Não gosto da minha ansiedade mas não seria o mesmo sem ela

Que caminho escolher: drogas ou terapia? Segunda parte do artigo de Scott Stossel sobre a ansiedade - e de como esta é uma parte fundamental daquilo que o define.

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A 13 de Abril de 2004, às duas da tarde, eu, então com 34 anos e a trabalhar como editor sénior na <i>The Atlantic</i> e em mãos com a publicação da minha biografia de Sargent Shriver [fundador do Peace Corps, a agência federal independente para ajudar os países em desenvolvimento], apresentei-me no reputado Center for Anxiety and Related Disorders da Boston University.

Depois de um encontro de várias horas com um psicólogo e dois estudantes licenciados, e de preencher dezenas de páginas de questionários, foi-me dado como diagnóstico principal “pânico e agorafobia” e um diagnóstico adicional de “fobia específica” e “fobia social”. Os clínicos apontaram também no seu relatório que as minhas respostas ao questionário indicavam “níveis moderados de depressão”, “fortes níveis de ansiedade” e “fortes níveis de preocupação”.

Porquê tantos diagnósticos diferentes? E porque é que eram diferentes dos diagnósticos da minha juventude (“neuroses fóbicas”, “perturbação de ansiedade excessiva da infância”)? Será que a natureza da minha ansiedade mudara assim tanto? Como é que podemos fazer progressos científicos ou terapêuticos se não concordamos com o que é a ansiedade?

Até Sigmund Freud, mais ou menos o inventor da ideia moderna de neurose — um homem para quem a ansiedade era um dos conceitos fundadores, se não mesmo o conceito fundador, da sua teoria da psicopatologia —, se contradisse ao longo da sua carreira. No início, sustentou que a ansiedade era gerada por impulsos sexuais reprimidos (a ansiedade está para a líbido reprimida como “o vinagre está para o vinho”, escreveu). Mais tarde, argumentou que nascia sobretudo dos conflitos psíquicos inconscientes. E no final da vida, no Problema da Ansiedade, Freud escreveu: “É uma desgraça que depois de tanto trabalho ainda tenhamos dificuldade em concordar nas questões mais fundamentais.”

Actualmente, o Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação de Psiquiatria Americana (agora na sua recente quinta edição, DSM-5) definiu centenas de distúrbios mentais, classificou-os por tipos e por listas, com níveis de detalhe que podem parecer ao mesmo tempo absurdamente precisos e totalmente aleatórios, e os sintomas que um doente deve manifestar (quantos, quantas vezes e com que grau) para receber qualquer diagnóstico psiquiátrico.

Tudo isso confere ao diagnóstico de um distúrbio de ansiedade a aparência de validação científica. Mas a realidade é que há aqui um grande quociente de subjectividade (tanto da parte dos pacientes, na descrição dos seus sintomas, como dos clínicos que os interpretam). Estudos feitos na década de 1950 concluíram que, quando dois psiquiatras avaliam o mesmo doente, só em 40% dos casos é que lhe atribuem o mesmo diagnóstico DSM. Os níveis de consistência melhoraram desde essa altura, mas o diagnóstico de vários distúrbios mentais continua, apesar das pretensões em sentido contrário, mais do campo da arte do que da ciência.

Uma doença médica, como a diabetes

Na Primavera de 2004, o meu terror com a promoção do livro era tal que procurei ajuda em vários lados. Primeiro fui a um conhecido psicofarmacologista de Harvard. “Você tem um distúrbio de ansiedade”, disse-me depois de tomar nota do meu historial. “Felizmente, isto é bastante tratável. Só precisa de tomar os medicamentos certos.” Quando lhe apresentei as minhas objecções habituais à medicação (as preocupações sobre os efeitos secundários, dependência das drogas, desconforto com a ideia de tomar comprimidos que possam afectar a minha mente e mudar quem eu sou), ele recorreu ao argumento cliché — mas poderoso — da diabetes, que é o seguinte: “A sua ansiedade tem uma base biológica, psicológica e genética; é uma doença médica, tal como a diabetes. Se você fosse diabético, não teria tanto pudor em tomar insulina, pois não? E não olharia para a diabetes como um falhanço moral, pois não?”

