Consórcio liderado por portugueses investiga moléculas que impedem VIH de entrar nas células

Grupo recebe financiamento de quase 400.000 euros para três anos. Trabalho será feito por portugueses, franceses e romenos.

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O vírus da sida tem de se ligar às membranas das células hospedeiras para as infectar Jeff Mold, David Favre, Daniel C. Douek, Jason M. Brenchly e Joseph M. McCune

Um consórcio com investigadores de três países liderado por uma equipa portuguesa recebeu 395.580 euros para estudar, nos próximos três anos, a interacção de moléculas capazes de impedir que o vírus da imunodeficiência humana (VIH), que provoca a sida, entre nas células onde se multiplica.

A organização liderada por Miguel Castanho, investigador principal da equipa de bioquímica física do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, candidatou-se a um concurso lançado pelo HIV – European Research Area (HIVERA), um programa europeu que financia projectos de investigação do VIH. Várias agências nacionais de financiamento dos países europeus integram o programa, como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), de Portugal.

O consórcio ganhou financiamento da FCT e das agências francesa e da romena. Além do grupo de Miguel Castanho, integra o consórcio outro grupo português, de João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, a equipa de Sandrine Sagan, da Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, França, e a equipa de Dan Florin Mihailescu, da Universidade de Bucareste, na Roménia.

A ideia desta investigação já vinha de trás. “Recentemente, começámos a estudar moléculas inovadoras, que ‘inutilizam’ a membrana do vírus [do VIH] antes de qualquer interacção com as células”, explica Miguel Castanho ao PÚBLICO, acrescentando que este trabalho tem sido feito em colaboração com a equipa de Nuno Santos, também do IMM, que não integra o consórcio.

Como todos os outros vírus, o VIH necessita de células hospedeiras para se multiplicar. São estas células que têm a maquinaria celular para o vírus poder multiplicar o seu material genético e produzir as proteínas essenciais, que se conjugam entre elas para formar novas partículas virais.

No caso do VIH, as células-alvo humanas são, maioritariamente, os macrófagos e os linfócitos T CD4, que pertencem ao sistema imunitário. É por atacarem células do sistema imunitário que as defesas das pessoas infectadas pelo VIH começam a enfraquecer gradualmente.

Se estas pessoas não forem medicadas contra o vírus, acabam por ter a síndrome de imunodeficiência adquirida (sida). Nesta fase, os doentes têm tão poucas células daquelas classes que qualquer micróbio, facilmente eliminado por um sistema imunitário saudável, tem o caminho livre e causa infecções terríveis. Um conjunto de infecções acaba por matar os doentes nesta fase.

A equipa de João Castanho está a estudar duas famílias diferentes de moléculas contra o VIH. A primeira é um péptido inibidor de fusão do VIH com as células hospedeiras. Há já medicamentos aprovados contra o vírus que usam este tipo de moléculas. “A outra [classe de moléculas] é mais inovadora: a molécula altera a estrutura da membrana do VIH e torna-o disfuncional”, explica Miguel Castanho, acrescentando que ainda não existem medicamentos com esta nova classe.

A equipa percebeu que o uso de duas moléculas, uma de cada classe, dentro de vesículas de lípidos, os lipossomas, potenciava o efeito contra o VIH. Por isso, Miguel Castanho quis apostar em aprofundar estes resultados, juntando-se a outras equipas com o conhecimento de técnicas necessárias para fazer as novas experiências.

“Segue-se agora um estudo em que se combinarão os pares de moléculas anti-VIH nos lipossomas, se testará a sua eficácia a prevenir a infecção das células e se tentará descobrir os detalhes do mecanismo dessa inibição”, explica o cientista. “Quanto mais detalhes forem sendo conhecidos, melhor ajustaremos as características das moléculas inibidoras. Simultaneamente, teremos de garantir que as formulações destes fármacos não se tornam tóxicas para as células humanas.”

Miguel Castanho explica que não vai, ainda, sair nenhum medicamento ao fim destes três anos de investigação. Mas, “é possível que, deste estudo, se descubra moléculas já aprovadas [em medicamentos] que possam ser conjugadas com outras” para criarem fármacos mais eficazes, diz o investigador. Neste caso, “metade do trabalho” dos testes clínicos para o desenvolvimento de novos fármacos já estaria feito.

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