Arte roubada pelos nazis? Não, George Clooney

Actor apresenta em Berlim The Monuments Men, mas a imprensa quer saber mais dele do que das outras vedetas do elenco ou do seu novo filme. Clooney está habituado.

Foto
a boa disposição evidente entre o elenco do mais recente filme de George Clooney Thomas Peter/Reuters

"A indústria do cinema baseia-se toda no dinheiro? Nãããããão! Nããããão!"

John Goodman atira-se ao copo de água à sua frente e bebe-o como se não houvesse amanhã enquanto grande parte do elenco, instalado num estrado, assobia o tema musical de The Monuments Men - Os Caçadores de Tesouros. A sala - e o próprio estrado - explodem em gargalhadas com a reacção do actor americano à pergunta que um jornalista do Dubai fez a Matt Damon na conferência de imprensa do novo filme de George Clooney.

É apenas um exemplo do que se passou durante os 30 atribulados minutos do que foi menos uma conferência de imprensa e mais uma demonstração pura e simples de bom e velho deslumbre com as estrelas. Ou melhor, "a" estrela. Na mesa estava praticamente todo o elenco de talentos invejáveis de The Monuments Men - Bob Balaban, Hugh Bonneville, Matt Damon, Jean Dujardin, John Goodman, Dimitri Leonidas e Bill Murray; só Cate Blanchett, o único papel feminino, faltou à chamada - mas a plateia só tinha olhos (e perguntas) para Clooney. E não por ele ser actor, realizador, produtor e argumentista de um filme que a actualidade atirou para as bocas do mundo. Apenas por ser George Clooney, a vedeta, o homem mais charmoso do mundo, o activista liberal, o playboy, o jet-setter. O homem que vive nos sonhos de milhões de mulheres em todo o mundo, como disse alguém a certa altura.

Falou-se de tudo durante estes 30 minutos - até da tensão na Ucrânia, do dilacerado Sudão do Sul, causas da predilecção  do actor, ou do mundial de futebol no Brasil. Do filme falou-se pouco - talvez porque, na verdade, não haja muito a dizer para lá da história da arte roubada pelos nazis que está no seu centro. Clooney lá disse a certa altura que o livro de Robert M. Edsel lhe ofereceu a oportunidade de fazer, como realizador, um filme menos cínico do que Boa Noite e Boa Sorte ou Nos Idos de Março, e de reproduzir o ambiente das aventuras da Segunda Guerra Mundial com que cresceu. Cita, de memória, Os Canhões de Navarone, Heróis por Conta Própria ou A Grande Evasão.

E tem toda a razão. A história (verídica, mas ficcionada) de meia-dúzia de académicos encarregues de resgatar a arte que o III Reich queria açambarcar tem tudo para ser uma dessas aventuras - mas não chega lá, porque lhe falta o savoir-faire, a leveza, a tarimba. Clooney não é John Sturges de A Grande Evasão nem sequer o Robert Aldrich dos Doze Indomáveis Patifes, e não tem, apesar das boas intenções e da continuada vontade de fazer filmes "à antiga americana", como chegar lá. A inocência nostálgica de que fala é bem intencionada mas soa falsa, o elenco é maioritariamente desaproveitado; a sensação é de que Clooney e o seu co-argumentista (co-produtor e sócio de sempre) Grant Heslov fizeram uma espécie de "Ocean's Eleven na guerra", mas sem conseguirem encontrar um tom que resultasse.

Claro que há a contemporaneidade da questão da arte roubada e da descoberta de Munique - e, quando uma jornalista lhe pergunta com algum cinismo sobre o golpe de marketing que é a notícia vir a lume tão perto da estreia do filme, Clooney responde de modo igualmente cínico: "Pois, sabe, é que a Fox passou três anos a pagar para garantir que a notícia não se soubesse, foi uma grande despesa..." Sinal de que o caos da conferência de imprensa estava a incomodar o actor. Mas, imediatamente a seguir, Clooney retomou a seriedade. "Vamos continuar a ouvir histórias destas, aconteceu apenas que esta descoberta em particular foi muito grande. Mas fico contente que o nosso filme ajude a que esta conversa se torne mais visível, e é uma boa conversa para irmos tendo. Não consigo é olhar para ela como uma manobra de marketing."

Talvez o problema - do filme, da abordagem da conferência de imprensa, das primeiras reacções - esteja nessa dicotomia que The Monuments Men tanto invoca: quer ser um filme inocente num momento em que a exposição constante exigida pela cultura da celebridade e o fluxo permanente de notícias o impossibilitam. E não é possível ser-se um dos rostos mais conhecidos do mundo sem ter de pagar esse preço - "eu sei que me sinto irritado quando ouço alguém que tem uma boa vida como eu tenho queixar-se, qualquer um se irritaria... Tenho uma boa vida," admite.

O actor sabe o jogo a que se presta e, pelo meio das perguntas idiotas a que responde com um sorriso nos lábios, lá vai falando de uma ou outra coisa mais séria. E é o primeiro a admiti-lo: "Não teríamos conseguido que a Fox e a Sony nos financiassem um filme sobre arte. Mas dentro de uma história da Segunda Guerra Mundial a coisa tornava-se viável."

Como fazer, então, um filme inocente para tempos cínicos? Clooney tentou mas não conseguiu. E, como se diz a certa altura em The Monuments Men a propósito da arte roubada, os nomes daqueles que a salvaram podem ser esquecidos, mas as obras de arte não. Deste novo filme dificilmente rezará a história - ao contrário da arte que lhe está na origem.

Notícia corrigida às 18h para alterar o nome do autor cujo livro deu origem ao novo filme de Clooney: Robert M. Edsel

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