Tenho versões desta conversa com vários psiquiatras ao longo dos anos. Eu tentava resistir a qualquer que fosse a última droga, sentindo que esta resistência era de alguma forma nobre ou moral, que a dependência de medicação evidenciava uma fraqueza de carácter, que a minha ansiedade era uma componente integral de quem eu sou e que havia redenção no sofrimento — até que, inevitavelmente, a minha ansiedade se tornava tão grave que eu estaria disposto a tentar qualquer coisa, incluindo um medicamente novo. E assim, como de costume, capitulei, e à medida que a promoção do livro se aproximava comecei um caminho de benzodiazepinas (Xanax durante o dia, Klonopin à noite) e aumentei a minha dosagem de Celexa, um antidepressivo que eu já estava a tomar.

Mas ainda que estivesse drogado até mais não, eu continuava tomado pelo pavor, e por isso também me dirigi ao centro da Universidade de Boston, onde fui encaminhado para uma jovem estagiária formada em Stanford, com excelente reputação, que se especializara em terapia cognitivo-comportamental. “A primeira coisa que temos de fazer é largar essas drogas”, disse ela numa das nossas primeiras sessões. Alguns encontros mais tarde, ofereceu-se para me tirar o Xanax e fechá-lo numa gaveta da sua secretária. Abriu-a para me mostrar os frascos de comprimidos dos seus outros doentes, segurando num e chocalhando-o no ar para aumentar o efeito. As drogas, afirmou, eram uma bengala que me impedia de ter uma experiência total da minha ansiedade e portanto de a combater. Se eu não me expusesse à experiência crua da ansiedade, nunca iria perceber que poderia lidar com ela à minha maneira.

Eu sabia que ela tinha alguma razão. Mas com a tournée do livro a aproximar-se, o meu medo era eu não conseguir, de facto, lidar com ela.

Voltei ao farmacologista de Harvard (chamemos-lhe dr. Harvard) e descrevi a proposta da psicóloga de Stanford (chamemos-lhe dra. Stanford). “Pode tentar desistir da medicação”, disse ele. “Mas a sua ansiedade está claramente tão enraizada na sua biologia que um stress moderado é suficiente para a provocar. Só os medicamentos é que conseguem controlar as suas reacções biológicas. E pode muito bem acontecer que a ansiedade seja tão grave que a única forma de qualquer terapia comportamental começar a fazer efeito é eliminando os seus sintomas físicos com drogas.”
Na sessão seguinte com a dra. Stanford, disse-lhe que tinha medo de abdicar do Xanax e relatei-lhe o que me dissera o dr. Harvard. Ela parecia sentir-se traída. Depois disso, deixei de lhe contar as minhas visitas ao dr. Harvard. As minhas consultas com ele pareciam-me ilícitas.

Era mais agradável falar com a dra. Stanford do que com o dr. Harvard; ela tentou compreender o que causava a minha ansiedade e parecia preocupar-se comigo enquanto indivíduo. O dr. Harvard parecia ver-me mais como um tipo genérico — e um paciente ansioso — a ser tratado com drogas. Um dia li no jornal que ele andava a dar antidepressivos a gorilas no zoo local. A escolha do dr. Harvard para os gorilas em questão? Depressivos SSRI, o mesmo tipo de medicação que ele me prescrevera.

Não sei dizer se as drogas funcionaram com os gorilas. Supostamente não. Mas poderia haver uma prova mais poderosa de que a abordagem do dr. Harvard ao tratamento era absolutamente biológica? Para ele, o conteúdo de qualquer stress psíquico — e certamente o seu significado — importava menos do que o facto de ele existir. Tal stress, quer em humanos ou outros primatas, era uma disfunção biológica que poderia ser resolvida com medicamentos.

 Testes Rorschach e as primeiras memórias

Nem todos os terapeutas têm esta abordagem a preto e branco. Muitos encontram espaço para a medicação aliada a outros tipos de terapias. Alguns terapeutas cognitivo-comportamentais, por exemplo, combinam certas drogas com a terapia de exposição. E os neurocientistas reconhecem cada vez mais o poder de coisas como a meditação e a terapia verbal tradicional para provocar mudanças estruturais que são tão “reais” como as mudanças provocadas pelos comprimidos ou pela terapia de electrochoques.

A minha própria experiência, claro, envolve uma ampla exposição tanto a drogas como a outras terapias, frequentemente em conjunto. A partir dos meus 11 anos, e durante 25 anos, comecei a visitar o mesmo psiquiatra uma ou duas vezes por semana. O dr. L foi o terapeuta que, quando eu fui levado para o Hospital McLean, me fez o primeiro teste Rorschach. Quando comecei a terapia com ele, ele estava próximo dos 50 anos, era alto e magro, a começar a ficar careca, com uma barba de estilo freudiano clássico. Ao longo dos anos, a barba vinha e ia, e ele perdeu quase todo o cabelo, que de castanho passou a grisalho e depois a branco.

