“Até a emigração se tornou precária”

“Sentem-se ofendidos se os chamamos emigrantes. Vêem-se como expatriados, pessoas em trânsito, tudo menos emigrantes”, diz a antropóloga Marta Vilar Rosales.

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Um dos projectos acompanha portugueses que foram trabalhar para São Paulo (na foto) e Rio de Janeiro DR

Em termos de volume de emigração, é consensual a ideia de que se voltou a números de saídas semelhantes aos da década de 1960, mas agora “a emigração é diferente". "Nesse tempo, quando se saía era para a vida, hoje em dia as saídas não têm a mesma estabilidade. Quando saem, têm trabalhos precários, sazonais. Muitos dos que vão voltam”, afirma o coordenador do projecto de investigação Regresso ao Futuro: a Nova Emigração e a Relação com a Sociedade Portuguesa, João Peixoto.

O sociólogo do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa chama-lhes “movimentos itinerantes”, notando que “até a emigração se tornou precária”, querendo com esta expressão dizer que quem está num país muitas vezes já viveu noutro antes e, quando deixa de ter trabalho no sítio onde está, pode “reimigrar”. “Não há mais carreiras longas e trabalho para a vida toda”, a esse factor junta-se o facto de “muitas vezes os trabalhos mais precários serem para estrangeiros”.

Esse vai e vem nota-se. Entre 2001 e 2011, havia em Portugal 230 mil pessoas que tinham estado a viver fora mais de um ano, refere João Peixoto, que vai apresentar dados da investigação que é financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Neste universo, estão também os emigrantes tradicionais que vêm passar a sua reforma a Portugal. Mas estes são uma minoria, representam cerca de um terço; os restantes são pessoas mais jovens que regressaram a Portugal. “O grupo onde há mais gente a entrar em Portugal que tinha estado lá fora tem entre 30 e 34 anos. Isto é uma novidade.”

“O que falta saber é por que voltam – 'porque deixaram de ter trabalho? Porque deixaram cá família?' –, e se ficam em Portugal ou se voltam a sair.” João Peixoto diz que “a situação só não pode ser considerada mais dramática [em termos demográficos] porque as pessoas não vão para sempre. São razões para manter algum optimismo.”

Mas não foi apenas este aspecto que mudou. Quando o objecto de estudo são portugueses com habilitações mais altas que saíram do país, é delicado usar o termo “emigrante”, constata a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Marta Vilar Rosales. Na investigação de que é coordenadora, Travessias do Atlântico: Materialidade, Movimentos Contemporâneos e Políticas de Pertença, estão a acompanhar portugueses que foram viver para o Rio de Janeiro e São Paulo, assim como brasileiros que vieram para Portugal.

A investigação, que é financiada pela FCT, ainda está no início mas uma coisa é certa: “Sentem-se ofendidos se os chamamos emigrantes. Vêem-se como expatriados, pessoas em trânsito, tudo menos emigrantes”, diz a antropóloga.
“É rara a família portuguesa que não tem um tio, um tio-avô emigrante. Há o estigma de ser emigrante para sobreviver”, diz.

“O conceito de emigração introduz a questão do determinismo e não de escolha. É para aquela pessoa que, coitada, teve desair.” Quando se emigra, “cada pessoa constrói uma história para fazer sentido para si, essa história do trânsito é muito valorizada. Falar de emigração atrapalha o discurso da mobilidade transnacional, da globalização e do cosmopolitismo”, acrescenta.

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