As freguesias e os desafios do futuro

Estão a vir agora à superfície problemas que resultam da pressa da reforma.

A reunião em congresso nacional das freguesias do nosso país neste fim-de-semana deve merecer particular atenção. Trata-se não só de renovar os órgãos da Anafre, tendo em conta os resultados das últimas eleições, mas de verificar como vai esta associação enfrentar os desafios do futuro próximo, em virtude da situação do país e do que se passou muito recentemente.

No período de 2009 a 2013, ocorreram factos totalmente imprevistos para esta categoria de autarquia local, um dos quais foi uma reforma territorial feita à pressa e mal. Em 2009, foram eleitos os órgãos de 4259 freguesias, e os participantes nestas eleições, como eleitores ou candidatos, não tiveram certamente consciência de que estavam a ocorrer as últimas eleições para largas centenas daquelas freguesias, porque iriam ser extintas durante o mandato que ia começar. Não foi sequer um tema abordado nessa altura.

A redução do número de freguesias de 4259 para 3091 operada pela reforma territorial de 2011-2013, que ambicionava abranger todo o território nacional, mas só se concretizou no continente por oposição das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, é uma história que está mal contada e que não deve ser esquecida.

Note-se que a reforma territorial das freguesias não era assunto intocável, pois não tinha havido uma reforma territorial delas desde a sua criação como entidades administrativas, em 1830 e ocorreram nestes quase duzentos anos importantes modificações demográficas no território nacional. Mas foi aqui, ao trabalhar-se na reforma, que as coisas correram mal. Em vez de uma reflexão sobre o que deve entender-se por freguesia na organização administrativa portuguesa e qual o papel a desempenhar por ela nos dias de hoje; em vez de uma ponderação atenta sobre as freguesias, município a município, fez-se algo que é quase inacreditável.

Estabeleceu-se como meta uma forte redução no número de freguesias, utilizando um critério de cortes percentuais do qual só poderiam escapar os municípios com quatro ou menos freguesias. A partir de cinco freguesias, a ordem foi para extinguir, aplicando-se praticamente o mesmo critério para todos os municípios.

Ao legislador pouco interessou saber que mais de metade dos nossos 308 municípios tinham 10 freguesias ou menos, o que, tendo em conta a extensão territorial e a população em geral dos mesmos, estava longe de ser um número elevado; também não interessou ter presente que mais de 80% dos municípios tinham 20 freguesias ou menos, o que não era também um número excessivo. Pelo contrário, parece que se fez acreditar que os municípios do nosso país tinham largas dezenas de freguesias, havendo assim que fazer cortes, quando apenas 29 tinham 30 freguesias ou mais.

Bastaria ter em atenção o mapa das freguesias no continente para concluir que a redução, tal como foi feita, não se justificava a sul do Tejo, pois a média é de cerca de seis freguesias por município, e que, a norte do Tejo, deveria existir uma apreciação cuidada concelho a concelho.

O objectivo anunciado foi cortar para cumprir o “Memorandum” acordado com a troika. Mas nem esse foi cumprido, pois ele mandava reduzir municípios e freguesias e só estas foram cortadas, e também mandava reduzir despesas, e os resultados de tal diminuição estão longe de ser significativos, se é que os houve.

Se a freguesia deve ser, como julgamos, uma entidade próxima dos cidadãos, constituindo um nível de administração barato, muito útil para a boa administração do território, resolvendo problemas que não devem ocupar a atenção dos municípios, então a reforma deveria ter isso em conta, não juntando freguesias sem critério, nem criando, como criou, freguesias maiores que muitos concelhos.

Acresce que estão a vir agora à superfície problemas que resultam da pressa da reforma, tais como o da integral instalação, que não se esgota na tomada de posse dos órgãos eleitos, e o das competências legalmente delegadas, que ficaram dependentes dos denominados acordos de execução.

Que falta faz um bom estudo sobre as freguesias para ser devidamente divulgado por todo o país e servir de base a uma necessária reforma da reforma!

Professor universitário

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