Renzi “despede” Letta e vai assumir a presidência do governo italiano

O governo estava quase paralisado e as eleições europeias, o terreno favorito de Beppe Grillo, estão à porta. O líder do PD queria eleições antecipadas. Fechado esse horizonte, salta para a arena.

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Criticado por Renzi e em queda nas sondagens, Letta perdera a confiança dos meios económicos e dos sindicatos Filippo MONTEFORTE/AFP

Matteo Renzi, líder do Partido Democrático (PD, centro-esquerda), liquidou nesta quinta-feira o governo de Enrico Letta, seu colega de partido. Na reunião da direcção nacional do PD, o secretário nacional agradeceu o “trabalho notável” do primeiro-ministro “num delicado momento político, económico e social”, mas propôs-se assumir pessoalmente a chefia de um novo executivo para “abrir uma fase nova” e tirar a Itália “do pântano”.

Enrico Letta apresentará na sexta-feira a demissão ao Presidente da República, Giorgio Napolitano. Na quarta-feira, fizera um derradeiro desafio a Renzi, anunciando um novo programa de governo e deixando-lhe um recado: “Se alguém quer o meu lugar, que o diga.”

O primeiro-ministro descobriu-se isolado. Criticado por Renzi pela lentidão nas reformas, em queda livre nas sondagens e com uma equipa desgastada, perdera a confiança dos meios económicos e dos sindicatos. Por fim, a maioria dos dirigentes do PD desejava que Renzi assumisse a responsabilidade de governar. A direcção do PD votou a proposta de Renzi por 136 votos contra 16.

A “estafeta”

Até há poucos dias, Renzi declarava que não seria primeiro-ministro antes de eleições. Apenas pressionava o executivo a acelerar o passo. A Itália tem eleições regionais em Março e o PD enfrentará em Maio o difícil teste das eleições europeias. Renzi defendeu um cenário de eleições antecipadas que Napolitano rejeitou liminarmente: “Não digam parvoíces.” É neste quadro que decide mudar o jogo. Não foi uma operação indolor. O “duelo” Renzi-Letta é mais um tema de dilaceração interna do PD.

Renzi será, após Mario Monti e Letta, o terceiro chefe de governo “não eleito” desde 2011. Desta vez não se trata de um “governo técnico” ou presidencial, como o de Monti, mas de um “governo político”, visto tratar-se da decisão do maior partido. O seu primeiro limite é a falta de uma legitimação eleitoral pessoal. O segundo é a fragilidade da coligação governamental, onde o PD é apoiado pelo Novo Centro-Direita (NCD), composto por dissidentes do partido de Berlusconi, e pelos centristas da Escolha Cívica. Por fim, embora duplamente eleito por uma esmagadora maioria de militantes e de eleitores nas eleições primárias de Dezembro passado, sabe que grande parte do aparelho e dos dirigentes históricos do partido o poderão vir a hostilizar. Prometeu ontem um executivo para o resto da legislatura, até 2018.

Os críticos deleitam-se com a figura do “governo estafeta”, em que Renzi recebe o testemunho das mãos de Letta. A “estafeta” não traz boas lembranças: a substituição de Romano Prodi, em 1998, por Massimo D’Alema, então líder do PDS (antecessor do PD), redundou num desastre político.

Um homem com pressa

Matteo Renzi é um “político apressado e veloz”, assim o qualificam os analistas italianos. Irrompeu como um meteoro num partido onde era olhado como “um corpo estranho”. Depois de obter um excelente e inesperado resultado nas primárias de Dezembro de 2011, em que foi derrotado pelo então líder Pierluigi Bersani, tornou-se no político mais popular de Itália. Rompia com a linguagem cifrada do partido e defendia reformas políticas e sociais de fundo.

Uma vez eleito, impôs uma aceleração drástica dos tempos políticos. Em poucas semanas negociou com Berlusconi e apresentou ao Parlamento um projecto de nova lei eleitoral, que estava bloqueada há quase nove anos. Esgotado Letta e sem a possibilidade de eleições ainda este ano, decidiu rapidamente substituí-lo.

“Renzi é o homem dos tempos velozes. Dos factos velozes. O que, de resto, agrada aos italianos”, escreve o politólogo Ilvo Diamanti. “A sua ideologia é a velocidade. Vivemos um tempo veloz, o que torna insuportável os tempos longos da política italiana, incapaz de decisões.” Quase 60% dos eleitores e 85% dos que votam PD dão-lhe uma nota positiva.

Os pontos fracos

No entanto, Renzi tem pouco tempo. As eleições europeias estão à porta e são um terreno favorável para Berlusconi e, sobretudo, para Beppe Grillo. A “estagnação” do governo e do Parlamento era a melhor fonte de votos “grillistas”. Grillo não se cansará agora de denunciar um “golpe palaciano”, uma mudança de governo decidida “nas costas do Parlamento” e marcada por um afrontamento pessoal. Renzi é o maior obstáculo para um triunfo de Grillo nas europeias. Mas conseguirá acelerar as reformas com um coligação débil? Será a prova de fogo em que muitos esperam vê-lo “queimar-se”.

“A melhor opção para Renzi era a eleitoral. Afastada esta, a segunda melhor opção é sem dúvida o Palácio Chigi (presidência do governo), observa o politólogo Giovanni Orsina. “Politicamente, Renzi é muito mais forte do que Letta. Mas não é fortíssimo, por falta de legitimação eleitoral e de uma maioria politicamente coesa.” São factos que tornam algo irrealista a promessa de levar a legislatura até ao fim, em 2018, como deseja Napolitano.

Nos próximos dias os “grillini” deverão transformar o Parlamento num circo e, na campanha das europeias, todos os golpes valerão.

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