A revolução movida a petróleo tarda em chegar

Em 2007 a descoberta de reservas de petróleo no mar profundo do Brasil alimentou a ideia de que a batalha do futuro estava ganha. Sete anos depois, o país continua a importar combustíveis e derivados. O controlo do Estado no negócio do crude atrasa investimentos para a exploração e reduz o raio de acção do gigante Petrobras. Hoje como há 60 anos, o petróleo nacionalizado é uma paixão brasileira

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Plataforma da Petrobras em Angra dos Reis Bruno Domingos/Reuters

No dia 8 de Novembro de 2007, a Petrobras, empresa pública brasileira do petróleo, revelou ao mundo uma notícia que prometia revolucionar a equação energética do mundo e resolver os problemas do Brasil. Um grupo de engenheiros, biólogos, oceanógrafos, sismógrafos e geólogos conseguira descobrir reservas de petróleo ao largo do Rio de Janeiro, a sete mil metros de profundidade. Eufórico, o presidente Lula da Silva proclamou que o Brasil tinha ganho “o bilhete com prémio” da lotaria, “um passaporte para o futuro”. Logo depois acrescentaria que “Deus havia dado ao Brasil recompensas que haveriam de impulsionar a modernização do país”. E quando o primeiro crude da exploração comercial chegou à superfície, o presidente anunciou a “segunda independência” do país.

Passaram-se sete anos e a enorme expectativa do pré-sal continua por cumprir. O Brasil não só não é capaz de exportar petróleo como no ano passado teve importar 14.500 milhões de euros de combustíveis e derivados capazes de alimentar uma frota automóvel que cresce ao ritmo de mais de três milhões de unidades por ano. Entre a euforia da descoberta das jazidas do campo de Tupi, que entretanto se passaria a chamar Lula, e a actualidade muitas coisas aconteceram. O Governo criou uma regulamentação que reserva para a companhia nacional 30% de todos os recursos em exploração, o que afastou os maiores gigantes do sector do negócio; novas reservas foram descobertas em África ou na Ásia; nos Estados Unidos a exploração de gás e petróleo de xisto através do sistema fracking criou novas fontes de abastecimento e aumentou a pressão para uma queda dos preços; e a segunda maior empresa petrolífera do Brasil, a OGX, liderada por Eike Batista que a presidente Dilma elegeu como “padrão” do empresário privado, colapsou numa das maiores falências da história do capitalismo.

Ninguém põe em causa o potencial das jazidas do pré-sal, mas hoje em dia poucos ousam prever, como há alguns anos, que as reservas atinjam valores próximos dos campeões do petróleo, como a Venezuela ou a Arábia Saudita. Nas profundezas do mar, existem comprovadamente 15 mil milhões de barris equivalentes de petróleo, o dobro das reservas da Noruega mas uma pequena fatia das existências provadas na Venezuela (297.600 milhões de barris). As previsões oficiais indicam, no entanto, que debaixo da camada do sal que se situa a cinco quilómetros abaixo do nível do mar poderão existir reservas de 90 mil milhões de barris.

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Em Janeiro deste ano, a Petrobras conseguiu extrair dos poços em exploração no pré-sal (Lula, onde a Petrogal tem uma quota de 10% em Sapinhoá, Baleia Azul, Franco e Jubarte) 390 barris de petróleo por dia. Ou seja, cerca de 20% da produção total do país, que ronda os dois milhões de barris diários. O plano de negócios da empresa prevê que nos próximos anos o ritmo de extracção acelere até chegar aos quatro milhões de barris diários lá para 2020. Uma previsão que especialistas do mercado não contestam. O relatório anual da Agência Internacional de Energia (AIE) de 2013 (World Energy Outlook) admite que o Brasil possa produzir diariamente seis milhões de barris de petróleo dentro de 20 anos. E a maior parte dessa produção há-de vir do mar profundo das bacias de Santos e Campos.

