Sesimbra celebra 25 anos do naufrágio do River Gurara e prepara museu subaquático

Câmara e centros de mergulho promovem iniciativa para recordar o navio nigeriano que jaz no fundo do mar. No Verão de 2015, haverá novos pontos de interesse para conhecer junto à costa

Fotogaleria
Restos do navio tornaram-se um recife artificial que alberga fauna e flora diversa Henrique Nascimento
Fotogaleria
Navio nigeriano tinha 175 metros de comprimento e transportava madeira, cacau, borracha e algodão DR

Aquele domingo amanheceu trágico. Durante toda a noite, o River Gurara debateu-se com o mar em fúria mas acabou vencido: às 11h de 26 de Fevereiro de 1989, o cargueiro nigeriano naufragou a poucas centenas de metros do cabo Espichel, sob o olhar da população e das autoridades, que não conseguiram evitar a morte de quase metade da tripulação. A imprensa noticiou o acidente como “o maior ocorrido em águas portuguesas nos últimos anos”. Hoje, o naufrágio é um dos mais importantes na rota do mergulho recreativo em Portugal.

A difícil e longa operação de resgate – o navio esteve à deriva durante quase 12 horas – suscitou polémica. O mar revolto, com ondas de seis metros, e o vento forte não deram tréguas às equipas de salvamento. Dos 48 tripulantes, quase todos nigerianos, a fragata Hermenegildo Capelo – entretanto afundada no parque Ocean Revival em Portimão – conseguiu salvar 27. Treze pessoas morreram, incluindo o comandante, e oito nunca foram encontradas. À tona de água, uma enorme mancha de óleo.

Antes de afundar, o cargueiro, que transportava madeira, cacau, borracha e algodão desde a Costa do Marfim até à Grã-Bretanha, partiu-se em dois: a parte da frente ficou a 200 metros da costa e a 30 metros de profundidade, enquanto a popa caiu a 100 metros da costa, a 20 metros de profundidade. Mais afastados estão o ferro de fundear e a corrente.

O que resta deste navio de 175 metros de comprimento transformou-se num recife artificial situado dentro do Parque Marinho Luiz Saldanha, recheado de flora e fauna marinha diversificada, atraindo anualmente milhares de mergulhadores. No próximo sábado, vários deverão deslocar-se a Sesimbra para comemorar os 25 anos do naufrágio, numa iniciativa promovida pela câmara e por seis centros de mergulho. Será um dive-paper destinado a mergulhadores mas não só. Estão previstas visitas ao navio, e passeios de barco para quem não mergulha. No final todos terão de responder a perguntas sobre o naufrágio. As inscrições devem ser feitas até terça-feira nos centros ou no posto de turismo da vila.

Museu em 2015
Mas o “túmulo” do River Gurara é apenas um dos cerca de 20 pontos de mergulho assinalados na costa desta vila da península de Setúbal, considerada por muitos a “Meca” da actividade em Portugal continental. “Por ter uma costa virada a Sul, mais protegida, em Sesimbra é possível mergulhar durante quase todo o ano”, explica o presidente da câmara, Augusto Pólvora.

Há vários anos que o autarca comunista defende a criação de um parque subaquático na zona (à semelhança do Ocean Revival), com o afundamento de mais “um ou dois” navios dentro dos limites do parque marinho. Para o presidente da câmara, os navios teriam de ficar na área de pesca proibida, para evitar conflitos entre esta actividade e o mergulho. A ideia esbarra, porém, nos regulamentos da área protegida. “Vamos continuar a bater-nos por isso porque achamos que devia haver uma excepção para estas situações”, defende Augusto Pólvora, apontando os benefícios económicos que o projecto representaria para a região. Ressalva, no entanto, que a câmara não teria neste momento verbas para o concretizar.

Enquanto o parque não avança, a autarquia trabalha para criar um museu subaquático, cuja inauguração já esteve prometida para 2010. “Espero que esteja pronto no Verão de 2015”, afirma o presidente da câmara. O projecto, que representa um investimento de dez mil euros já disponibilizados pelo Turismo de Lisboa, prevê a colocação no fundo do mar de artefactos como âncoras e canhões, ligados a naufrágios de navios ao longo da costa de Sesimbra e disponibilizados pela Direcção Geral do Património Cultural.

A par destes, serão afundadas peças em pedra, relacionadas com o mar, feitas por escultores da região. “Já temos um nautilus [um cefalópode marinho, em forma de uma concha em espiral] em pedra feito há mais de um ano, estão a ser produzidas mais peças”, diz o autarca. O museu subaquático ficará situado entre o porto de abrigo e o Forte do Cavalo, a cerca de 12 metros de profundidade. Segundo o presidente da câmara, as peças serão depois monitorizadas pelos técnicos da DGPC para garantir que não ficam assoreadas.

Memórias e latas de atum
José Tourais foi o primeiro mergulhador a explorar o River Gurara, dez dias depois do naufrágio. Tinha-o visto afundar do topo das escarpas do cabo Espichel mas quando mergulhou só encontrou destroços. “E muito óleo na água." Por se encontrar numa zona muito exposta às correntes, o navio deslocou-se algumas dezenas de metros.

Quando encontrou a popa, no segundo mergulho, Tourais ficou “impressionado”. O casario, onde ficam a sala de controlo e os quartos, desaparecera. “Restavam uns ferros enormes”, conta o fundador da Nautilus-Sub, a primeira escola de mergulho em Portugal. Além das memórias, Tourais guarda objectos que encontrou no fundo do mar: um botão de casaco, um comando de televisão, um termómetro, uma faca do pão. Até latas de atum e garrafas de cerveja.

“Só encontrei a proa cinco ou seis anos depois”, diz o mergulhador, sublinhando que o navio “ficou muito maltratado, partido e virado ao contrário”. Hoje a parte mais visitada é a popa, onde se vê a casa das máquinas, a hélice e o leme. “Mas é perigoso lá entrar”, reconhece José Tourais, lembrando que a visibilidade nem sempre é boa. Alguns anos após o naufrágio, o navio tornou-se porto de abrigo para diversas espécies marinhas. Hoje, cardumes de judias, garoupas, abróteas, sargos, safios e fanecas rodeiam o casco.

Com mais de 30 anos de experiência no mergulho recreativo, José Tourais sublinha as vantagens que teria a criação de um parque subaquático em Sesimbra, com mais recifes artificiais - desta vez, devidamente limpos. "É preciso encontrar um equilíbrio entre o ambiente e o turismo", afirma, lamentando a falta de informação que ainda existe sobre o tema.

 

Sugerir correcção
Comentar