Formado em Harvard na década de 50 e início de 60, o dr. L tornou-se profissional na fase tardia do apogeu psicanalítico, quando o freudianismo ainda dominava. Quando o encontrei pela primeira vez, acreditava tanto na medicação como nos conceitos freudianos de neurose e repressão, no complexo de Édipo e na transferência. As nossas primeiras sessões, no início da década de 80, eram recheadas de coisas como os testes Rorschach, associação livre e conversas sobre as primeiras memórias. As nossas últimas sessões, nos anos 2000, focavam-se no desempenho de papéis e “trabalho da energia”; também sugeriu nessas últimas sessões que eu participasse num programa especial de ioga, mais tarde acusado por alguns membros de ser uma lavagem ao cérebro dos participantes, apesar de isso nunca ter sido provado.

Estas foram algumas das coisas que fizemos juntos ao longo de um quarto de século: víamos livros de fotografia (1981); jogávamos gamão (1982-85); jogávamos às cartas (1985-88); experimentávamos esporadicamente vários métodos psicoterapêuticos inovadores cada vez mais New Age, como o hipnotismo, reprocessamento por movimentos oculares, terapia de sistemas energéticos, terapia dos sistemas familiares internos (1988-2004). Durante este período também mudei, seguindo as modas da farmacologia, de uma classe de drogas para outra, numa sucessão com algumas sobreposições: de antipsicóticos para benzodiazepinas para antidepressivos tricíclicos para antidepressivos MAOI para antidepressivos SSRI e de volta novamente às benzodiazepinas. Eu era o beneficiário, ou possivelmente a vítima, de qualquer novidade em psicoterapia ou psicofarmacologia.

A medicação era mais eficaz a diminuir suavemente a minha ansiedade do que qualquer outra forma de terapia. (Sem o Thorazine e a imipramina e o Valium não sei se teria passado do sétimo ano.) Mas também posso dizer que os medicamentos têm desvantagens e efeitos secundários que vão da sedação ao aumento de peso, das obsessões às dores de cabeça, das perturbações urinárias e digestivas aos problemas neuromusculares, da dependência e vício aos danos cerebrais, diz-se — e isto ignorando os sintomas de abstinência, que em alguns casos são piores do que os efeitos secundários. Apesar de muitas pessoas poderem testemunhar o quanto as drogas as ajudaram, muitas outras contarão (e frequentemente fazem-no, em tribunais ou perante o Congresso) como a medicação arruinou as suas vidas. Apesar de muitos estudos e muitas experiências individuais sugerirem que as drogas podem ser altamente eficazes no tratamento da ansiedade, os benefícios são no mínimo pouco claros.

Sigmund Freud confiava muito nas drogas para controlar a sua ansiedade. Seis dos seus primeiros artigos científicos descreviam os benefícios da cocaína, que ele administrava regularmente durante pelo menos dez anos, a começar na década de 1880. Só depois de ter prescrito o estimulante a um amigo chegado que se tornou fatalmente dependente, é que o entusiasmo de Freud se desvaneceu.

Historial Prozac

Grande parte da história da farmacologia tem a mesma qualidade ad hoc que as experiências de Freud com a cocaína. Cada uma das classes mais comercializadas de medicamentos contra a ansiedade e a depressão dos últimos 60 anos foi descoberta por acaso, ou foi desenvolvida inicialmente para outra coisa totalmente diferente da ansiedade ou depressão: para tratar a tuberculose, estados de choque, alergias; para ser usada como insecticida, um conservante da penicilina, uma tinta industrial, um desinfectante, combustível de foguetões.

O Prozac e outros semelhantes são actualmente a escolha de muitos psiquiatras e têm-no sido há mais de duas décadas. Dada a forma como os SSRI saturaram a nossa cultura e o nosso ambiente, podemos ficar surpreendidos ao saber que o Eli Lilly, que tinha a patente americana da fluoxetina (o nome genérico do Prozac), matou sete vezes o medicamento na fase de desenvolvimento, em parte por causa de resultados pouco convincentes em testes. Depois de examinar os resultados tépidos das experiências com fluoxetina, tal como queixas sobre os seus efeitos secundários, os reguladores alemães concluíram em 1984 que, “considerando os benefícios e os riscos, achamos que esta fórmula é totalmente inadequada ao tratamento da depressão”. Outros ensaios clínicos de outro SSRI, o Paxil, começaram por ser também falhanços.

