Atentados de 11 de Março em Madrid planeados três anos antes no Paquistão

Foi um acto de vingança meditado muito antes da guerra do Iraque e que, logicamente, nada teve a ver com o terrorismo doméstico da ETA. Uma década depois, a Espanha enterra os fantasmas das teses conspirativas.

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Um dos comboios ficou com um buraco no meio Andrea Comas/REUTERS

Os atentados de 11 de Março de 2004 nos comboios suburbanos da linha de Alcalá de Henares, em Madrid, foram planeados em Dezembro de 2001 no Paquistão. Foi deste modo que os dirigentes da Al Qaeda responderam à desarticulação, pela polícia espanhola, de uma rede da organização laboriosamente montada em 1994 e dirigida, até à sua prisão, sete anos depois, pelo sírio Eddin Barakat Yar Kas, aliás Abu Dahdah. Estas são as revelações do livro Matadlos! Quem esteve por detrás do 11-M e porque se atentou em Espanha, de Fernando Reinares, investigador e catedrático de Ciência Política e de Estudos de Segurança.

O mentor do atentado foi Amer Azizi, um marroquino casado com uma espanhola, o único membro da célula desarticulada em Espanha que nunca foi detido, e que tinha recebido treino em campos militares da Bósnia e do Afeganistão. A decisão de Azizi é ratificada numa reunião posterior em Istambul, na qual participam membros de grupos terroristas marroquinos, tunisinos e líbios. Após esta decisão, Amer Azizi passa a integrar o núcleo central da Al-Qaeda, tendo sido designado por Osama Bin Laden como adjunto de Hamza Rabia, chefe de operações exteriores da organização.  

A detenção de Abu Dahdad na Operação Dátil da polícia espanhola surgiu na sequência das investigações europeias após os atentados de 11 de Setembro contra as Torres Gémeas de Nova Iorque. Aliás, entre a vasta documentação consultada por Reinares consta um relatório de 2008 do Centro Nacional Antiterrorista dos Estados Unidos sobre o papel da Al-Qaeda nos atentados aos comboios madrilenos. 

Na chacina de Atocha, na qual morreram 191 pessoas e 1857 ficaram feridas, participaram elementos da célula de Abu Dahdad que escaparam à prisão e indivíduos relacionados com o Grupo Islâmico Combatente Marroquino (GICM), que em 2002 decidiu actuar em países europeus onde residiam os seus membros. Finalmente, foram também captados delinquentes magrebinos residentes no bairro madrileno de Lavapiés com práticas jihadistas de radicalismo bem conhecidas nos primeiros anos da década passada nalgumas mesquitas de Madrid. Foi a conjugação destas três componentes, num total de 30 elementos, que montou o mais grave atentado de Espanha e um dos mais mortíferos da Europa.

Uma década depois, os seis anos de investigações de Fernando Reinares em Espanha, Marrocos, França, Itália, Estados Unidos, Paquistão, Líbia e Indonésia, permitiram desenhar, com toda a sua crueza e simbolismo, o significado da matança.

Revelaram, em primeiro lugar, a capacidade operativa da Al-Qaeda na Europa Ocidental. O trabalho de Reinares põe uma pedra definitiva sobre as concepções de um organigrama assente numa espécie de franchising de terror, cujos integrantes disfrutavam de capacidade de autonomia para planear as suas acções.

Assim, a data de 11 de Março de 2004 para vingar a queda da rede de Abu Dahdha, foi fixada em 19 de Outubro de 2003 pelos militantes do GICM. Na véspera, numa alocução dirigida ao povo norte-americano emitida pela estação Al Jazira, Bin Laden faz uma referência a Espanha. O que agora é interpretado como uma mensagem cifrada a dar o arranque para a chacina. O que indica a existência de uma estrutura de comando sediada na Al Qaeda e não nas ruelas estreitas de um bairro popular de Madrid.

A marcação da data nada tem a ver, portanto, com o envolvimento de Espanha na cimeira das Lajes e na guerra do Iraque, factos posteriores à decisão de atacar tomada em Dezembro de 2001. No entanto, a reunião dos Açores e a presença militar espanhola ao lado dos Estados Unidos e Grã-Bretanha foi um alibi para os radicais residentes em território espanhol.

Estas alianças de política externa condicionaram, ainda, a resposta errática do Governo de José Maria Aznar. Que, para evitar tal acusação, lançou a falsa pista do envolvimento da ETA. Que só o bom senso da cidadania evitou transformar-se num pérfido ajuste de contas em Euskadi. O zelo da detenção de 120 etarras a seguir aos atentados de Atocha não permitiu encontrar qualquer fio condutor que ligasse a organização terrorista basca à matança.

Foi na base destas duas concepções erróneas que a sociedade a comunicação social espanholas viveram quase uma década de confronto larvar até que a gravidade da crise económica alterou a agenda de políticos e jornais.

Do mesmo modo, o facto do atentado ter antecedido em três dias as eleições gerais que acabariam por dar a vitória ao socialista José Luís Rodriguez Zapatero foi uma mera coincidência. Em 19 de Outubro de 2003, quando os membros do GICM receberam a luz verde para atentar a 11 de Março seguinte, ainda não estava marcada a ida às urnas que, em Espanha, é prerrogativa do Governo.

Uma década depois, caíram por terra, definitivamente, os argumentos que a esquerda e a direita espanhola esgrimiram: a relação da guerra do Iraque com os atentados; a oportunidade do atentado a 48 horas do dia de reflexão eleitoral que favoreceu a oposição do Partido Socialista Operário Espanhol.

A investigação aos acontecimentos evidenciou, do mesmo modo, as mais diversas debilidades. A maioria dos envolvidos, de origem marroquina, estavam referenciados pelos serviços de segurança do seu país de origem como elementos perigosos e era conhecido o seu paradeiro era no bairro de Lavapiés. No entanto, não houve comunicação entre os serviços de informação e estruturas de segurança. Apesar de, nos dois lados do Mediterrâneo, em Espanha e Marrocos, haver preocupação crescente após os atentados de Casablanca em Maio de 2003: um dos quais, contra a Casa de Espanha, provocou 23 mortos.

Então, a agenda dos serviços de segurança espanhóis – marcada pela ofensiva contra a ETA - superou as análises de âmbito mais vasto. A frente interna basca fez olvidar a ameaça externa. E, mais uma vez, por preconceito do executivo de Aznar: para evitar que o jiadismo fosse apresentado como resposta ao apoio incondicional à guerra do Iraque.

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