Um contributo fundamental para esse crescimento virá da exploração do campo de Libra, na bacia de Santos, com reservas que podem oscilar entre 8,3 e 12 mil milhões de barris (o maior campo do pré-sal em exploração, Lula, dispõe de reservas de oito mil milhões de barris). Depois da mudança das regras do Governo sobre a exploração dos recursos do pré-sal, Libra tornou-se um balão de ensaio sobre o futuro da indústria petrolífera no Brasil. Em 2010, o Governo determinou que a Petrobras teria de ficar com um mínimo de 30% do capital das novas explorações e impôs um caderno de encargos em que, entre outras exigências, os representantes do Estado teriam direito a 65% dos votos num comité operacional que gerirá a produção. A grande questão que se abria em vésperas do leilão de Libra, em Outubro do ano passado, era a de saber se as grandes multinacionais do petróleo estariam dispostas a entrar numa operação na qual o Estado teria um poder determinante.

O resultado do leilão acabou numa pequena vitória para o Governo de Dilma Rousseff. Em vez dos 40 potenciais interessados no leilão que o Governo esperava, apareceram nove. E desses só cinco entraram em jogo. Acabaram por se reunir num consórcio no qual a Shell do Brasil e a Total ficaram com blocos de 20% do capital cada, cabendo às chinesas CNPC e CNOOC 10% cada. A Petrobras entrou na licitação e conquistou mais 10% de capital na concessão, o que eleva a sua participação para 40%.

Com este movimento, o Governo encaixou 15 mil milhões de reais (4600 milhões de euros) de prémio de concessão e ganhou tempo até ao próximo leilão, que deverá acontecer algures no próximo ano. Gigantes como a Exxon ou a BP estiveram ausentes, mas o principal receio foi vencido – houve interesse de, pelo menos, quatro multinacionais. O pior, porém, está para vir. Para poder explorar o campo de Libra serão necessárias entre 12 e 18 plataformas capazes de extrair, em plena produção, 1,4 milhões de barris diários em 2028, na expectativa da Agência Nacional do Petróleo do Brasil. E para se lá chegar, o investimento exigido ficará entre os 36,5 e os 110 mil milhões de euros.

É muito dinheiro para qualquer consórcio e ainda mais para a Petrobras, que terá de arcar com 40% de todo o capital exigido. Para agravar o desafio, a companhia não terá apenas de investir na extracção de Libra. Há investimentos a fazer em Lula (65% da concessão), Baleia Azul, Franca e Jubarte, onde a petrolífera brasileira não tem parceiros. O plano de negócios de cinco anos apresentado pela empresa indica que serão investidos 172 mil milhões de euros, metade dos quais no pré-sal. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a exploração destes recursos vai exigir investimentos na ordem dos 65 mil milhões de euros por ano. Uma verba equivalente a cerca de 35% do PIB português. Um montante que a cada vez mais endividada Petrobras vai ter dificuldade em obter.  

E são essas dificuldades que põem em questão o papel atribuído à Petrobras. Ao contrário do que acontece com muitos dos campos petrolíferos descobertos pelo mundo fora, o Governo do Brasil decidiu não licitar as concessões em mercado aberto. Por razões ideológicas, mas principalmente porque, para os brasileiros, o petróleo é um elemento associado à soberania e a Petrobras o braço armado do país na luta contra a exploração estrangeira. Fundada em 1953, durante um governo de Getúlio Vargas na sequência de uma intensa campanha na opinião pública que reclamava “O Petróleo é Nosso”, a companhia teve o monopólio da exploração petrolífera no Brasil até 1997.

Os desafios do pré-sal, testados nos primeiros anos da exploração do campo de Lula, obrigaram o Governo a dar músculo financeiro à empresa. Em primeiro lugar, a Petrobras foi “engordada” com “cessões onerosas” de campos petrolíferos, ou seja, o Estado federal cedeu blocos para exploração por troca com acções da companhia. Depois, em Setembro de 2010, foi lançada uma operação pública de venda de acções da companhia que resultaria no maior encaixe financeiro da história: 70 mil milhões de dólares. Num só movimento, a Petrobras consegue capital para investir sem que o Estado perca a sua posição de controlo. O Governo e bancos públicos controlam 60% das acções com direito a voto e uma galáxia de 573 mil accionistas ficou com 66 por cento dos títulos com direito a mais dividendos mas sem poder de decisão.

A estratégia, porém, esteve longe de produzir os resultados desejados. Até porque o Governo não abdicou de usar a Petrobras como um instrumento político para combater a inflação. Nos últimos anos, foi-lhe imposta a venda de combustíveis a um preço cerca de 30% abaixo dos custos de importação e de produção, o que acabou por corroer as finanças da empresa. No ano passado, calcula-se que esta imposição tenha custado 215 milhões de de euros por mês aos accionistas, de acordo com uma análise apresentada em meados do ano passado pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). E retirado à empresa recursos indispensáveis para manter a aposta na exploração do pré-sal.

