O sono da razão liberta demónios

As “massas” são movidas apenas por um ressentimento “anti-sistema”.

A Europa, paraíso relativo, de estabilidade, liberdade, democracia, abundância e tolerância, construída no pós-guerra em nome da Razão e Humanismo encontra-se em profunda crise.

Depois dos filósofos pós-modernistas-pós existencialistas terem dedicado carreiras inteiras à relativização dos fundamentos/alicerces que sustentavam os valores humanistas/iluministas nos labirintos contorcidos do estruturalismo e pós-estruturalismo, as suas elites terem abdicado da responsabilidade de Ser, e termos sucumbido ao materialismo e ao consumo de massas, não podemos ficar surpreendidos que essas mesmas “massas” tenham “cheirado” a oportunidade e o espaço disponível para ressuscitar o irracional, e libertar os seus demónios.

O eclipse das elites responsáveis, permitiu o festim orgiástico dum capitalismo amoral e movido apenas pela ganância, que está a minar os fundamentos dos ideais Europeus, que constituíram sistemas político-sociais equilibrados e notáveis em várias social-democracias europeias, num progresso civilizacional único.

As “massas” sentindo-se manipuladas, são movidas apenas por um ressentimento “anti-sistema” confundindo-o, irracionalmente, com inconformismo radical.

Em França, este ressentimento une aliados anteriormente inimagináveis: minorias étnicas transformadas em racistas, confundindo anti sionismo com anti-semitismo, ao lado da Direita Radical, Conservadores Estáticos e Intelectuais de Esquerda, todos unidos no antigo tema, sempre disponível a ser ressuscitado e reutilizado. O Semitismo confundido com o Sionismo e um “certo” tipo de Capitalismo Internacional, irresponsável e manipulador.

Bode expiatório sempre disponível, e elemento aglutinador para todos os ódios e frustrações.

Tempos confusos e assustadores. Os “demónios” não necessitam de programa, pois a sua dinâmica é sustentada pela surpresa paralisante do horror e do instinto cego e primário.

Num artigo recentemente publicado no jornal de referência holandês Volkskrant, uma conhecida política e parlamentar, ao meditar sobre a profunda e preocupante crise Europeia, no que respeita a representatividade da classe política e credibilidade das Instituições Europeias, usava duas metáforas para ilustrar qual tem sido, até agora, a atitude. A primeira é a que a forçada dinâmica Europeia, pode ser comparada a uma bicicleta. É imperativo continuar a pedalar. Se se interromper o processo, cai-se. A segunda é que, para ser aceite como pró-Europeu, não se pode exprimir dúvida ou crítica.

Perante as ameaças que pairam no horizonte, e os demónios que têm sido libertados na perspectiva das próximas eleições europeias, estas atitudes tornaram-se insustentáveis.

A Europa sofre de um problema de imagem e comunicação. Com o desenvolvimento (exclusivamente desconstrutivo e utilitarista) de reformas necessárias, tem-se dado atenção exclusiva às questões financeiras, confirmando a imagem da “Europa da Banca”. Isto associado à imagem da Europa como instituição cara, hermética, politicamente clientelista, hiperburocrática e não dirigida “às pessoas” (défice democrático) tem confirmado a ideia, errada, de que um verdadeiro pró-europeu não exprime críticas ou apresenta dúvidas.

Esquecemo-nos de que a grande maioria dos Europeus está preocupada (ou mesmo assustada com estes “sinais dos tempos”) e deseja a sobrevivência da União Europeia, através de o ressurgimento de uma verdadeira elite de dirigentes capazes de liderar em nome dos Valores e da primazia do Ser, reequilibrando o processo.

Muitos políticos pensarão que o “sistema” vai acordar e reagir com os resultados das eleições Europeias. Mas o “sistema” está dependente da fibra, qualidade, carisma e determinação da Política e dos seus representantes. É deles que depende a defesa dos ideais e valores que garantem o “Acordar da Razão”, deste obscuro período de letargia que na sua inércia tem permitido o espaço e criado o vazio, disponíveis para o ressurgimento de tão assustadores demónios.

Historiador de Arquitectura

 

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