“Eu sou ministro da energia, não sou ministro das energias renováveis”

Jorge Moreira da Silva assume, de “forma frontal”: “até 2020 não está previsto nenhum desagravamento das tarifas da electricidade”

Foto
"Tenho uma grande preocupação com os custos da energia" Enric Vives-Rubio

Quando o PÚBLICO entrou na sala de reuniões para a entrevista, estava montado o cenário: a cadeira onde se sentaria Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, estava posicionada diante de um grande painel a publicitar a Coligação para o Crescimento Verde. Tal como a iniciativa quer internacionalizar os negócios do país na área ambiental, também o discurso e o percurso de Moreira da Silva, 42 anos, giram em torno desta interface entre economia e ambiente.

Foi presidente da JSD, deputado nacional, enquanto deputado europeu foi relator permanente para as Alterações Climáticas, negociador e autor da directiva do Sistema Europeu de Comércio de Emissões e ainda representante do Parlamento Europeu nas conferências do Clima, depois foi director da área de Economia da Energia e das Alterações Climáticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Agora, confessa-se “muito entusiasmado” com a reacção dos seus parceiros europeus à proposta que levou a Bruxelas, em Janeiro passado, de criação de uma meta vinculativa inédita para que os estados-membros se interliguem, de facto, por grandes auto-estradas de electricidade.  

Que fato veste melhor: o de ministro ou o de dirigente partidário?
Não há grande diferença, tive sempre uma cabeça que procurou compatibilizar a dimensão de intervenção cívica e intervenção política. E é neste âmbito que insiro a minha actividade partidária. Por outro lado, hoje trabalho nos mesmos temas que sempre trabalhei como deputado europeu, deputado nacional, funcionário das Nações Unidas, consultor internacional. O mais relevante é procurar ser coerente e consistente com aquilo que sempre defendi. Continuo a ser vice-presidente do PSD e isso em nada diminuiu a minha capacidade de trabalho no Governo.
 

Como se vê daqui a alguns anos, primeiro-ministro ou comissário europeu?
Não ando à procura de nenhum cargo político. Ando mais à procura de coisas mais comezinhas como voltar a ter tempo para ajudar os meus filhos a fazer os trabalhos de casa, ter tempo para fazer desporto a horas normais. Estou muito empenhado no que estou a fazer e esta é a única ambição que tenho: poder, neste horizonte até ao final do mandato deste Governo, concretizar uma série de reformas que vão para lá do memorando de entendimento e que se inserem no pós-troika.
 

Entrou como ministro verde. Como é trabalhar como ministro verde num governo tão liberal como este?
Este é um governo onde me sinto bem. Sou social-democrata, não sou liberal. Estou na margem esquerda do PSD como sempre estive, portanto sinto-me muito confortável neste Governo.
 

Num primeiro momento foi preterido neste Governo. Juntar o Ambiente e a Agricultura foi um erro?
No primeiro momento de formação do governo justificava-se uma concentração de pastas, sempre aliás o defendi, mas não a concentração de Agricultura e Ambiente. Tive a oportunidade de o expressar. Sinto-me muito confortável nesta configuração que tem não apenas o Ambiente e o Ordenamento do Território mas também a Energia, numa altura em que a economia verde ganha muito na junção destas duas áreas que em Portugal nunca tinham sido articuladas no mesmo ministério. À escala europeia, os países que avançaram neste mesmo sentido são precisamente os que se querem posicionar como vencedores na economia verde, como a Dinamarca. 
 

