Carta aberta na íntegra

Sua Excelência,

Pedro Passos Coelho

Primeiro-Ministro e Chefe do Governo de Portugal,

Excelência,

Segundo informações de fontes concordantes, o meu país, a Guiné Equatorial, foi admitido na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com o aval do Governo de V. Ex.ª. Nós, guinéu-equatorianos, recebemos esta notícia com indignação, repulsa e consternação, ao constatar que o Governo que V. Ex.ª preside cedeu aos interesses económicos que, sem dúvida, jogaram o papel decisivo para que o nosso país seja aceite como membro de pleno direito nessa organização.  

Ainda que já não nos surpreenda a hipocrisia dos Estados que se dizem democráticos, como é o caso de Portugal, a aceitação da ditadura de Teodoro Obiang Nguema pela comunidade de países lusófonos não faz mais do que confirmar a dupla moral destes Estados. Quando quase meio mundo condena a sistemática e flagrante violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial, surpreende que Portugal, que já sofreu na própria carne os impactos de uma ditadura e que recebeu o apoio e solidariedade de outros Estados, seja hoje o defensor de uma cruel ditadura que sequestra, assassina, prende, tortura e não atende aos chamamentos da comunidade internacional para pôr fim às hostilidades contra o seu próprio povo.

Excelência,

O nosso povo já se acostumou a que Obiang, pelo poder do dinheiro, compre vontades. A sua aceitação na CPLP não foi uma excepção. O que temos de recordar é que estes dinheiros que vos fazem bajular o déspota são roubados ao povo da Guiné Equatorial. V. Ex.ª saberá certamente que este povo continua a definhar na miséria e na pobreza mais absolutas, apesar do petróleo, do gás e da madeira. É esta a crua realidade da Guiné Equatorial no momento em que o Governo de V. Ex.ª lhe abre as portas para ser membro de pleno direito da vossa comunidade.

Excelência,

Ao nosso sofrido povo, que durante quase 45 anos apenas conheceu regimes ditatoriais, resta-lhe tomar nota deste tipo de decisões. Como um império nunca dura 100 anos, algum dira recordaremos porque é que agora o que interessa aos “democratas” ocidentais são as nossas riquezas, as riquezas que os déspotas que arruínam os nossos países lhes oferecem em bandeja, virando as costas aos sofrimentos de um povo que exige a liberdade de opinião, de manifestação, de expressão, de movimento, de eleições livres e transparentes. Em suma, um Estado baseado no respeito pelos direitos humanos e pela justiça social.

No momento em que escrevo esta carta, a pena de morte continua em vigor na República da Guiné Equatorial. E um ou outro assassinato acaba de cometer-se na sinistra prisão de Malabo.

Com alta consideração e estima pessoal,

Dr. Samuel Mba Mombe

Médico no activo e activista político

 

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