Presidente da Venezuela marca conferência de paz, mas pode ser tarde de mais

O Governo tenta recuar na dureza da resposta à contestação. Mas a oposição, que vê o descontentamento crescer e sinais de fim de regime, diz que não há diálogo possível.

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Manifestantes anti-governo em confrontos com a polícia de Caracas Carlos Garcia Rawllins/REUTERS

Nicolás Maduro quer conversar sobre a paz e estendeu a mão à oposição. Mas não houve quem lha agarrasse, ficando comprometida a conferência nacional de paz que o Presidente marcou para quarta-feira, no Palácio de Miraflores de Caracas, a sede do Governo.

Um dos mais fortes líderes da oposição, Leonardo López, que está preso, mandou dizer pela mulher que não acredita na iniciativa presidencial. “A Venezuela não vai parar, o descontentamento é nacional”, disse à Associated Press Lilian Tintori, em nome do marido.

O outro grande líder da oposição, Henrique Capriles, ainda não disse claramente que não participará. Mas poucos acreditam que apareça. Na segunda-feira — e depois de ter confirmado presença — não foi ao Conselho Federal do Governo, a reunião habitual dos governadores com o Presidente (é governador de Miranda, o estado a que pertence Caracas, a capital). Outros governadores da oposição também não compareceram. 

“Na situação em que estamos, de violação dos direitos humanos e de repressão, não podemos ir a Miraflores. O palácio não é um lugar para se falar de paz, é ali que, todos os dias, se ordena a repressão”, disse Capriles na segunda-feira. 

Maduro convidou outros intervenientes — os sindicatos do partido socialista bolivariano, no poder, alguns empresários (sobretudo ligados ao petróleo), líderes da Igreja e os governadores “oficialistas”. Pode ficar a falar sozinho, devido à ausência da outra parte do conflito na Venezuela, um país onde se multiplicam os protestos contra o Governo e as denúncias de repressão por parte as forças policiais, paramilitares e milícias populares de apoio ao regime.

Queixas nos bairros mais pobres

Nos protestos, que começaram em Janeiro, é a classe média que está mais representada. A revolta foi iniciada pelos estudantes do ensino superior, que exigiam maior segurança nas ruas. Juntaram-se outros grupos sociais (comerciantes, pequenos lojistas, distribuidores, muito afectados pela crise económcia e pelas restrições à circulação de produtos)  e a oposição, e as manifestações tornaram-se políticas. Há protestos contínuos em Caracas, Maracay, Maracaíbo, Valera, Valência, Barinas e San Cristóbal, entre outras cidades.  

Mas as críticas – e as queixas sobre a decadência do nível de vida – já surgem nos bairros mais pobres, que têm sido a grande base de apoio do chavismo, o nome que se dá ao regime venezuelano, fundado há 15 anos por Hugo Chávez  depois de vencer as eleições presidenciais.

“Se olharmos para os problemas de distribuição de alimentos das últimas semanas, deve ser uma questão de muito pouco tempo até termos os sectores populares nos protestos”, escreveu o economista venezuelano Angel García Banchs nas páginas de opinião do El Universal.

“Quando se tenta desumanizar o ser humano, sobretudo quando a escassez aumenta, os colectivos [revolucionários] não são suficientemente fortes para conter os oprimidos, que terão que sair em defesa da sua liberdade, devido à sua necessidade de sobreviver”, considera Banchs. O economista concluiu que “a fome” poderá fazer avançar a segunda linha de descontentes para as ruas. 

Outro analista — Michael Rowan, que trabalhou como consultor na Venezuela — explicava no mesmo jornal que o Governo do país está “encurralado” e não tem meios para dar a volta à decadência económica, financeira e social que, em primeiro lugar, motivou esta crise nas ruas. “A produção petrolífera desce a pique. Só os Estados Unidos pagam [o petróleo] na totalidade. A dívida subiu 48 mil milhões de dólares desde 2008. O crédito é proibitivo e a Venezuela paga juros de 20%, tanto quanto cobra um usurário numa casa de penhores. A Venezuela compete com a Síria pelo lugar de país com maior hiperinflacção do mundo. A taxa de homicídios é pior do que em Bagdad”.

Rowan, que foi um consultor ligado à oposição, diz que o clima que se vive na Venezuela lembra o de "os últimos dias" de um regime.

É nesta ideia que se apoia a oposição e que a leva a recusar dialogar com Maduro – as eleições presidenciais estão marcadas para 2018, López e Capriles (que pertencem a partidos diferentes) não querem esperar tanto tempo. E tentam que os muitos descontentamentos dos muitos grupos de cidadãos os conduzam ao seu objectivo – uma mudança ideológica no país.

EUA expulsa diplomatas venezuelanos

Dentro do Governo, faz-se uma tentativa de apaziguamento em várias frentes, depois de se ter, numa primeira fase, negado a contestação.  Maduro chamou-lhe "golpe de Estado em curso"; alguns membros do Governo já falam, agora, em "protestos".

Na segunda-feira à tarde – já noite em Portugal –, a procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz, anunciou que o Governo vai apurar quem, entre as forças da ordem (polícia e Guarda Nacional) cometeu “excessos” contra os manifestantes. Desde 12 de Fevereiro morreram 14 pessoas e 140 ficaram feridas. Dezenas de pessoas, diz a oposição, foram presas. “Vamos perseguir os que incorreram em excessos durante os protestos. Não vamos tolerar violações dos Direitos Humanos”, disse Luisa Díaz.

Na semana passada, Nicolás Maduro apelou aos Estados Unidos – que acusa de alimentar a oposição e a revolta contra o chavismo – para aceitar dialogar sobre a Venezuela (num gesto de boa vontade, anulou a ordem de expulsão aos jornalistas da CNN na Venezuela). Mas o Governo de Washington respondeu-lhe para dialogar com os venezuelanos.  Esta terça-ferira, Washington deu 24 horas a três diplomatas venezuelanos para abandonarem o país, uma represália pela expulsão de três diplomatas americanos acusados de conspirarem contra o Governo de Caracas.  

Maduro marcou a conferência de paz. Leopoldo López mandou dizer, pela mulher, que "é tarde de mais".

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