O Governo lançou recentemente a coligação para o crescimento verde num país em que ainda vive os efeitos de desinvestimento nas renováveis. Em que quer que o cidadão e o empresário acreditem? 
A nossa aposta nas renováveis é uma aposta firme, 31% de renováveis até 2020, 60% na electricidade. Mas este Governo foi mais longe, avançando para metas de renováveis de 40% até 2030. Fica completamente clara a aposta que o Governo faz nesta área. 
Por outro lado, esta aposta tem sido feita também numa perspectiva de custo-eficiência. Fomos reduzindo as designadas rendas excessivas no sector eléctrico em 3400 milhões de euros. Eu logo que entrei, passado pouco tempo, avancei com um corte adicional de 1500 milhões de euros [de outras rendas do sector]. A aposta nas renováveis pode ser feita de uma forma custo-eficiente. 
A visão que defendemos é não sermos apenas os bons utilizadores de energias renováveis ou bons cumpridores das metas nacionais, mas avançarmos para outro paradigma que é o de sermos fornecedores, abastecedores de energias renováveis aos países que têm dificuldades em concretizar as suas metas nacionais de forma custo-eficiente. Se as interligações europeias [auto-estradas de electricidade de muito alta tensão entre os países] se concretizarem como temos defendido, Portugal pode fornecer energias renováveis, sem onerar a tarifa dos nossos consumidores, a países que têm mais dificuldade em produzir energias renováveis a um custo tão baixo como o nosso. 
Tenho defendido metas de interligações de 25% para 2030, de 12% para 2020 e 10% já, precisamente porque este é um requisito indispensável para que Portugal possa ser um fornecedor de energias renováveis no futuro. 
As energias renováveis podem caminhar cada vez mais para um projecto industrial que atrai investimento, projectos, fixa postos de trabalho. Estou muito entusiasmado com esta visão de médio e longo prazo.
 

Não é mais de longo prazo?
Atendendo às cartas que tenho recebido de governos europeus que querem instalar cá projectos para poder abastecer de energias renováveis os seus países, não se trata, nem de médio, nem de longo prazo, trata-se mesmo de curto prazo.
É uma acção diplomática muito exigente. Ainda recentemente o deputado europeu Correia de Campos, do Partido Socialista, veio reconhecer esta acção diplomática que o Governo tem feito, seja no resgate da meta das interligações no curto prazo, seja na visão para 2030. 
 

E o curto prazo para os pequenos e médios empresários?
No que tem a ver com a micro-geração, avançaremos, nas próximas semanas, com o regime do auto-consumo, de modo a que cada um de nós possa, em nossa casa, produzir para consumo próprio electricidade e não estar apenas ao abrigo de um regime de venda desta electricidade à rede, como era o regime da micro-geração. Esta aposta vai não apenas fomentar a aposta nas energias renováveis, na medida em que será utilizada para auto-consumo, mas vai dinamizar a actividade económica dos pequenos e médios instaladores, do cluster do fotovoltaico. 
São notícias associadas também à mobilidade eléctrica. O nosso paradigma de mobilidade eléctrica e de produção de energia não é uma lógica XXL, com grandes infra-estruturas de energia renovável, grandes centrais solares, e por outro lado uma grande infra-estrutura de carregamento dos carros eléctricos na via pública. Vamos avançar em breve para instrumentos legislativos que fomentem o auto-consumo e que por outro lado fomentem o carregamento do carro eléctrico mais próximo do local de consumo.
Estamos a trabalhar em dois planos: um plano é o carregamento, como disse, o outro é o da fiscalidade. No âmbito da comissão para a reforma da fiscalidade verde que foi lançada há pouco tempo, e que visa num quadro de neutralidade fiscal, reorientar a carga fiscal do factor trabalho para o factor poluição, a aposta na mobilidade eléctrica pode também beneficiar da fiscalidade verde que venha a ser desenhada. 
 

Algo parecido como a indexação do imposto automóvel e no IUC ao CO2?
Não quero condicionar o trabalho da comissão para a reforma da fiscalidade verde e porque esta é matéria de orçamento de Estado. 
Espero também que se possa criar condições para uma progressiva utilização de carros eléctricos na administração pública, em especial nas actividades que operam no centro das cidades ou num raio de influência limitada. Na semana passada, reuni com 14 marcas de automóveis eléctricos e com a associação portuguesa do veículo eléctrico de modo a podermos fomentar algumas experiências.
 

