“Só não subimos porque não queremos”

Não choveram pedras da calçada, nem arderam caixotes do lixo. Os manifestantes chegaram ao meio da escadaria, mas não houve carga policial. No final, os organizadores clamaram vitória pelos quase 20 mil polícias que protestaram em São Bento.

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Miguel Manso
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Assim que a massa de manifestantes cantava a última estrofe do Hino Nacional, arrancava mais uma tentativa de invasão. Foi assim em quase todas as vezes em que os elementos das forças de segurança, que nesta quinta-feira protestavam em frente ao Parlamento, tentaram subir a escadaria do Palácio de São Bento. As ameaças já vinham sendo feitas desde o arranque da marcha, a partir do Marquês de Pombal.

O início da manifestação ficava assinalado com petardos - que os manifestantes saudavam a cada rebentamento - e pelos gritos ruidosos dos polícias vociferando “invasão, invasão” ao longo da rua Braamcamp. Para trás ficavam as palavras de ordem que a organização tentara, em vão, ensaiar ainda no Parque Eduardo VII. Ao longo da marcha não se ouviu uma única vez dizer “Passos toma atenção, os polícias têm razão” ou “Governo escuta, os polícias estão em luta”.

As ruas de Lisboa percorridas pelo protesto foram inundadas, ao longo de uma hora, pela palavra “invasão” e pelo Hino Nacional. A palavra entoada centenas de vezes, o cântico patriótico seis vezes.

A chegada à rua de São Bento iniciou a escalada. Enquanto a cabeça da manifestação incitava à invasão, mais lá atrás corrompiam-se as palavras de ordem da organização. “Passos escuta, és um filho da puta”, gritaram mais de uma vez os polícias que protestavam. A chegada à praça onde desemboca a escadaria do Parlamento foi ordeira. Mas foi quando os representantes das associações seguiam para se encontrar com a Presidente da Assembleia da República que tudo começou.

Bastou o hino, desta vez apoiado pelas colunas do carro de som da organização. As barreiras metálicas foram primeiro derrubadas e depois afastadas do caminho da invasão para as laterais da escadaria e para a parte de trás da praça. A organização tentou acalmar os ânimos anunciado que uma delegação estava a ser recebida por Assunção Esteves. O que só instigou mais os manifestantes que estavam à frente daquela massa, depois de se ouvir uma monumental vaia à segunda figura do Estado.

“Nós estamos a perder a razão”, gritava alguém através do microfone da organização. “Apelo ao vosso bom senso!”, insistia. A massa de manifestantes ignorou e carregou sobre os degraus, como que reagindo ao cada vez maior número de polícias de armadura que se via nas escadarias. Em poucos minutos chegaram ao meio das escadarias. Rui Costa, porta-voz do Comando Metropolitano de Lisboa, diria mais tarde, quando a manifestação já desmobilizava, que tal fora opção do próprio comando. “Flexibilidade necessária para evitar o recurso à força [carga policial]”, explicara.

Uma explicação que revelava apenas uma parte do que se estava a passar. A realidade é que quem tentava escalar os degraus era uma porção reduzida dos que se manifestavam. O grosso dos manifestantes assistia, torcia até pelo assalto a São Bento, mas não tomava parte.

Ao longo da noite foram inúmeras as vezes que um ou outro manifestante subia ao pedestal que suportava um dos leões de São Bento para chamar o grosso dos manifestantes ao jogo do empurra com os polícias de serviço. Sem sucesso. “Aos colegas que estão aqui à frente, lembrem-se que do outro lado também estão nossos colegas”, lançava a organização pelos altifalantes. A maioria dos manifestantes aplaudia de cada vez que a Comissão Coordenadora de Permanente (CCP) pedia uma salva “aos polícias de serviço”.

Avisos da PSP
Por vezes, alguns manifestantes saíam do grupo que tentava, em vão, forçar a passagem para a escadaria. Vinham com os cabelos molhados de suor, ofegantes. “Não adianta”, disse um deles ao PÚBLICO. “São muitos efectivos. Devíamos ter dado a volta e entrado pelo lado”.

A PSP ainda ameaçou a carga policial. Vinte minutos depois da primeira tentativa de invasão, surgiam os primeiros cães-polícia ao cimo da rampa da fachada. Os escudos da GNR apareceram por baixo das arcadas que suportavam a fachada. Dez minutos depois, Rui Costa, porta-voz do Comando Metropolitano, admitia que já tinham sido feitas “várias advertências à linha da frente dos manifestantes” para que abrandassem.

Mas uma carga policial seria muito difícil de justificar, já que os manifestantes nada mais faziam do que tentar empurrar a massa de armaduras para cima. Durante toda a noite, apenas uma garrafa de água foi lançada contra os polícias fardados. Não voou uma pedra da calçada. Não se incendiaram caixotes do lixo.

Ainda assim houve duas pessoas identificadas “por desacato”, admitiu o porta-voz da PSP. E por aí se ficou quando questionado sobre se essas pessoas que ficaram retidas a maior parte da manifestação eram infiltrados suspeitos de incitar à violência.

A impressão que ficava, no meio da confusão, era a mesma que César Nogueira, da Associação de Profissionais da Guarda, haveria de verbalizar já no balanço final da organização. “Bastava os polícias quererem que a invasão acontecia”, garantiu ao PÚBLICO. A organização, a dada altura, começou a cantar “Só não subimos porque não queremos”. Dessa vez, a massa de manifestantes apoiou a palavra de ordem. Mas não quiseram, ou pelo menos, foram poucos os que quiseram.

“Vontade tenho, mas tenho de cumprir a lei”, disse uma militar da GNR de Lisboa, que não quis ser identificada. “Se estivesse do outro lado, tinha de fazer o meu trabalho”, acrescentou.

Cerca de duas horas depois de ter começado, o assalto a São Bento terminava. Não quando a organização pretendia. Quando nos microfones se ouviu que “Esta organização dá por terminada esta manifestação”, o que se seguiu foi uma monumental vaia. Nessa altura, pequenos grupos tentavam então trepar pelos relvados laterais à escadaria, forçando o dispositivo policial a reforçar o número de efectivos aí, pisando arbustos e flores.

Só cerca de meia-hora depois do anúncio da CCP é que São Bento esvaziou. O balanço, do lado do Comando Metropolitano, transpirava alívio. “Dez pessoas assistidas pelo INEM, seis polícias e quatro manifestantes”, resumia Rui Costa. Duas das pessoas assistidas no local acabariam por ser transportadas para o hospital, mas sem problemas de maior.

César Nogueira, da Associação Profissional dos Guardas, considerou “muito positiva” a “adesão”. “Já contávamos com mais gente, mas desta vez tivemos aqui quase o dobro”. Admitia “perto de 20 mil manifestantes”. Paulo Rodrigues, da ASPP e secretário nacional da CCP, ficava-se nos 17 mil. Classificou a manifestação como um sucesso, nem sequer toldado pelas tentativas de invasão. “Não chegou a ser uma situação de desordem. Nestes momentos há sempre alguma tensão, mas o dispositivo fez todos os possíveis para evitar problemas de maior.”

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