Nos últimos 20 anos, tenho estado sob um ou outro SSRI quase continuamente. Ainda assim, não posso dizer com total convicção que estas drogas funcionaram, pelo menos durante muito tempo — ou que valeram a pena em termos de dinheiro, efeitos secundários, sequelas de mudança de droga e sabe-se lá que efeitos a longo prazo no meu cérebro.

Depois do entusiasmo inicial com os SSRI na década de 1990, algumas das preocupações sobre a dependência e efeitos secundários que na década de 70 estavam ligados aos tranquilizantes começaram a aplicar-se aos antidepressivos. “É agora claro que os problemas da privação que foram relatados” sobre a paroxetina, o nome genérico do Paxil, “excederam todos os problemas alguma vez relatados sobre qualquer outra droga psicotrópica”, escreveu em 2003 David Healy, um historiador de psicofarmacologia.

Mesmo excluindo os efeitos da privação, há agora uma grande pilha de provas que sugerem, em linha com os estudos iniciais sobre a ineficácia do Prozac e do Paxil, que os SSRI podem não funcionar muito bem. Em Janeiro de 2010, quase precisamente 20 anos depois de ter saudado os SSRI com o título de capa Prozac: Uma droga inovadora para a depressão, a Newsweek publicou um artigo de capa sobre um cada vez maior número de estudos que indicam que estes e outros antidepressivos são pouco mais eficazes do que comprimidos de açúcar. Um grande estudo de 2006 mostra que apenas um terço dos pacientes melhoraram significativamente depois de um primeiro ciclo de tratamentos com antidepressivos. Mesmo depois de outros três ciclos, quase um terço dos que continuavam no estudo não tinha conseguido a remissão. Depois de rever um conjunto de estudos sobre a eficácia dos antidepressivos, um artigo do British Medical Journal concluiu que as drogas da classe do SSRI — incluindo o Prozac, Zoloft e o Paxil — “não têm uma vantagem significativa sobre o placebo”.

Terapia ou droga

Como é possível? Dezenas de milhões de americanos — incluindo eu e muitas pessoas que conheço — gastam em conjunto todos os anos milhares de milhões de dólares em SSRI. Isto não sugere que estas drogas são eficazes? Não necessariamente. No mínimo, podemos dizer que este consumo maciço de SSRI não fez baixar os níveis de depressão — e toda esta profusão de comprimidos parece estar directamente ligada a níveis substancialmente mais altos de depressão.
Entretanto, a relação entre níveis baixos de serotonina e a ansiedade ou a depressão (que era, e de certa forma ainda é, a razão teórica para que os SSRI, que fazem aumentar a serotonina, devessem funcionar) parece agora menos evidente do que se pensava. George Ashcroft, investigador de psiquiatria na Escócia, na década de 1950, foi um dos cientistas responsáveis pela teoria do desequilíbrio químico das doenças mentais, mas acabou por a abandonar quando futuras investigações não a corroboraram. “Temos procurado grandes e simples explicações neuroquímicas para as disfunções psiquiátricas, mas não as encontrámos”, reconheceu em 2005 Kenneth Kendler, co-editor da revista Psychological Medicine e professor de psiquiatria na Virginia Commonwealth University.

Algumas drogas funcionam para algumas pessoas, mas as razões disso são pouco claras e os resultados às vezes fugazes. Claro, os estudos também não provaram que os níveis de resposta a formas de tratamento não farmacológico são mais elevados do que as respostas a antidepressivos ou outras drogas. Alguns estudos recentes concluíram que os efeitos da terapia cognitivo-comportamental são mais duradouros do que os tratamentos com medicamentos. Mas como é regra em muitos tipos de terapias, os pacientes parecem estar divididos bastante equitativamente entre os que registam melhorias a longo prazo, os que apenas apresentam melhorias transitórias e os que não apresentam quaisquer melhorias. (Isto é também verdade para muitos tratamentos com placebo.)

Mesmo quando me parece difícil apoiar a maioria destes tratamentos, tenho também dificuldades em condená-los. Como a medicação, eles ajudam claramente alguns pacientes. Este é um facto que eu consigo atestar pessoalmente.