Qual tem sido a reacção dos seus parceiros europeus à nova meta vinculativa que Portugal propôs e que visa que os estados-membros tenham auto-estradas de electricidade a ligá-los, equivalentes a 25% da potência eléctrica instalada?
A reacção tem sido muito positiva. Depois de alguma acção muito articulada com vários países europeus, com a Comissão Europeia, julgo que foi alcançado o nosso objectivo. Hoje em todos os documentos que a Comissão Europeia produz, ou que vários vão produzindo de preparação para esta negociação sobre o clima e energia, o tema das interligações aparece em todos os textos. E isto só acontece, perdoe-me a imodéstia, porque Portugal desde há alguns meses persistentemente foi dizendo à Comissão Europeia, aos governos, ao conselho, que o tema das interligações era uma pré-condição para uma descarbonização de baixo custo da UE. É a alternativa de uma Europa interligada, em que a capacidade é gerida de uma forma mais integrada e portanto a capacidade ociosa é menor. Julgo que conseguimos provar aos nossos parceiros da União Europeia que o tema das interligações não é um tema português ou espanhol. É um tema europeu. 
Portugal e Espanha têm hoje 30 GW de potência instalada, em especial na área eólica. Segundo os cálculos que fizemos, o potencial de capacidade renovável dos dois países é de 130 GW. A fixação do objectivo de 25% para as interligações, em 2030, pressupõe uma capacidade instalada de 70 GW, isto é, cerca do dobro da existente actualmente e de metade da potencial, logo a meta definida para 2030 é, além de ambiciosa, possível. Estamos na prática a oferecer à UE a capacidade de se abastecer com um valor que é hoje duas vezes superior à capacidade instalada na Península Ibérica, para suprir necessidades de energias renováveis em países que, se tiverem de fazer por metas próprias e projectos próprios, estarão a pagar muito mais, porque não terão recursos de sol nem de água que a Península Ibéria tem.
 

O Reino Unido diz que esse investimento vai encarecer o preço da electricidade.
Uma das razões pelas quais me tenho batido tanto pelas interligações é para reduzir o custo. Eu sou o ministro da energia, não sou ministro das energias renováveis. Tenho obviamente uma grande preocupação com os custos da energia e com os riscos de perda de competitividade da nossa indústria portuguesa, mas também europeia em relação aos EUA. E a melhor forma de reduzir os nossos custos é integrarmos cada vez mais a rede eléctrica e do gás.
O caso do gás é paradigmático. Se, enquanto na electricidade Portugal tem, descontado o IVA, preços aos consumidores abaixo da média europeia, na área do gás não é assim. Estamos com preços superiores à média europeia.
O Governo vai até ao final do próximo mês concluir, como previsto no OE2014, um relatório comparativo entre os preços do gás natural e do gás de botija e se esse relatório apontar para resultados em linha com o que tem sido denunciado, o Governo avançará para preços de referência no gás de botija, para que 75% da população possa ter acesso a uma informação que permita comparar os preços.
 

Quando pode dar aos consumidores industriais e domésticos a ideia de uma descida nas tarifas?
É preferível dizer de uma forma frontal aos portugueses que até 2020 não está previsto nenhum desagravamento das tarifas, temos uma trajectória de aumento das tarifas de 1,5% a 2% ao ano, para eliminar uma mochila que era uma dívida tarifária de 4400 milhões de euros. Esta dívida aumenta até este ano, a partir daí, está prevista uma descida de modo a que esteja num valor residual de 600 milhões de euros em 2020.
Quando se fala no corte das rendas excessivas, das garantias de potência, dos CMEC e da cogeração, eu sei que isso afecta as empresas do sector. É importante que compreendam que se não o fizéssemos estaríamos a pedir aos portugueses para enfrentar aumentos de tarifas que não são compagináveis com a situação económica e social do país.
 

O presidente da EDP disse em entrevista no fim-de-semana passada ao Expresso que as renováveis não só contribuem para a descida do preço da energia como a electricidade não é um problema de competitividade em Portugal. Concorda?
Tem de perguntar ao regulador. Sou muito respeitador da separação de responsabilidades no que tem a ver com a regulação. Quem zela pela concorrência e pela regulação independente é a ERSE. No que tem a ver com este Governo, estamos empenhados em reforçar a concorrência dentro do mercado nacional, mas essencialmente no mercado ibérico e europeu. Quanto maior for a concorrência e a liberdade de escolha dos cidadãos, menores serão os custos.

Sugerir correcção
Comentar