IMI leva donos de prédios do Porto a preparar acção judicial contra Finanças

Proprietários do centro histórico, classificado pela UNESCO, exigem isenção do imposto. Câmara concorda, mas as Finanças não.

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No Centro Histórico há prédios que nunca pagaram IMI, outros que passam a pagar e outros ainda que pagaram sempre Fernando Veludo

Proprietários de imóveis no centro histórico do Porto estão a criar um movimento para avançar para tribunal contra as Finanças por exigir o pagamento de IMI de prédios situados naquela zona classificada como Património da Humanidade.

Em declarações à Lusa, Manuel Ferreira, proprietário de uma farmácia na rua das Flores e dinamizador do movimento, afirmou que o que está a acontecer "não se entende e não justifica", porque os imóveis em zonas históricas classificadas estavam isentos ao abrigo da lei.

Manuel Ferreira adiantou que o movimento pretende obrigar as Finanças "a atribuir a isenção de forma automática" a todos os prédios urbanos existentes em zonas classificadas. No caso do Porto, adiantou, o mais estranho é que há discrepâncias quanto à cobrança e/ou isenção de IMI. "Há prédios que estavam isentos e que agora pagam o imposto, mas há também prédios que estão e sempre estiveram isentos e outros ainda que sempre estiveram sujeitos ao IMI", disse.

A mesma situação foi confirmada à Lusa por Maria João Marques, proprietária de dois imóveis no centro histórico, que foi confrontada em Novembro com a notificação das Finanças para proceder ao pagamento do IMI de apenas um dos seus dois prédios, sendo que o outro mantém a isenção.

"O meu vizinho do lado, a quem foi concedida isenção, não recebeu nenhuma notificação das Finanças", acrescentou a moradora, não conseguindo entender a discrepância na interpretação da lei que prevê isenções para prédios classificados como monumentos nacionais, de interesse público, de valor municipal ou património cultural.

Maria João referiu que desde Novembro que está a tentar justificar às Finanças que o seu imóvel se encontra numa zona classificada e, como tal, beneficia de isenção, contudo, os seus esforços têm sido em vão, porque o fisco "indeferiu todos os pedidos alegando que o prédio urbano em causa necessita de uma classificação individual, o que não é possível".

"Isto é como pedir a um general que apresente a patente de sargento", rematou o marido, Paulo Freitas, criticando a atitude, tendo em conta que já foi apresentado ao fisco diversa documentação, inclusive um documento emitido pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) Porto Vivo que discrimina, prédio a prédio, os imóveis de 128 ruas inseridos na zona classificada pela Unesco e que beneficiam de isenção.

Os proprietários que foram recentemente notificados pelas Finanças têm ainda o problema de não conseguir liquidar o IMI desde 2009 em prestações, porque para isso é preciso deixar passar o prazo de pagamento, que termina na sexta-feira, e esperar ser notificado já com juros. "Tenho aqui um cliente que pagou agora 16.000 euros de uma só vez", lamentou Manuel Ferreira, defendendo que "não podem existir dois pesos e duas medidas".

Para Manuel Ferreira, com a criação de um movimento de proprietários, os moradores e proprietários "terão mais força" em tribunal, além de que o processo ficará mais barato. Já Maria João e o marido decidiram avançar agora com uma reclamação graciosa, "o último recurso que resta" antes de pôr as Finanças em tribunal. "Até a Direcção Regional da Cultura entende ser impossível atribuir a classificação individual aos prédios por estes estarem inseridos num conjunto classificado", concluiu a proprietária.

O portal das Finanças refere existir isenção para prédios classificados como monumentos nacionais, de interesse público, de valor municipal ou património cultural. Refere que, de acordo com o Estatuto dos Benefícios Fiscais, os prédios que "sejam classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, gozam de isenção de IMI".

"A isenção é de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos", acrescenta o portal.

Refere ainda que, relativamente a prédios classificados mas que não foram objecto de uma classificação individualizada, "podem os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, fixar uma redução até 50% da taxa em vigor no ano a que respeita o imposto".

A Câmara do Porto defende isenção de IMI para todos os prédios situados na zona classificada como Património da Humanidade, e lembra que, em Julho, as Finanças receberam da autarquia a identificação dos imóveis abrangidos. Fonte da autarquia referiu que o anterior executivo comunicou às Finanças a identificação de todos os prédios urbanos, situados em 128 ruas da cidade, incluídos no centro histórico, que beneficiam de isenção de IMI, conforme um parecer da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) Porto Vivo.

"A SRU já emitiu mais de 60 certidões de localização, nas quais anexou todo o processo que a Câmara enviou às Finanças, a pedido de proprietários" que quiseram reclamar junto do fisco, acrescentou a fonte da autarquia. O entendimento do actual executivo, liderado pelo independente Rui Moreira, é o mesmo do anterior: "deve haver isenção de IMI" para estes prédios urbanos.

Questionada pela Lusa sobre o assunto, a presidente da Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património (APRUPP), Adriana Floret, denunciou que "há discrepâncias entre serviços de finanças do país" na interpretação da lei que isenta de IMI imóveis nos centros históricos. "A associação está a contactar cidades com centros históricos classificados para perceber como estão os seus departamentos de Finanças a agir", disse.

Segundo a responsável, está também a ser criado um grupo de trabalho para que seja possível agir de modo a que todos os centros históricos tenham o mesmo tratamento. "Já conseguimos perceber que Sintra está isenta", acrescentou, lembrando que esta questão em Évora foi levantada em 2010, enquanto em Guimarães também surgiu apenas agora, à semelhança do Porto.

Para Adriana Floret, o fim desta isenção "põe em causa a reabilitação urbana dos centros históricos", porque "deixa de existir um incentivo para tal". "Não está em causa a classificação atribuída mas a reabilitação, porque os prédios urbanos inseridos nestas zonas estão sujeitos a exigências grandes, que implicam processos complexos de licenciamento", sublinhou.

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