Menos bolsas, menos economia

As medidas que o Governo adopta na ciência arriscam reverter o desenvolvimento qualitativo e quantitativo atingido nos últimos 20 anos. Assistimos ao desinvestimento e à redução abrupta nas bolsas e nos contratos de cientistas doutorados. O Governo começou por lançar uma cortina de fumo sobre as suas reais intenções: primeiro-ministro e FCT negaram a redução, avançando que as bolsas cortadas seriam restabelecidas por programas doutorais e concursos de investigação a lançar em anos futuros. Apesar do benefício da dúvida, o processo foi mal gerido: decapitaram-se projectos, deitaram-se à rua, sem qualquer tipo de protecção social, bolseiros especializados altamente treinados.

A secretária de Estado concedeu que se impunha “podar” um sistema científico nacional que cresceu demasiado. Sobe a fasquia: ser excelente não basta, é necessário ser “investigador excepcional”. Ora uma coisa é o que se obtém com um sistema científico competitivo e dinâmico, outra bem diferente é o produto de um sistema científico elitista e descarnado. A verdade é provavelmente outra: subjacente aos cortes na ciência está o preconceito da tutela da economia: os investimentos em ciência pouco ou nada trariam ao país. Sendo gasto, não investimento, corte-se! Tanto mais que são escassas as patentes, poucas as spin-off, raros os doutorados em empresas. É verdade, há pouco de tudo isto. Mas a aposta na ciência é de longo prazo. Conquistámos massa crítica, convergimos com a Europa. Centros de investigação batem-se no campo internacional, atingem níveis importantes na relação com as empresas. A imprensa revela-o a cada semana.

E se o esforço público tem estado presente e dado resultados, é caso para perguntar o que tem sido feito no sentido inverso, para que também as empresas venham ao encontro do potencial de inovação. Onde continuamos na escala de incorporação de valor? Como melhorar a capacidade absortiva tecnológica das empresas, já que a transferência de tecnologia incumbe a estas, não ao Estado? Tem sido alavancado investimento em inovação a favor das PME? Como assegurar que os próximos fundos europeus sejam mais eficazes na convergência entre empresas e ciência? Estes é que são os problemas. Reduzi-los a cortes na ciência é desistir de apostar na competitividade económica.

Assistente no Parlamento Europeu
 
 
 

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