Oposição regressa à Ucrânia com apoio europeu, Presidente regressa ao poder com agenda incerta

Viktor Ianukovich volta ao trabalho nesta segunda-feira, ao fim de quatro dias de baixa. Depois de uma semana com algumas concessões à oposição, Moscovo começa a pressionar o Presidente ucraniano para resolver os problemas internos.

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Os principais rostos da oposição transmitiram aos manifestantes o que ouviram dos líderes europeus e norte-americanos Vasily Fedosenko/Reuters

Milhares de ucranianos voltaram neste domingo a encher a Praça da Independência, no centro de Kiev, para ouvirem da boca dos líderes da oposição ao Presidente Viktor Ianukovich que a União Europeia e os Estados Unidos estão com eles, no mesmo dia em que o chefe do Estado anunciou o fim da sua baixa médica.

Regressado de Munique, onde se reuniu com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, o antigo campeão de  boxe e líder do partido Udar (Murro), Vitali Klitschko, disse à multidão que "o mundo democrático percebeu que não há confiança no regime de Ianukovich".

Mas o que Klitschko e Arseniy Yatseniuk, líder de outro partido do centro-direita, o Batkivshchina (Pátria), ouviram da boca dos líderes da União Europeia e dos EUA ficou aquém do sentimento de urgência dos manifestantes. Apesar das palavras duras do secretário de Estado norte-americano, que descreveu a Ucrânia como o centro de uma "luta por um futuro democrático e europeu", os principais rostos da oposição tinham poucas novidades para anunciar à multidão.

"Falámos sobre a possibilidade de uma mediação internacional nas negociações com Ianukovich, para que depois não haja interpretações distintas das obrigações", disse Vitali Klitschko. A União Europeia e os EUA, disse Arseniy Yatseniuk, "estão prontos a ajudar o povo ucraniano", mas primeiro é preciso que a calma regresse às ruas de Kiev. Para a oposição, isso significa que "o Parlamento tem de rever a Constituição e ver-se livre dos poderes ditatoriais do Presidente", acrescentou o líder do Batkivshchina.

A principal questão, como sempre, é o dinheiro: "Nós dissemos aos nossos parceiros ocidentais que precisamos de uma ajuda financeira concreta para tirar o país da crise. Mas quando dizemos 'nós', estamos a falar no povo ucraniano – nem um cêntimo poderá ir para o regime de Ianukovich", afirmou Arseniy Yatseniuk.

Viktor Ianukovich de volta ao trabalho
Enquanto os manifestantes ouviam os principais rostos da oposição na Praça da Independência, a Presidência da Ucrânia anunciava o regresso do chefe do Estado às suas funções, ao fim de quatro dias de baixa por causa de uma infecção respiratória aguda, de acordo com a versão oficial. "Depois de ter recebido o tratamento necessário, o Presidente da Ucrânia sente-se bem e a sua saúde é satisfatória", disse o médico Oleksandr Orda, citado num comunicado publicado no site da Presidência.

O que irá fazer Viktor Ianukovich a partir desta segunda-feira é uma incógnita tão grande quanto a sua saída de cena temporária. Depois de uma semana em que o Presidente parecia caminhar para o território das concessões – com a demissão do Governo, o convite à oposição para integrar um novo executivo e a libertação de manifestantes detidos, embora sujeita à desocupação dos edifícios governamentais que foram tomados nos últimos dias –, surgem notícias de que a pressão de Moscovo para que Viktor Ianukovich resolva a situação custe o que custar já está a provocar danos significativos na economia da Ucrânia.

Na zona oriental do país, mais próxima e dependente financeiramente da Rússia, o fluxo de camiões carregados de produtos ucranianos foi interrompido pelo reforço das inspecções na fronteira.

"Os produtos feitos na China passam sem problemas. Mas os que são produzidos nas nossas fábricas, mesmo que seja apenas um punhado de parafusos, recebem o tratamento completo, com inspecções minuciosas", disse à revista Time Iuri Kuchinski, vice-presidente da associação nacional de camionistas da Ucrânia.

O controlo começou a ser apertado na noite de 29 de Janeiro, um dia depois de o Governo de Mikola Azarov ter apresentado a demissão, e no sábado não havia sinais de regresso à normalidade. "A maioria deles continua lá, com os motores dos camiões ligados para se manterem quentes. Os países irmãos não se comportam desta forma", queixou-se Iuri Kuchinski.

Moscovo não nega o reforço das inspecções na fronteira, mas recusa qualquer acusação de pressão sobre o Presidente Viktor Ianukovich. "Quando homens sujos e armados com bastões ocupam ministérios e fazem o que lhes apetece, é claro que temos de controlar com mais cuidado os produtos que saem desse país. Qualquer país ocidental faria o mesmo", disse Andrei Klimov, um dos diplomatas envolvidos nas negociações entre a Rússia e a União Europeia sobre a situação na Ucrânia.

Nos últimos dias – depois da queda do Governo ucraniano –, o Presidente russo, Vladimir Putin, ordenou a suspensão da linha de crédito superior a 11 mil milhões de euros que Moscovo concedeu a Kiev e não tem escondido o desagrado com a forma como Viktor Ianukovich está a lidar com os protestos.

Sergei Glazev, um conselheiro de Putin distinguido pelo Kremlin pelo seu papel no sucesso da reaproximação da Ucrânia à Rússia – ou no falhanço da aproximação da Ucrânia à União Europeia –, deixou bem claro o descontentamento de Moscovo, em declarações à revista da empresa Gazprom: "O Presidente [da Ucrânia] tem uma opção. Ou defende o Estado ucraniano e põe fim à insurreição, ou arrisca-se a perder o poder. Se isso acontecer, a Ucrânia enfrentará o caos crescente e um conflito interno sem fim à vista."

O aperto económico da Ucrânia, entre as promessas a médio e longo prazo da União Europeia e as linhas de crédito imediatas da Rússia, é o principal motor da actual crise política, e a oposição frisou isso mesmo no fim-de-semana, na Conferência de Segurança de Munique, junto dos líderes da União Europeia e dos EUA.

Ao mesmo tempo que condenou uma eventual declaração de estado de emergência na Ucrânia, o líder do partido Batkivshchina deixou também um recado aos países que disputam o mercado e a posição estratégica da Ucrânia com a Rússia: "A Ucrânia precisa desesperadamente de um Plano Marshall, e não da lei marcial", disse Arseniy Yatseniuk no sábado, numa referência ao gigantesco plano norte-americano com vista à recuperação da Europa no final da Segunda Guerra Mundial, que teve como objectivo impedir o avanço do comunismo.
 

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