Um QREN para a natalidade

Melhor do que deixar os fundos europeus à mercê dos vivos, é investi-los em quem ainda não nasceu.

Se há um momento em que este país revela a verdadeira matéria de que é feito, esse momento é quando se aproxima uma nova vaga de fundos europeus.

É matéria em que a crise e o memorando da troika não trouxeram qualquer reforma “estrutural”. Pelo contrário, a penúria só tornou mais apurado e acrescentou imaginação aos caçadores de fundos. Assim o primeiro-ministro ouviu ontem um responsável pelas misericórdias pedir que os fundos comunitários do próximo QREN sejam transferidos das rotundas e pavilhões multiusos para o apoio social – e quem melhor do que a economia social para os gerir? No Porto, o presidente da câmara, Rui Moreira, está cada vez mais perto de inscrever o seu nome no Olimpo do regionalismo além-Douro clamando contra os centralistas de Lisboa que querem sonegar aos do Norte os doces fundos de Bruxelas. O líder da oposição, António José Seguro, fiel à prática do seu partido, exige que o QREN seja aplicado em novas infra-estruturas inadiáveis em Sines. O Governo, esse, tem uma vaga ideia de os aplicar em PME exportadoras ou empresas formadoras que apresentem resultados (no pressuposto de que volte a existir economia)

Perante tão opulentos sonhos de grandeza, custa a crer que este seja o país da austeridade que o Bloco de Esquerda quer combater, para defender as pessoas. Mas mais do que defender as pessoas da austeridade, o futuro próximo obriga o país a pensar como vai proteger as pessoas do desperdício que está sempre atrelado aos predadores de fundos europeus.

A melhor, a mais radical e a verdadeiramente salomónica solução para o problema do país de braço no ar à espera do seu subsídio europeu é atribuí-los a quem ainda não nasceu. Dito de outra maneira, tão prioritário como apoiar empresas a exportar ou a melhorar as qualificações dos portugueses, talvez seja investir dinheiro europeu numa política consistente de natalidade. Ignora-se se tal é permitido pelos draconianos regulamentos de Bruxelas. Mas vale a pena perguntar se um dos países mais envelhecidos da Europa, como é Portugal, tem algum activo económico tão importante como… mais bebés. Até porque, a julgar pela experiência actual do país, há todas as possibilidades de esses bebés virem a ser, quando crescerem, excelentes activos para exportação.

Os números mostram até que ponto, em matéria de natalidade, o país caminha para a espiral recessiva. Em 2013 nasceram menos sete mil crianças do que no ano anterior e a diferença entre mortes e nascimentos não pára de aumentar. No ano passado nasceram 82.538 crianças, menos cem mil do que em 1976, o ano em que a euforia revolucionária bateu à porta das maternidades.

Ao mesmo tempo que o país sonha em que a salvação chegue pela porta dos fundos (comunitários), em concelhos como Mora ou Póvoa de Lanhoso procura-se estimular o nascimento de novas crianças através de subsídios de 500 a mil euros. Uma forma de combater o problema quase simbólica, mas que é, pelo menos, uma maneira de tentar mudar as coisas fazendo qualquer coisa com pouco. Num país onde a tradição é fazer muito pouco com muito. 

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