Oito horas de tiros na Rocinha: "Isto não é uma favela pacificada”

Violência põe em causa sucesso das operações de expulsão do narcotráfico e pacificação das comunidades.

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Viaturas da UPP patrulham a favela da Rocinha REUTERS/Ricardo Moraes

Os tiros começaram por volta das 3h30 da madrugada de domingo, e só oito horas mais tarde foi declarado o cessar-fogo e regresso à normalidade depois do pior incidente desde a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora na gigantesca favela da Rocinha, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em Setembro de 2012.

Uma disputa entre traficantes de droga e os frequentadores de um pagode, ou possivelmente o confronto entre grupos rivais de narcotráfico foram apontados como os prováveis motivos da violência, que extravasou para as ruas da comunidade a coberto da escuridão. Os disparos atingiram a rede eléctrica, danificando cabos de energia e transformadores: quando a população foi autorizada a voltar à rua, já durante a manhã, não havia abastecimento eléctrico.

“Tudo no chão”, dizia uma mensagem publicada numa rede social por um funcionário de uma unidade de pronto atendimento de saúde que estava de plantão quando começou o tiroteio. “UPA 24 hs Rocinha cravejada de balas! Trabalhar assim é terror e pânico!”, prosseguia. “Foi uma madrugada de pavor. Escondemo-nos entre o fogão e o frigorífico o mais afastado possível das janelas. A tensão foi absurda”, contou uma moradora. “Nunca tinha escutado tantos tiros. Isto não é uma favela pacificada”, resumia um outro habitante, citado pelo jornal O Globo.

As imagens registadas pelas câmaras de videovigilância e divulgadas pelos órgãos de comunicação social brasileiros mostravam indivíduos descalços e em tronco nu mas com a cara tapada por lenços a caminhar pelas ruas praticamente desertas da favela, armados com espingardas e pistolas. Um dos aparelhos, apontado ao Largo do Boiadeiro, registou a troca de tiros entre um grupo de oito homens, que respondia ao fogo vindo do topo de uma ladeira: nos ecrãs só se apercebiam os clarões dos disparos.

Além dos supostos rivais, os atiradores viraram-se também contra a polícia que se instalou na favela há menos de dois anos. Os tiros voaram contra as viaturas da UPP, quatro bases policiais disseminadas na comunidade foram atacadas e os agentes foram encurralados na parte baixa da favela. “É um milagre estarmos vivos”, dizia um agente à reportagem da Folha de São Paulo. Dois polícias, incluindo o comandante da UPP da Rocinha, ficaram feridos nos confrontos, e outros dois indivíduos não identificados foram baleados, um deles mortalmente.

O trânsito no túnel Zuzu Angel, que liga o Bairro de São Conrado à Gávea, foi fechado nos dois sentidos por causa de barricadas feitas com pneus a arder – só por volta das 7 horas da manhã é que a circulação foi retomada.

O responsável pela segurança pública do governo estadual do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, reuniu com os comandos da Polícia Civil e Militar e garantiu um reforço do policiamento – logo no domingo, 150 agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da polícia de choque varreram a favela e um indivíduo armado foi detido. Esta manhã foram apreendidos 15 quilos de crack.

“O programa de retomada de territórios das unidades de Polícia Pacificadora beneficia mais de um milhão e meio de pessoas e vai prosseguir sem qualquer chance de recuo”, disse, sublinhando que o domínio dos grupos criminosos tinha terminado e garantindo que qualquer tentativa dos narcotraficantes de regressar ao seu antigo território redundaria em fracasso.

As trocas de tiros e acções violentas têm voltado à ordem do dia, mais de um ano depois das ambiciosas operações de segurança em várias favelas do Rio, incluindo o complexo do Alemão. Alguns jornais associaram já o aumento da violência à saída da prisão de vários membros do chamado Comando Vermelho, um gang do narcotráfico que se instalou nas favelas do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na zona sul. As associações de moradores dos turísticos bairros de Ipanema e Copacabana já alertaram as autoridades para o regresso do tráfico e para a insegurança nas ruas. “Estamos apreensivos e com medo. Se o Estado não transformar aquelas comunidades em bairros integrados na cidade formal, com serviços e regularização fundiária, a UPP vai sair do controlo. Não adianta só ocupar militarmente”, considerou Ignez Barreto, do Projecto de Segurança de Ipanema, em declarações ao Estadão.

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