Khodorkovski foi a Kiev prestar homenagem a vítimas da Maidan

Libertado em Dezembro, antigo oligarca russo foi à Ucrânia para falar de liberdades e direitos humanos e dizer que a Rússia de Putin não é a única.

Foto
“Lutem e triunfarão", disse Khodorkovski aos manifestantes Yury Kirnichny/AFP

Libertado após dez anos na prisão, Mikhaïl Khodorkovski anunciou em Dezembro que não iria fazer política, antes defender os direitos dos prisioneiros. Mas a escolha para a sua primeira intervenção pública, no Instituto Politécnico de Kiev, numa conferência intitulada Liberdades e Direitos Humanos, grita política e é assim que será interpretada em Moscovo.

O antigo oligarca, ex-inimigo “número um” de Vladimir Putin, já está em Kiev desde sábado. Durante o fim-de-semana, confraternizou com os manifestantes que permanecem na Maidan, a praça central da capital ucraniana, epicentro da contestação que, em Fevereiro, se transformou numa batalha com dezenas de mortos.

Khodorkovski, acompanhado por Iuri Lutsenko, um dos líderes da contestação, passou parte da noite de domingo à conversa com manifestantes à volta das fogueiras acesas na praça. Falou com homens que combateram pela União Soviética no Afeganistão, deu-lhes autógrafos, comeu com os voluntários que ainda distribuem refeições, visitou feridos nos hospitais.

Domingo, milhares de ucranianos juntaram-se na Maidan para celebrar o 200.º aniversário do poeta nacional Taras Shevtchenko, símbolo da luta pela independência da Ucrânia face ao império russo. “Viva o povo de uma nova Ucrânia democrática”, gritou Khodorkovski à multidão.

À beira das lágrimas, Khodorkovski descreveu algumas das conversas que tivera na praça. “Contaram-me o que as autoridades fizeram aqui, o que fizeram com o acordo do poder russo. Mais de 100 pessoas foram mortas, 5000 feridas”, disse. “Vergonha! Vergonha!”, gritaram os manifestantes.

A Rússia do Presidente Putin não é a única Rússia, garantiu o antigo prisioneiro, libertado nas vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sotchi, num gesto apaziguador de Moscovo. “Aquele não é o meu poder. Há toda uma outra Rússia”, afirmou.

Na Rússia, garantiu Khodorkovski, há quem não apoie Putin e participe em protestos não autorizados contra o que se passa na Ucrânia, enfrentando o risco da prisão. “Para estas pessoas, a amizade entre os povos russo e ucraniano é mais importante do que a sua própria liberdade”, disse.

Depois, terminou com uma frase muito conhecida do poeta que se celebrava, uma frase que se tornou numa palavra de ordem das manifestações na Ucrânia e que Khodorkovski pronunciou em ucraniano: “Lutem e triunfarão. Deus vos ajude”.

O jornal Le Monde lembra as libertações de Khodorkovski, a 20 de Dezembro, e dos membros das Pussy Riot, calculadas para não perturbar os Jogos de Sotchi. E o “brilhante estratagema” posto em marcha depois da fuga do Presidente Viktor Ianukovich, com o envio para a Crimeia de soldados que dizem não ser soldados, o pedido de ajuda do governo regional a Moscovo, a carta de Ianukovich a pedir uma intervenção, um dia depois de recusar qualquer acção militar.

O que Putin não antecipou, nos seus cálculos, sustenta o diário francês, “foram as pessoas”, como Khodorkovski, que interrompeu o seu exílio entre a Alemanha e a Suíça, para uns dias da Ucrânia. “É o pior pesadelo de Putin: o apoio dos democratas russos aos revolucionários ucranianos”, escreve o Le Monde. Putin pode não ter percebido, mas são estes “grãos de areia que podem gripar a máquina”.
 

Correcção: Falou com homens que combateram pela União Soviética no Afeganistão, e não combateram a União Soviética no Afeganistão

Sugerir correcção
Comentar