Governo manterá poder sobre administração da RTP

Executivo vai nomear dois elementos do novo conselho geral da RTP, participar na escolha de mais dois, terá parecer prévio e vinculativo sobre administrador financeiro e mantém toda a Assembleia Geral. Novo órgão fará avaliações semestrais de cada canal.

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Pedro Cunha / Arquivo

O Governo vai manter pelo menos metade do poder decisório no novo conselho geral independente que pretende criar para a RTP, a que se soma o parecer prévio e vinculativo sobre o administrador responsável pela área financeira. O Estado mantém também na sua alçada a Assembleia Geral, composta exclusivamente por membros designados pelo Governo. Um cenário que poderá contrariar a intenção a montante da criação deste novo órgão: a desgovernamentalização da RTP.

O esqueleto do que será a nova RTP começa a ser discutido na Assembleia da República na próxima sexta-feira, com o debate e a votação na generalidade dos novos estatutos e das necessárias alterações às leis da televisão e da rádio para acomodarem a reconfiguração do serviço público. Os diplomas passam depois para a discussão na especialidade. Para mais tarde fica o novo contrato de concessão que esteve em consulta pública e cuja última versão do Governo aguarda pareceres da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social e do Conselho de Opinião. Um adiamento que levanta um problema: o contrato continua a estipular que entra em vigor a 1 de Janeiro deste ano e obriga a concessionária a adaptar a sua programação e outros aspectos às novas regras no prazo de 90 dias – ainda nem sequer há data para a sua assinatura e já se perderam 30 dias.

O ministro da tutela, Miguel Poiares Maduro, tem feito da desgovernamentalização da RTP a bandeira da sua reforma do serviço público de rádio e televisão e argumenta que o conselho geral independente irá assumir todas as suas competências actuais, pelo que deixa de haver qualquer “braço do Governo” na empresa. Mais tarde, assumiu que, afinal, a tutela financeira se mantém no Executivo.

Agora, nos novos estatutos que propõe para a empresa, impõe que a “designação do membro responsável pela área financeira [seja] sujeita a parecer prévio e vinculativo do membro do Governo responsável pela área das Finanças”.

Dos seis elementos que irão compor o conselho geral independente (CGI), o Governo indigita dois, o Conselho de Opinião outros dois, e esses quatro irão depois indicar mais dois. O presidente será eleito entre os seis membros. O perfil definido é muito aberto: devem ser “personalidades de reconhecido mérito, assegurando uma adequada representação geográfica, cultural e de género, com experiência profissional relevante e indiscutível credibilidade e idoneidade pessoal”. Nem uma palavra sobre o conhecimento do sector audiovisual.

Ouvidos na AR, mas sem escrutínio
Todos os escolhidos terão que ser ouvidos pela Assembleia da República – mas sem escrutínio - e os seus currículos serão comunicados à ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social para mera verificação do cumprimento dos requisitos e da inexistência de incompatibilidades e conflitos de interesses. A lista das incompatibilidades comporta pessoas que integrem outros órgãos sociais da RTP, governantes, deputados e autarcas, administradores de empresas públicas. Ou que exerçam funções cujo interesse esteja em conflito de interesses com as que poderá desempenhar no CGI – a descrição dos estatutos é, também ela, muito escassa e generalista.

Será, promete o Governo, um “órgão genuinamente independente, cuja criação procura contribuir quer para uma cabal eliminação do risco, ou da percepção do risco, de interferência do poder político na actuação da RTP”.

O mandato dos membros inamovíveis deste CGI é de seis anos, porém, dentro de três anos, metade serão substituídos, por sorteio, por outros novos, que serão escolhidos pelos que permanecerem. A intenção é, depois, ter sempre três nomes a serem renovados a cada três anos. Depois de ter anunciado que os conselheiros trabalhariam pro bono, sem qualquer remuneração, o ministro voltou atrás e retirou da versão final enviada ao Parlamento essa norma. Porque entre outras vozes, a ERC veio criticar tal opção. Agora, essa regra fica ao sabor da vontade dos deputados – ou do Governo, que continua a dominar a RTP através da Assembleia Geral, órgão que fixará os ordenados dos membros do CGI – entre outras competências que lhe são atribuídas e que estão ligadas à gestão financeira da empresa.

Mas há ainda outra área em que o Governo, afinal, mantém poder sobre a RTP. De acordo com a última proposta do contrato de concessão, o lançamento de novos canais fica dependente de autorização expressa do Estado, após parecer do Conselho Geral Independente.

Avaliações semestrais
O novo órgão de supervisão vai fazer avaliações semestrais a cada canal de televisão e de rádio do grupo estatal para apurar se se cumpriram os princípios e as regras orientadoras de programação do contrato de concessão. Essa análise do novo Conselho Geral Independente será feita com base na auto-avaliação que cada canal terá que lhe entregar. Esta é apenas uma das atribuições de fiscalização do novo órgão independente, que o ministro Miguel Poiares Maduro pretende que substitua o Governo na tutela estratégica da RTP e afaste o fantasma da governamentalização que assombra, desde sempre, o serviço público.

O único órgão que ganha espaço na cúpula da RTP com esta nova estrutura é o Conselho de Opinião, sendo curioso que recupere um poder precioso com um Governo social-democrata, depois de o ter perdido com o executivo de Durão Barroso, através do então ministro Nuno Morais Sarmento. Em 2002, Sarmento acabou com o poder do Conselho de Opinião vetar os nomes indicados para a administração na sequência de um braço de ferro em que aquele órgão recusava dar o seu aval a Almerindo Marques.

O ministro prevê que a nova entidade esteja em funções dentro de dois a três meses. Que RTP encontrará nessa altura? Não é expectável que o relacionamento entre a administração liderada por Alberto da Ponte e os trabalhadores – ou pelo menos com a Comissão de Trabalhadores – seja melhor do que agora. Anteontem o presidente deu uma entrevista à Notícias TV em que afirmava que alguns trabalhadores da RTP “não fazem puto”, o que motivou indignação na empresa. Mantém-se a necessidade de cortar despesa com os recursos humanos e os processos de rescisões amigáveis arrastam-se há quase um ano.

Para este ano, o conselho de administração tem o grande desafio de implementar o actual PDR – Plano de Desenvolvimento e Redimensionamento, que impõe os cortes na despesa e o aumento de audiências. A intenção é chegar a Janeiro de 2015 com a soma da RTP1 e RTP2 nos 22% de audiência, mas o caminho dos 16,5% que tem hoje até à meta ainda é longo.

Dos 73,3 milhões de euros de gastos com pessoal previstos para 2013, a empresa tem que reduzir para 55,2 milhões este ano (-28%). O total das despesas tem que baixar de 204,8 milhões de euros para os 180. Do lado da receita, há 166 milhões de euros de contribuição para o audiovisual (no ano passado foram 140) e cerca de 40 milhões de receitas publicitárias (a expectativa era de 45 milhões, mas já foi revista). Os 26 milhões de euros da contribuição audiovisual provenientes do aumento decidido pelo Governo vieram dar uma ajuda, mas não taparão o buraco que as rescisões amigáveis e um eventual despedimento colectivo vão abrir.

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