A Arco do futuro é também uma feira do passado

Na secção da feira de arte contemporânea de Madrid dedicada a jovens galerias o passado levanta-se e volta a viver.

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O artista britânico Julian Opie GERARD JULIEN
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Um dos trabalhos de João Ferro Martins, um dos finalistas da mais recente edição do Prémio Novos Artistas EDP DR

Nas feiras de arte, há quem visite as galerias mais jovens para saber o que se está a fazer hoje, agora – para conhecer novas tendências. O passo seguinte é, a partir desse presente, tentar intuir um futuro próximo. Este ano, na Arco, o futuro próximo vem com uma assombração dentro – o regresso de um passado que se levanta e volta a viver.

É a antítese da utopia futurista que encontrava quem, em meados dos anos 1990, passasse pelos corredores Cutting Edge da feira de arte de Madrid – e era impossível não dar por eles…

Então, as luzes de cena explodiam sobre um arraial de electrónica e robótica, cheio de movimento e ruído – um festival do que eram as novas tecnologias do momento. Nas últimas quatro edições da Arco, a homóloga dessa secção tem-se chamado Opening, dedicando-se a galerias com menos de sete anos de percurso. E isso, este ano, em vários casos, quer dizer que o que está em causa é uma revisitação da arte conceptual das décadas de 1960 e 1970.

Em São Paulo, por exemplo, a Galeria Jacqueline Martins abriu há apenas três anos. Na frente do seu pequeno stand na Arco tem uma única obra – de Rafael França, um dos pioneiros do vídeo no Brasil.

França nasceu em Porto Alegre em 1957, morreu em Chicago em 1991. A peça com que a Jacqueline Martins o representa em Madrid – uma instalação com vários monitores – aborda temas frequentes de finais da décadas de 1980 e desse período da obra deste autor: a sida e a morte – questões autobiográficas trabalhadas na forma de narrativas emocionalmente violentas. Já na pequena sala do interior do stand a linguagem é mais seca: trabalhos inétidos de Gastão de Magalhães, outros dos conceptualistas da cena paulista dos anos 1970.

Numa das séries de fotografias expostas em Madrid, Gastão de Magalhães auto-representa-se a engolir – ou regurgitar – cada uma das letras da palavra “arte”. “São trabalhos de qualidade que não passaram à história, que de certa maneira foram ignorados, talvez porque, na altura, não se coadunavam com o cliché da imagem colorida da arte brasileira”, diz-nos uma das assistentes da galeria.

Em termos estritamente comerciais, as respigagens revisionistas revelam-se muitas vezes estratégicas. Outros motivos para este gesto vindo da parte de uma agente que agora chega ao mercado? “Interessava-nos primeiro contextualizar os artistas jovens com quem vamos agora começar a trabalhar e cuja obra dialoga com a destes ‘antecessores’.”

Alguns stands mais à frente, poderiam pertencer a um desses jovens artistas as obras sobre papel expostas na galeria P420, de Bolonha. Em duas delas, um cursivo diminuto ocupa organizadamente a superfície branca de uma série de folhas, como se reproduzisse manualmente a página impressa de um livro, respeitando as margens e criando, assim, manchas pictóricas. Só ao aproximarmo-nos para ler percebemos tratar-se de uma escrita intuitiva, feita de signos sem qualquer significado, a não ser como desenho – a mão a correr sobre uma superfície.

São trabalhos de Irma Blank (n. Celle, Alemanha, 1934) que disse: “Purifico a escrita, liberto a escrita da necessidade de ter um significado.”

Desde os anos 1960 que a artista vem desenvolvendo este tipo de linguagem, explorando, ao mesmo tempo, noções como a de exaustão e desgaste dos seus materiais de trabalhos (uma pequena tela riscada até ao fim de uma caneta azul; folhas de cartão sobre as quais se gastaram marcadores…).    

“Ter presenças como estas parece-me muito interessante, porque esta é também a forma como os artistas de hoje estão a olhar para a realidade”, diz Manuel Segade, curador espanhol radicado em Paris.

Este ano, Segade, que é responsável pela secção Opening desde 2010, assina o comissariado com Luiza Teixeira de Freitas, radicada em Londres e filha do coleccionador brasileiro Luiz Augusto Teixeira de Freitas, radicado em Portugal. “No fundo, é aqui que se cria a Arco do futuro”, diz-nos a dada altura o curador, referindo-se à dezena de galerias que nos últimos anos estiveram nesta secção, mas que, entretanto, passaram desta zona de programação especial para o programa geral da feira. “No fundo, este é o viveiro da feira futura”, repete.

Neste viveiro, este ano, estão duas galerias portuguesas: a 3+1 e a Belo Galsterer, ambas de Lisboa. Num ano em que grande parte dos stands da feira se concentram num único artista, ambas optam por apresentar vários nomes. Na Belo Galsterer trabalhos de artistas já sobejamente conhecidos, como Ana Jotta, Pedro Calapez ou Miguel Branco. Na 3+1 artistas mais jovens. Vários trabalhos, por exemplo, de João Ferro Martins, um dos finalistas da mais recente edição do Prémio Novos Artistas EDP. As restantes 12 galerias portuguesas este ano na Arco estão no programa geral da feira – os corredores "business", onde centenas de agentes deverão começar a fazer amanhã os seus primeiros balanços de participação numa edição enquadrada por quebras de até 62% no mercado da arte espanhol ao longo do último ano.

O PÚBLICO viajou a convite da TourEspaña

 

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