Imagine um sistema de saúde que o conhece

É preciso também fazer mudanças estruturais e traçar um caminho de futuro.

Imagine um sistema de saúde que conhece o seu nome, a sua história clínica e o acompanha e aconselha ao longo da sua vida. Um sistema de saúde com um rosto, disponível perto da sua casa ou do seu trabalho, mas também à distância de um telefonema ou de uns clicks no seu computador, sempre que precisa dele.

Um sistema permanentemente ao lado dos que mais precisam, antevendo as suas necessidades, monitorizando a sua condição de saúde e aconselhando sobre os seus hábitos, medicação, exames ou tratamentos necessários. Um sistema de saúde que o ajuda a prevenir as situações mais complicadas, evitando idas desnecessárias ao hospital. Que o apoia nos momentos mais difíceis, dando-lhe os melhores cuidados médicos disponíveis, mas também uma mão e uma palavra amiga. Um sistema de saúde solidário na velhice e na solidão. Um sistema de saúde inovador, aberto ao voluntariado, às empresas e à universidade. Que o dispensa de burocracias e que se articula com entidades públicas e privadas com quem tem que interagir numa situação de doença. Um sistema de saúde que o apoia, mesmo quando o sistema de saúde já não o pode ajudar.

Utopia ou não, existem já experiências e tecnologias que permitem tornar esta ambição realidade. E a boa notícia não se esgota aqui. Este pode ser mesmo o caminho necessário para a sustentabilidade futura do sistema de saúde. Os cortes no desperdício e o combate à fraude vieram para ficar, mas não serão suficientes para compensar a evolução demográfica e social, que colocará uma pressão crescente na despesa em saúde. É necessária uma mudança estrutural no sistema, promover a integração dos vários níveis de cuidados e organizá-los em função do cidadão. É necessário um sistema mais preventivo e proactivo. É indispensável um sistema adaptado a uma população envelhecida e com forte prevalência da doença crónica. É crucial um sistema moderno, disponível através dos canais mais eficientes, a qualquer hora e em qualquer lugar. Sem prejuízo de haver em Portugal algumas iniciativas com este propósito, vejamos um exemplo muito completo de uma abordagem desta natureza e que nos pode servir de referência.

O País Basco é um caso interessante de uma transformação em curso neste sentido. O sistema de saúde desta região autónoma espanhola serve uma população de mais de dois milhões de habitantes, dispondo da terceira esperança de média de vida mais alta do mundo. Como resultado directo do perfil demográfico dos seus utentes, regista uma grande prevalência da doença crónica e uma complexidade e despesa crescentes dos cuidados de saúde. Actualmente cerca de 80% das interacções do sistema de saúde basco com os seus utentes é relacionado com doenças crónicas, consumindo cerca de 77% do orçamento de saúde da região. Estima-se que, mantendo-se o padrão actual, a despesa de saúde duplique até 2020.

Estando em causa a sustentabilidade do sistema, o País Basco definiu um programa estratégico que visa responder de forma integrada aos desafios em presença, assumindo como imperativo de base a oferta de um nível de cuidados contínuo ao longo da vida dos cidadãos, prevenindo hospitalizações desnecessárias e reduzindo os custos das interacções com os utentes. Esta região entendeu o presente desafio como uma oportunidade para se desenvolver, e estabeleceu como objectivo tornar-se uma referência mundial na gestão da doença crónica e na interacção com os utentes. De entre os múltiplos projectos que constituem o programa, é possível destacar dois, um que respeita a um centro multicanal de interacção com os utentes e um segundo, designado por Teki, que visa a monitorização remota de cidadãos com doença crónica.

O Centro de Serviços de Saúde Multicanal serve para qualquer contacto relacionado com temas de saúde que não requeira a presença do cidadão, reduzindo o custo de cuidar e proporcionando maior agilidade e capacidade de resposta. Torna o acesso do paciente ao sistema mais conveniente, permitindo que este escolha o canal mais adequado, e automatiza vários processos anteriormente díspares e manuais, tais como a marcação de consultas e a gestão de pacientes em temas como medicação, dieta e exercício. O projecto Teki inicou-se com a resposta a uma doença crónica específica, usando tecnologia originalmente projetada para jogos para monitorizar e gerir os regimes de saúde de pacientes idosos. Todos os pacientes que utilizam o sistema Teki são controlados remotamente a partir do centro multicanal. Como resultado destes projectos, além de se reduzir o custo dos serviços de saúde, melhorou-se a qualidade de vida dos pacientes através de interações mais regulares. Estas plataformas de comunicação e de gestão de saúde ajudaram também a reduzir o número de emergências, readmissões e da necessidade de deslocação dos pacientes.

A avaliação global do programa só poderá ser feita de forma rigorosa e definitiva daqui a alguns anos, mas os resultados são encorajadores. Quanto a Portugal, é preciso também fazer mudanças estruturais e traçar um caminho de futuro. Os riscos de sustentabilidade do sistema de saúde em Portugal são conhecidos. E o tempo de agir é o actual. 

Managing director da Accenture responsável pela área da Saúde

 

 
 
 
 
 

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