Casos de cancro preocupam funcionários que trabalham em edifício com amianto

Governo admite que o prédio onde está a Direcção-Geral de Energia e Geologia não tem condições. A mudança está, porém, dependente de encontrar um edifício com renda mais baixa, e de uma autorização das Finanças.

Quase 70 funcionários da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) pedem a mudança urgente do edifício onde trabalham na Avenida 5 de Outubro, no centro de Lisboa, onde foi detectado amianto. Segundo a TSF, que noticiou o caso nesta sexta-feira, o Governo está à procura de outro edifício, com uma renda mais baixa, mas falta uma autorização das Finanças.

A TSF cita uma carta assinada por 66 trabalhadores, no final de 2013, que revelam a preocupação com uma “prevalência significativa" de funcionários (19) que adoeceram com cancro. Destes, nove já morreram e outros têm problemas “respiratórios, perturbações gástricas e enxaquecas”. O PÚBLICO procurou obter a carta mas na DGEG ninguém quis falar. A direcção também não está disponível para prestar declarações. A presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, Helena Rodrigues, disse ao PÚBLICO esta tarde que os funcionários da DGEG "não querem adiantar mais nada" sobre o caso e pedem "reserva".

Segundo a TSF, a carta dos funcionários assinala o caso de um trabalhador que morreu em 2012 com um cancro “fulminante” nos pulmões. A família deste funcionário enviou todos os exames realizados para uma clínica na Alemanha, onde os médicos afirmaram que a causa da doença terá sido a “exposição prolongada a ambiente com amianto”.

O amianto era um material muito utilizado na construção civil no século XX, nomeadamente em coberturas, tectos falsos, tubagens ou pavimentos, pela sua resistência ao calor, som, electricidade e produtos químicos. Está classificado como cancerígeno. Se as suas fibras microscópicas forem inaladas permanecem nos pulmões durante muito tempo, provocando doenças, anos mais tarde.

A TSF cita um relatório encomendado pela tutela em 2012, segundo o qual existe amianto nas divisórias de todos os pisos do edifício da Av. 5 de Outubro. O documento sugere que seja “equacionada” a saída dos serviços daquele local, mas não aponta um prazo. O PÚBLICO tentou ter acesso ao relatório e confrontar o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia mas não obteve resposta.

Contenção de custos e burocracia
Em declarações à rádio, o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, reconheceu que o Governo chegou “há uns meses” à conclusão que o edifício não tem condições para acolher os funcionários. “A principal característica relacionada com a inadequação do edifício é exactamente esse tema do amianto, uma vez que os níveis de exposição a esse material não estão dentro daquilo que é considerado desejável”, afirmou.

“Haja ou não essa relação [com os casos de cancro], o Governo já decidiu efectuar essa mudança, por uma questão até de precaução”, acrescentou. Há, porém, um entrave: “É preciso garantir que a renda, a nova renda que vai ser imputada ao serviço, tem cabimento orçamental. E nesta fase em que estamos das finanças públicas tem que corresponder a uma diminuição de renda”, diz Artur Trindade.

Segundo o secretário de Estado, falta uma autorização das Finanças, que recebeu o pedido “há dias”. O PÚBLICO questionou o ministério sobre qual o valor actualmente pago de renda na Av. 5 de Outubro, sem resposta.

Sem conhecer as condições em que ocorreu a exposição dos funcionários ao amianto, e em que quantidades, é difícil estabelecer com certeza uma relação de causa-efeito. Se o material estiver sob a forma “não-friável”, ou seja, imobilizado em determinados materiais, como em coberturas ou pisos, o risco é mínimo. Será maior se estiver presente no isolamento de tubos, caldeiras ou tectos falsos. A possibilidade de inalação é significativa se os materiais estiverem degradados, com as fibras soltas.

O cancro que tem origem na exposição a fibras de amianto “está perfeitamente identificado”, refere a pneumologista Paula Alves Figueiredo, “não há forma de confundir com outro tipo de cancro”: “tem origem na pleura [a membrana que envolve o pulmão] e chama-se mesotelioma pleural, podendo depois invadir o pulmão”, refere a médica que é membro da comissão de trabalho de oncologia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. “Muitos doentes não chegam a tempo da cirurgia e, mesmo operados, a sobrevida média é baixa, é de meses”.

Quando se trata de exposição a fibras de amianto presente em revestimentos, como sejam paredes, “o que está descrito é que é preciso uma exposição prolongada, com um tempo de latência de 20 a 40 anos”. No caso de exposições mais directas, como é o caso de trabalhadores envolvidos nas demolições de edifícios onde haja amianto, a doença demora menos tempo a manifestar-se, explica. “A destruição é um risco enorme”. No passado, a exposição acontecia também junto de profissionais como electricistas, porque havia amianto nos revestimentos eléctricos, ou nos mineiros. Como o período de latência é tão grande “continua a haver casos novos”. O uso de amianto está proibido, já se destruíram muitos edifícios, “mas há ainda muitos sítios onde não se sabe que existe amianto”, alerta.

Falta levantamento de edifícios com amianto
O caso chegou ao conhecimento da associação ambientalista Quercus, que escreveu há dois meses ao ministério liderado por Jorge Moreira da Silva, sem obter resposta. Também o STE considera que as declarações de Artur Trindade, sobre a necessidade de esperar que se encontre um edifício com uma renda mais barata, podem merecer uma acção judicial.

Há alguns anos que o Governo procura um quadro do risco do amianto nos edifícios públicos. Em 2009, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), que gere o património imobiliário do Estado, pediu a todos os ministérios listas de edifícios que potencialmente poderiam ter amianto na sua construção. Nove dos 14 ministérios então existentes nessa altura – no segundo Governo de José Sócrates –, mais a Presidência do Conselho de Ministros, enviaram informação, mais ou menos detalhada.

Ironicamente, um dos ministérios faltosos foi o do Ambiente, sobre o qual não há qualquer informação no processo existente na DGTF. O PÚBLICO questionou o ministério sobre se entretanto foi feito algum levantamento mas não obteve resposta.

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