Concorrência olha com "reservas" para a definição de preço de referência nos combustíveis

AdC diz que introdução de preços de referência nos combustíveis pode levar empresas a fazer convergir os preços, distorcendo a concorrência.

Foto
Gleb Garanich/Reuters

O presidente da Autoridade da Concorrência (AdC) vê “com bons olhos” o reforço da fiscalização do Estado no sector dos combustíveis, mas encara com “algumas reservas” a fixação de preços de referência.

Estas atribuições pertencem agora à nova Autoridade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), cuja criação o Governo anunciou em Novembro.

Nessa ocasião, o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, disse ao PÚBLICO que o objectivo dos preços de referência, que deveriam ser definidos pelo conselho consultivo da ENMC (onde teriam assento petrolíferas, revendedores e associações profissionais e de consumidores), era o de pressionar as empresas e combater a falta de transparência do mercado.

Embora não tenham havido desenvolvimentos, nem sequer contactos com produtores ou revendedores para a participação no órgão consultivo da ENMC, António Ferreira Gomes deixou o alerta no Parlamento: a criação destes preços abre a porta a que os operadores de mercado “convirjam para o preço de referência, o que é prejudicial do ponto de vista concorrencial".

Já as competências de “fiscalização e monitorização do sector dos combustíveis” são bem recebidas por virem “colmatar uma lacuna do Estado”. A AdC “tem feito um trabalho intenso sobre este mercado”, mas “não é uma entidade fiscalizadora de preços”, lembrou o presidente da entidade reguladora, que espera que a ENMC possa ter um papel determinante em questões estruturais do sector, como a eliminação de barreiras à entrada de novos agentes na armazenagem e logística e na regulamentação da lei de bases do sector.

Ferreira Gomes, que foi à comissão parlamentar de Economia e Obras Públicas a pedido do PS para falar sobre a recomendação da AdC de revisão dos auxílios das ajudas estatais à EDP (os chamados CMEC) no mercado de serviços de sistema, revelou ainda que está em curso uma investigação a um distribuidor de gás de botija. A investigação, “desencadeada no decurso de uma acção de supervisão da AdC”, incide sobre “contratos e restrições verticais que existem nesses contratos entre distribuidor e fornecedores de primeira linha" e será tratada “com a maior celeridade”, garantiu.

Compensações à EDP são questão política
Sobre o tema que motivou a ida ao parlamento, Ferreira Gomes sublinhou que “compete ao Governo decidir qual a melhor forma de executar a recomendação da AdC, se entender que o deve fazer do ponto de vista político”. A análise apresentada em Novembro concluiu que a forma como as compensações financeiras estão desenhadas permite à EDP ignorar critérios de eficiência e adoptar “um comportamento estratégico” de forma a obter uma “sobrecompensação”.

Na prática, quanto menor for a produção de serviços de banda secundária (os serviços prestados ao operador de rede eléctrica para corrigir desvios de produção e consumo e garantir a segurança do abastecimento) nas suas centrais abrangidas pelos CMEC, maior será a compensação financeira recebida pela EDP. Maiores serão também os custos para os consumidores, pois estes serviços (onde a EDP tem uma posição dominante) são suportados pelos consumidores na factura de electricidade.

Questionado sobre se o problema da posição dominante da EDP se resolve com a redução das chamadas rendas excessivas (dossier em que o Governo diz estar a trabalhar no âmbito do memorando assinado com a troika), Ferreira Gomes notou que “existe um consenso” sobre a necessidade de actuar sobre os auxílios de Estado, “mas as perspectivas são diferentes”.

"Saber se as rendas são excessivas, não é uma questão de concorrência, é uma questão política”, já a preocupação da AdC tem exclusivamente a ver com "o equilíbrio do mercado". E, desse ponto de vista, seria fundamental “que se alterassem um conjunto de incentivos errados que promovem um comportamento estratégico do operador dominante”. “Não é importante dizer que se reduz o valor das rendas, é importante que se altere o mecanismo que faz com que a concorrência funcione de forma inapropriada”, sustentou o regulador.

Frisando que o objectivo da AdC não é embarcar em discussões políticas sobre “quem é o pai da criança [a imputação de responsabilidades sobre a criação dos CMEC marcou as intervenções de deputados do PS e do PSD]”, nem discutir “o que já foi feito”, Ferreira Gomes diz que a AdC tem “conhecimento da intenção” do Governo de intervir sobre os auxílios de Estado, mas não da forma da intervenção. Com a recomendação, a AdC pretende “salvaguardar” que incida “sobre os mecanismos que permitem à EDP obter sobrecompensações”.

 

 

Sugerir correcção
Comentar