Com todos estes constrangimentos, a Petrobras perdeu nos dois últimos anos 40% do seu valor de mercado. Ao mesmo tempo, a sua dívida cresceu cerca de um terço desde o final do ano passado. Num relatório do Outono de 2013, o Bank of America considerava a petrolífera brasileira como a empresa mais endividada do mundo. Mas apesar dos avisos da Procuradoria da República lançados no ano passado contra a “dívida estratosférica” e de a agência Moody’s ter baixado o seu rating, a Petrobras não tem tido dificuldades de financiamento – apesar de pagar mais juros do que os seus concorrentes e apesar de uma falência como a de Eike Batista ter deixado no ar dúvidas sobre a riqueza do pré-sal. Já este ano, a empresa conseguiu captar 12 mil milhões de reais numa emissão de títulos no mercado internacional.

O passado e o futuro
Quando se abriram as propostas de concessão do campo de Libra os trabalhadores da Petrobras, cidadãos e militantes de partidos de esquerda manifestaram-se publicamente contra a “privatização” do petróleo brasileiro em favor de estrangeiros. O Governo tratou de explicar que uma concessão não é uma privatização, que a Petrobras mantinha uma posição de controlo das operações, que o Estado receberia a fatia de leão dos lucros da exploração, que essas verbas seriam utilizadas em programas sociais, com destaque para a Educação. Mas, apesar da situação menos favorável da companhia, nenhum candidato às eleições presidenciais de Outubro prevê mudanças no controlo público da Petrobras – Aécio Neves, candidato do PSDB que, em tese, propõe um governo mais liberal para o Brasil, defende até a “renacionalização” da empresa mais valiosa do Brasil para a expurgar do controlo do PT.

Mas entre os economistas e especialistas em assuntos do petróleo, há cada vez mais vozes a reclamar a privatização. Sílvia Matos, por exemplo. Esta investigadora na área da economia, da Fundação Getúlio Vargas, defende que, “no petróleo, devia-se incentivar mais o sector privado”. Na sua opinião, “o petróleo é o grande problema na economia brasileira. Estamos há anos com um problema de produção. Poderíamos já estar a exportar, mas importamos petróleo”, diz. Dizendo-se a favor “da liberalização da exploração do petróleo”, Sílvia Matos justifica o nacionalismo económico que determina a natureza pública da Petrobras com “uma atitude que vem do tempo em que se julgava que o capital estrangeiro era explorador. Há uma visão brasileira de que “tudo deve ser nacional”, acrescenta. “Isso afecta o crescimento. É uma visão fora de moda”.

Mesmo nas altas esferas do poder político há quem duvide se o Brasil faz bom negócio em depender tanto de uma empresa que terá dificuldades em aproveitar no curto prazo as imensas riquezas do mar profundo ao largo dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Júlio Bueno, um engenheiro metalúrgico que ocupou altos cargos na Petrobras e é hoje secretário do Desenvolvimento Económico do governo do Estado do Rio de Janeiro está entre os que duvidam do actual modelo de política energética. “Acreditamos que essa obrigatoriedade de a Petrobras manter 30% sobre o campo do pré-sal a ser leiloado – apenas Libra está nessa situação por enquanto – faz com que a Petrobras assuma riscos elevados. Outros investidores poderiam substituir a Petrobras nesse peso, permitindo que a empresa também pudesse investir em outras frentes”, justifica.

Nesta discussão, porém, há o factor pressa. O Brasil precisa de estímulos para poder superar a sua actual fase de baixo crescimento. O Estado precisa de mais recursos para manter as suas políticas sociais e alavancar investimentos em vias de comunicação, na Educação e na Saúde. Saber se seria melhor privatizar a Petrobras e abrir mais o regime das concessões para obter resultados mais rapidamente ou aguentar uns anos mais conservado o gigante nas mãos do Estado é um dos maiores dilemas com que o Brasil se confronta. A paixão dos brasileiros pelo seu petróleo e pela sua petrolífera deverá fazer a segunda opção.

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