1960, início da de 1970, recorda “os “anos muito duros”, quando o então ainda padre José Policarpo foi encarregue pelo ainda cardeal Cerejeira para dirigir o seminário dos Olivais, em Lisboa. Foram os anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II e aos anos do Estado Novo, com padres a abandonar a Igreja Católica ou a serem afastados por não concordarem politicamente com a ditadura, por exemplo. Décadas mais tarde, é D. José que os reintegra e, em 1998, chega a celebrar o matrimónio do ex-sacerdote Felicidade Alves.

Durante as décadas em que esteve à frente do seminário foi “uma figura marcante” na formação dos futuros padres, recorda ainda António Janela, actualmente na paróquia do Coração de Jesus, em Lisboa. D. António Ribeiro, o então patriarca de Lisboa, tinha “enorme confiança” em Policarpo e, sabendo que este seria nomeado bispo do Porto, pediu directamente a Roma que José ficasse como seu co-adjutor com direito a sucessão. Assim foi. Depois da morte de António Ribeiro, em 1998, Policarpo sucede-lhe à frente dos destinos de Lisboa.

Actualmente, D. José Policarpo encontrava-se em Sintra e sentir-se-ia “um pouco isolado”. Depois de tantos anos de mundo, “é difícil a adaptação, mas queria fazer um centro de espiritualidade e disse que o Papa o tinha encarregado de uma missão, sobre a qual não podia falar, mas era uma missão noutro país”, conta António Janela. “Ele estava ainda numa fase de adaptação à sua nova vida”, confirma o cónego António Pereira Rego. “Sempre disse que queria ter tempo para se recolher, reflectir e para escrever.” Teve menos de um ano para o fazer. 

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