A ansiedade pode ser um aliado do génio artístico

Num domingo de Outono de 1995, quando a minha mãe lhe anunciou que poderia querer divorciar-se, o meu pai, desesperado em salvar o casamento e num gesto que não era nada seu, aceitou participar num aconselhamento para casais. Quando isso não resultou, e a minha mãe o deixou, ele sentiu-se desancorado e começou a ir ao dr. L, o meu psiquiatra. Até então, apesar de passar os cheques para os meus psiquiatras e os da minha irmã, ele desdenhava a psicoterapia. “Como é que correu a tua aula de tolos?”, perguntava a gozar, quando eu vinha de uma sessão. Fazia isto tantas vezes que a expressão se tornou parte da língua franca da família, e eu e a minha irmã acabámos por nos referirmos sem ironias às nossas aulas de tolos. (“Mãe, podes dar-me boleia para a minha aula de tolos na quarta-feira?”)

E no entanto, lá estava ele, partilhando subitamente um terapeuta comigo. As minhas próprias sessões com o dr. L acabaram por ser dominadas pelas suas perguntas sobre a sua nova estrela em análise, o meu pai. Eu não censurava o dr. L por achar que o meu pai era um paciente mais interessante que eu. Afinal, a mim já me via há 15 anos e ao meu pai há apenas alguns meses. O meu pai começou a terapia emocionalmente fragilizado devido à separação, profundamente abalado, e desde há pouco tempo, sóbrio. Terminou a terapia em menos de dois anos, feliz, produtivo, novamente casado e a dizer (ele o dr. L) que estava muito mais “auto-realizado” e “autêntico” do que alguma vez estivera. Durante 18 meses fez terapia com várias interrupções. Ao passo que eu estava a começar o meu 18.º ano de terapia com o dr. L e estava tão ansioso como sempre.

Até certo ponto, alguma ansiedade ajuda à adaptação. De acordo com Charles Darwin (que parece que sofreu de uma paralisante agorafobia, que durante anos, depois da sua viagem no Beagle, o deixou fechado em casa), as espécies que sentem uma certa dose de medo têm mais hipóteses de sobreviver. Nós, pessoas ansiosas, somos seleccionados porque mais dificilmente saltamos de um precipício ou nos tornamos pilotos de combate.

Um estudo influente conduzido há 100 anos por dois psicólogos de Harvard, Robert M. Yerkes e John Dillingham Dodson, lançou as fundações da ideia de que níveis moderados de ansiedade melhoram o desempenho: demasiada ansiedade, obviamente, faz diminuí-lo, mas muito pouca também o prejudica. “Sem ansiedade, pouco seria conseguido”, escreveu David Barlow, fundador e director do Center for Anxiety and Related Disorders da Boston University. “A performance de atletas, entertainers, executivos, artesãos e estudantes é prejudicada; a criatividade diminui, colheitas poderão não ser plantadas. E todos nós alcançaríamos aquele estado idílico que há muito procuramos na nossa sociedade acelerada de passarmos a vida à sombra de uma árvore. Isto seria tão mortal para a espécie como uma guerra nuclear.”

Mesmo que eu não possa recuperar totalmente da minha ansiedade, acabei por acreditar que ela tem algum valor redentor.
Há provas históricas de que a ansiedade pode ser um aliado do génio artístico e criativo. Os dons literários de Emily Dickinson, por exemplo, estavam extremamente ligados à sua reclusão, que alguns dizem ser um produto da sua ansiedade. (Ela simplesmente não saiu de casa depois dos 40 anos.) Franz Kafka fez da sua sensibilidade neurótica a sua sensibilidade artística. Woddy Allen também. Jerome Kagan, um importante psicólogo de Harvard que passou mais de 50 anos a estudar o temperamento humano, defende que a ansiedade de T. S. Elliot e a sua psicologia da “hiper-reactividade” o ajudaram a tornar-se um grande poeta. Elliot era, observa Kagan, uma criança “tímida, cautelosa, sensível”. Mas, por ter tido uma família que o apoiava, boa formação académica e “capacidades verbais invulgares”, Elliot pôde “explorar a sua preferência temperamental por uma vida introvertida, solitária”.

Talvez mais famosa seja a forma como Marcel Proust transformou a sua sensibilidade neurótica em arte. O seu pai, Adrien, era um médico muito interessado no sistema nervoso e foi co-autor de um livro influente chamado L’hygiène du Neurasthénique. Marcel leu o livro do pai, tal como muitos outros livros dos mais importantes médicos especializados no sistema nervoso do seu tempo, e incorporou os trabalhos deles no seu. A sua ficção e não ficção está “saturada de vocabulário de disfunção nervosa”, como apontou um historiador. Para Proust, o refinamento da sensibilidade artística estava directamente ligado a uma disposição nervosa.

O esgotamento de Isaac Newton

Dean Smonton, professor de Psicologia da Universidade da Califórnia em Davis, que passou décadas a estudar a psicologia de génios, escreveu que a “criatividade excepcional” está muitas vezes ligada à psicopatologia; pode muito bem acontecer que alguns mecanismos cognitivos ou neurobiológicos que predispõem algumas pessoas a desenvolver problemas de ansiedade também fomentem um pensamento criativo.

Muitos dos cientistas mais famosos da História também sofriam de ansiedade ou depressão, ou de ambos.
Quando Isaac Newton inventou o cálculo, passou 20 anos sem divulgar o seu trabalho — porque, conjectura-se, estava demasiado ansioso e deprimido para contar a alguém. (Durante mais de cinco anos depois de um esgotamento nervoso, à volta de 1678, quando estava na casa dos 30, raramente saía do seu quarto em Cambridge.)

Se Darwin não tivesse ficado durante décadas preso em casa por causa da sua ansiedade, talvez nunca tivesse conseguido acabar o seu trabalho sobre a evolução. A carreira de Sigmund Freud foi, no início, quase desviada pela ansiedade e autoquestionamento; ele ultrapassou-a e, quando ganhou a fama de grande homem da ciência, Freud e os seus acólitos tentaram retratá-lo como um sábio eternamente autoconfiante. Mas as suas primeiras cartas revelam o contrário.

Não, a ansiedade só por si não nos vai transformar num poeta ou cientista na lista dos Prémios Nobel. Mas se a domarmos correctamente poderá tornar-nos melhores trabalhadores.

Jerome Kagan afirma que só contrata para assistentes de investigação pessoas com temperamentos altamente reactivos. “Eles são compulsivos, não cometem erros”, disse ao New York Times. Há mais quem apoie esta observação. Um estudo de 2013 do Academy of Management Journal, por exemplo, concluiu que os neuróticos contribuem mais para projectos de grupo do que os seus colegas previam, enquanto os extrovertidos contribuem menos. E em 2005, investigadores do Reino Unido publicaram um artigo, “Can Worriers Be Winners?”, dizendo que gestores financeiros com mais ansiedade tendiam a ser melhores, mais eficientes a gerir dinheiro, desde que a sua preocupação fosse acompanhada por um Q.I. elevado.

Infelizmente, a relação positiva entre preocupação e performance no trabalho desaparecia quando havia um Q.I. baixo. Mas alguns estudos mostram que a preocupação excessiva está aliada à inteligência. Jeremy Coplan, o principal autor de um estudo que apoia esta tese, diz que a ansiedade facilita a adaptação evolutiva porque “muito frequentemente aparece um perigo”. Quando isso acontece, as pessoas ansiosas estão provavelmente mais preparadas para sobreviver. Coplan, professor de Psiquiatria no Centro Médico Downstate da State University de Nova Iorque, diz que a preocupação pode ser uma boa característica em líderes — e que a falta dela pode ser perigosa. Se as pessoas em posições de liderança são “incapazes de ver qualquer perigo, mesmo quando o perigo é iminente”, muito provavelmente irão “indicar à população que não precisa de se preocupar”, entre outras más decisões. (Alguns comentadores sugeriram, com base em conclusões como esta, que a principal causa do crash financeiro de 2008 foi a de os políticos e os financeiros serem estúpidos ou insuficientemente ansiosos, ou ambos.)

O princípio da consciência

Estudos feitos por Stephen Suomi, o chefe do Laboratório de Etologia Comparada no Instituto Nacional de Saúde, permitiram verificar que quando macacos geneticamente predispostos para ser ansiosos foram retirados prematuramente às suas mães ansiosas, e entregues a mães não ansiosas para serem criados, acontecia uma coisa fascinante: estes macacos cresciam com menos ansiedade do que os seus pares com as mesmas características genéticas — e muitos tornavam-se, o que é intrigante, nos líderes dos seus grupos. Isto sugere que, sob as circunstâncias certas, algum quociente de ansiedade nos pode permitir sermos líderes melhores.
Como sempre, tudo isto parte do pressuposto de que a ansiedade é produtiva principalmente quando não é de tal maneira forte que se torne debilitante. Mas, se você for ansioso, talvez encontre algum alento nestas conclusões.

Acabei por compreender que a minha própria disposição nervosa é talvez uma parte essencial de mim — e não só de forma negativa. “Detesto a tua ansiedade e detesto que ela te faça infeliz”, disse-me uma vez a minha mulher. “Mas e se as coisas que eu adoro em ti estiverem ligadas à tua ansiedade?” “E se”, perguntou ela, indo ao fundo da questão, “te curares da ansiedade e te tornares um palerma total?”

Suspeito de que era isso que poderia acontecer. Os pilotos militares têm fama de ter pouca ansiedade. Um estudo com uma amostra pequena, feito na década de 80, concluiu que nove em cada dez separações e divórcios entre os pilotos da Força Aérea partiram das mulheres. Talvez as duas coisas estejam relacionadas. Níveis baixos de exaltação do sistema autónomo (que pode corresponder a baixo nível de ansiedade) têm sido ligados não apenas a uma necessidade de aventura (como por exemplo, pilotar um avião de combate), mas também a uma certa obtusidade interpessoal, uma falta de sensibilidade para os sinais sociais. Pode acontecer que a minha ansiedade me dê uma inibição e uma sensibilidade social que me coloca mais em sintonia com as outras pessoas e me faz um marido mais tolerante do que eu seria de outra forma.

A noção de uma relação entre a ansiedade e a moralidade é anterior às descobertas da ciência moderna e à intuição da minha mulher. Santo Agostinho acreditava que o medo levava à adaptação porque ajuda as pessoas a terem comportamentos morais. A romancista Angela Carter chamou à ansiedade “o princípio da consciência”. Alguma investigação às determinantes do comportamento de criminosos mostram que estes tendem a ter níveis mais baixos de ansiedade, especialmente na juventude, do que os não criminosos. (Por outro lado, diferentes estudos mostram que altos níveis de ansiedade, especialmente na juventude, estão ligados a comportamentos delinquentes.)

A minha ansiedade pode ser intolerável. Mas talvez seja também um dom — ou pelos menos o outro lado de uma moeda que devo pensar duas vezes se quero mesmo trocar. Por muitas vezes que a ansiedade me tenha retraído — impedido de viajar ou de aproveitar oportunidades ou tomado certos riscos — também me levou, inquestionavelmente, a avançar. “Se um homem fosse uma besta ou um anjo, não seria capaz de estar em ansiedade”, escreveu Soren Kierkegaard em 1844. “Uma vez que ele é a síntese, ele pode estar em ansiedade, e quanto maior a ansiedade, maior o homem.” Disso já não sei. Mas sei que algumas das coisas pelas quais eu estou mais agradecido — a oportunidade de dirigir uma revista respeitável, um espaço, por muito periférico que seja, que molda o debate público; uma sensibilidade itinerante e curiosa; e quaisquer quocientes de inteligência emocional e boa avaliação que eu tenha — não apenas coexistem com a minha condição, como são em grande parte um produto dela.

No seu ensaio de 1941 intitulado The Wound and the Bow, o crítico literário Edmund Wilson escreve sobre Filoctetes, o herói de Sófocles: a sua ferida infectada e incurável no pé, provocada pela dentada de uma serpente, está ligada ao dom de uma pontaria infalível com o seu arco e flecha — a sua “doença pestilenta” é inseparável da sua “arte sobre-humana” para o tiro. Tenho sido sempre arrastado para esta parábola: nela está subjacente, como aponta a escritora Jeanette Winterson, “a proximidade entre a ferida e o dom”, a ideia de que na fraqueza e no que nos envergonha está também o potencial de transcendência, heroísmo ou redenção. A minha ansiedade continua a ser uma ferida incurável que, às vezes, me retrai e me enche de vergonha. Mas também pode ser, ao mesmo tempo, uma fonte de força e de algumas bênçãos.

Scott Stossel é director da edição em papel da The Atlantic e autor de My Age of Anxiety: Fear, Hope, Dread, and the Search for Peace of Mind.

Exclusivo PÚBLICO/The Atlantic

A primeira parte deste artigo, Sobreviver à ansiedade, foi publicada na edição de 2 de Fevereiro de 1014

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